quinta-feira, 17 de novembro de 2016


Voltando à questão da Irmânia
e da Escola Livre da Irmânia

Tenho defendido, isolado, que a denominação de região da Irmânia foi uma criação do Dr. Basílio Lopes Pereira, provavelmente posterior a 1920, mas com toda a certeza posterior a 1915. Em 1915 saiu o último número do jornal “Sol Nascente”, pertencente a Basílio Lopes Pereira, e em nenhuma das suas edições é referida a região, ou a vila da Irmânia.

Como já referi, a primeira vez que surgiu a palavra “Irmânia” foi no título de uma novela de  Ângelo Jorge, publicada em 1912, e a primeira vez que aparece associada à Marmeleira é no registo de casamento de Basílio Lopes Pereira em 1921. A segunda vez ocorreu em 1922, no registo de nascimento do filho do Dr. Basílio, que  foi presenteado com o nome “Dom César Máximo Fernão da Irmânia de Melo Soares de Albergaria de Figueiredo Lobo e Silva e Souza Pacheco de Moscoso e Araújo Lopes
Pereira ”, o que até valeu ao Dr. Basílio um artigo satírico publicado pelo jornalista e historiador Rocha Martins, no jornal “Fantoches ” de 5 de Maio de 1923.

Alguns “historiadores” pouco escrupulosos têm referido a Irmânia, como uma região natural histórica, sem que apresentem qualquer prova disso, valendo-se do seu estatuto académico: “Magister dixit”.

Outros, tem mesmo sonegado ao conhecimento público documentos em que se percebe, com alguma clareza, que toda a tramoia foi criada pelo Dr. Basílio.

Para sustentar o que digo, transcrevo uma passagem de um livro de Manuel Francisco Rodrigues, colega de prisão do Dr. Basílio, intitulado “TARRAFAL, O diário da B5” , publicado pela Brasília Editora, do Porto:

 “ O advogado Basílio Lopes Pereira, o santo fundador da Irmânia, o poeta da Democracia, já se moveu trinta vezes, em contraste com o imobilismo do Reboredo…”

Quanto à questão da data de criação da Escola Livre da Irmânia, tive oportunidade de ler um artigo assinado por Aquiles, datado de 1 de Janeiro de 1961, e publicado no jornal “Defesa da Beira” de 15 de Janeiro de 1961, que informa quem quiser saber:

“Pela Irmânia

Foi a 6 de Janeiro de há umas quatro dezenas de anos, aproximadamente, fundada na Marmeleira, a Escola Livre da Irmânia.
Prestimosa e interessante instituição de educação e cultura popular a cuja acção educadora Marmeleira bastante ficou devendo.”…..

Se alguma dúvida  restasse, o Sr. Aquiles da Silva Neves, um defensor entusiasta da Escola Livre da Irmânia, esclarece-nos que  ela não foi criada em 1908, como alguns “entendidos” afirmam.

 

terça-feira, 15 de novembro de 2016


 A história enviesada pelo preconceito,

ou as leituras pouco cuidadas…

 Nas pesquisas que vou fazendo na Internet sobre os assuntos referentes a Mortágua, só muito recentemente dei conta da existência de um blog com o título  “A bem da Nação”, http://abemdanacao.blogs.sapo.pt,  que nos recorda um formalismo muito do agrado do Estado Novo .

O blog pertence a Henrique Salles da Fonseca, neto do nosso conterrâneo Tomás da Fonseca. Na edição de 27 de Maio de 2009 apresenta uma publicação  subordinada ao título “ Heróis de Cá -8 ; TOMÁS DA FONSECA - IV” em que faz afirmações deveras surpreendentes, que nos levam a pensar que o senhor Henrique não leu os livros do seu avô.

Vejamos: Afirma Em 1910 foi chefe de gabinete do primeiro Presidente do Ministério republicano, Dr. Teófilo Braga e em 1916 foi eleito Senador pelo Distrito de Viseu. ….”

 Se tivesse lido o livro «Memórias dum Chefe de Gabinete», Lisboa 1949, de TOMÁS DA FONSECA, encontraria na  página XXII, no prefácio escrito por Lopes de Oliveira:
O Doutor António Luiz Gomes, como Ministro do Fomento, escolheu para o seu Gabinete um só homem- Tomás da Fonseca. Não teve outro auxiliar.”

Mais adiante, a páginas 35 e 36, Tomás da Fonseca recorda:
“ O Dr. Luís Gomes rebateu rapidamente os meus escrúpulos, passando logo a traçar o seu programa de governo, que terminou com estas palavras, ditas com a firmeza e precisão que punha em tudo, mormente na defesa dos princípios que, desde largos anos, lhe ocupavam o espírito e norteavam a vida:

- Auxiliar e louvar tudo o que tenda a fazer progredir a Nação; atender todas as reclamações justas, mas repelir, implacavelmente, tudo o que vá de encontro à moral e aos interesses nacionais. Bem sei que  vamos tomar conta de um lugar de comando da maior responsabilidade. Nele encontraremos numerosos problemas a que é necessário dar solução imediata. Para lá vamos. E, ou cumpriremos o programa que acabo de traçar-lhe, ou deixaremos tudo, voltando com o mesmo nome honrado e limpo. Garante-o o passado de nós ambos.
Dei-lhe a minha inteira concordância e apertámos a mão, selando assim um contrato que havia de cumprir-se integralmente.

- Nesse caso, até amanhã, no Ministério, às 8 horas. “

Fica claro que Tomás da Fonseca não foi chefe de gabinete de Teófilo Braga, mas de António Luís Gomes, Ministro do Fomento.

A afirmação de que Tomás da Fonseca foi eleito para o Senado em 1916, também é incorreta. De facto esteve presente a primeira vez numa sessão do Senado em 25-06-1915, como se pode ver no Diário do Senado. A sua última presença foi em 23-08-1817.
Em 1911 já Tomás da Fonseca pertencera à Assembleia Nacional Constituinte, com participação nas sessões entre 15-06 -1911  e 25-08-1911, conforme consta do Diário da Assembleia Nacional Constituinte.

Entre  26-08-1911  e 29-05-1915 fez parte da Câmara dos Deputados, na sua primeira legislatura.

 Mais adiante, Henrique Salles da Fonseca afirma:
“Em 1918, por se opor à ditadura de Sidónio Pais, foi preso durante dois meses na cadeia civil de Coimbra em simultâneo com o seu cunhado José Lopes de Oliveira, período em que se dedicou a ensinar as primeiras letras aos presos de delito comum analfabetos seus companheiros de cela.”

 Mais uma vez sou levado a supor que não leu o livro de TOMÁS DA FONSECA: Memórias do Cárcere (Subsídios para a Historia Contemporanea), Coimbra 1919

Se o tivesse lido, saberia que o avô foi preso a 3 de Novembro de 1918 e libertado no dia 29 de Novembro de 1918, o que não chega a um mês.

Saberia também que José Lopes de Oliveira, não foi preso nessa altura, e os companheiros de cela eram mortaguenses não analfabetos.

Entre as páginas 16 e 21, Tomás da Fonseca apresenta os seus companheiros:
“Vejamos agora as circunstâncias em que o facto se deu. Para isso basta apresentar, um por um, os meus companheiros de cárcere.

Antonio José Gonçalves. Este republicano antigo e proprietário da mais concorrida farmácia do concelho. …

Alfredo Sousa…. A sua inteligência, auxiliada por uma vasta cultura mental, adquirida em vários países (esteve 5 anos em Paris, tirando um curso) fez dele nesta crise terrível, o médico assistente e o enfermeiro de quasi todos os doentes da sua freguesia, sem exclusão dos inimigos. 

Outra vítima: o professor da Marmeleira, José Nunes Cordeiro

Outro criminoso: Antonio Baptista. O que fez ele? A vileza de ter sido sempre um funcionário zeloso e cumpridor, administrando com rara solicitude ,o celeiro municipal.  ….

Criminoso numero 5: Antonio Barbosa…Operário decorador, foi sempre um republicano dedicado. …

É verdade que também cá temos os irmãos dr. Basílio e Serafim Lopes Pereira…

O oitavo e ultimo criminoso é o autor destas linhas. Pela primeira vez foi preso e pela primeira vez, também, entrou numa cadeia. E contudo, no tempo da monarquia, e por mais que uma vez, arriscou gestos audaciosos, pronunciou falas contundentes, realisou coisas atrevidas, redigiu artigos artigos incendiários e escreveu livros que demoliram e confundiram e irritaram. Pois nunca o prenderam nem vexaram…”

Na mesma ocasião foram presos  três cidadãos de Santa Comba Dão:

“César Anjo, professor oficial

Aníbal de Brito, sub-chefe fiscal de impostos

e Casimiro Neves, chefe de secretaria da Camara”, com quem os prisioneiros de Mortágua tomaram posições conjuntas.

 Na realidade, Tomás da Fonseca não chegou a dar aulas a ninguém.  No dia 15 de Novembro, os professores aprisionados dirigiram ao Director  da Penitenciária o seguinte documento, que consta na página 73:

“Ex.mo Sr. Director da Penitenciária de   Coimbra

        Os abaixo assinados, José Nunes Cordeiro e César Anjo de Deus, professores primários oficiais, e José Tomaz da Fonseca, professor de ensino normal e ex-director da Escola Normal de Lisboa, tendo verificado que existe nesta Penitenciária uma escola primária para ensino dos presos, escola que, dizem-lhes, não funciona por falta de pessoal docente, vem por este meio pôr à disposição de V. Ex.a e dos presos analfabetos os seus serviços profissionais, sem quebra do regímen a que estão sujeitos, como prisioneiros políticos.

        Coimbra, 15-11-918

                                                   Saude e Fraternidade

                              Os professores (seguem-se as assinaturas)”

 
E na página 74, Tomás da Fonseca comenta:

“ Não sabemos se este ofício, aliás cortez, chegou ou não ao seu destino. Nós é que nunca dele conseguimos resposta.”

 Nas páginas 31 e 32 relata:

“ Dia 6
Às 7 da manhã, sou despertado por um guarda , que me anuncia estar alguém chamando por mim, ao telefone. Salto da cama, num pulo, visto-me num minuto e desço as escadas a galope. Pressinto coisa má.

Minha mulher piorou ,de certo. É alguém que chegou de Mortágua e quer falar-me. Pego no auscultador com o coração aos pulos.

- Quem é ?

- Lopes de Oliveira.

-Minha mulher?

- Não é coisa grave… É certo que não está bem…O dr. Augusto tem ido sempre…Ontem esteve lá o dr. Bernardo Pais….Vim por causa de um soro que um deles receitou…Já procurei vários médicos e as opiniões divergem…”

 Na  página 167:

“ Dia 27

O Lopes d’Oliveira voltou hoje a visitar-nos, sendo logo cercado e abraçado e beijado pelos reconhecidos prisioneiros. Findos os cumprimentos, dele ouvimos tudo o que nosso respeito se há passado: as suas altivas entrevistas com o Tamagnini, os seus telegramas insistindo com o administrador de Mortágua para que oficie, dando os esclarecimentos que superiormente lhe pedem, acerca do complot arquitectado pelo ódio dos monárquicos e dos padres; as saudações que enviou em nosso nome , aos ministros da França e da Inglaterra; a resposta que deram; etc. etc……”

Na página177:
“ Dia 28

O Lopes d’Oliveira, que há 5 dias veio instalar-se num hotel, continua a visitar-nos. Hoje vinha sorridente, distribuindo esperanças a todo o mundo. Que finalmente, íamos sair. Era uma questão de um dia ou dois. Tinham-lh’o garantido e jurado.”

Ainda na página 178:
“… Ao que o Lopes d’Oliveira respondeu, repetindo  a frase da véspera:

- Pois se vos não soltarem amanhã, hão de me prender a mim , nesse mesmo dia.

E saiu para a rua…”

 Terminando na página 185:

“ (29 de Novembro de 1918)

Pampilhosa, 11 da noite

Finalmente: os presos de Mortágua estão em liberdade, graças aos esforços do Lopes d’Oliveira que soube, com altivez e com nobreza, concluir essa difícil operação política.”

 
Para terminar, Henrique Salles da Fonseca manifesta-se muito indignado com o facto do Partido Comunista Português ter referido no Jornal “Avante”, Tomás da Fonseca como seu militante:

 “Associá-lo a qualquer regime totalitário como o PCP tentou, é denegri-lo, apanhá-lo à traição, não respeitar os seus ideais de liberdade absoluta, democracia pluralista, cultura crítica e anti-dogmática.”

 Transcrevemos, na íntegra, a  notícia  publicada no Avante,VI(389) Março de 1968, p.2 :

“ A morte de Tomás da Fonseca, com 90 anos de idade, em 12 de Fevereiro do corrente ano, não representa apenas uma perda para a cultura nacional, para a vida intelectual portuguesa.
Representa, igualmente, uma lacuna nas fileiras do Partido Comunista Português a que ele aderiu quando contava 70 anos (1947).

Preso várias vezes, manteve diante dos esbirros salazaristas a atitude de coragem e desassombro que foi uma das características da sua vida.
Foi a enterrar em Mortágua, onde decorreu uma grande parte da sua vida, entre filas do povo que amou.

À sua família e em particular à sua sobrinha, a corajosa militante comunista Fernanda Tomás, o Avante! envia as suas sentidas condolências.”

De tudo o que lemos de Tomás da Fonseca não nos parece que fosse um homem ideologicamente enquadrável na filosofia do PCP, mas a verdade é que nessa época eram poucas as alternativas a quem quisesse lutar organizadamente contra o regime, e esse era um objectivo que Tomás da Fonseca nunca perderia de vista.
Por outro lado, não tenho conhecimento que o PCP alguma vez tenha reivindicado como seus militantes, quaisquer figuras públicas que o não tenham sido. Porque haveria de fazer uma excepção logo no caso de Tomás da Fonseca? Seria assim tão importante para o PCP? Sinceramente, não acreditamos.

Outro dado significativo é a carta que José Augusto Paiva Tomás, sobrinho de Tomás da Fonseca, escreveu em resposta ao Dr. Alberto Vilaça, advogado em Coimbra, em 5/2/2002, que a publicou no seu livro RESISTÊNCIAS CULTURAIS E POLÍTICAS NOS PRIMÓRDIOS DO SALAZARISMO, Realidades coimbrãs e outras; Campo das Letras, Porto 2003 :
Realmente o meu tio José Tomás da Fonseca pertenceu ao PCP mais ou menos de 1945/46 até morrer. Era através de mim que eram feitos os contactos em sua casa, em Mortágua.”

Alberto Vilaça faz um reparo:
Na verdade estes contactos ter-se-iam realizado até cerca de três anos antes de Tomás da Fonseca falecer, uma vez que por motivo de doença foi viver para Lisboa, onde se encontrava o seu filho.”

Pessoalmente não tive oportunidade de conviver com Tomás da Fonseca, mas conheci muito bem o Sr. José Augusto Paiva Tomás, que era um homem honesto e cordato, e que, em caso algum, afirmaria uma coisa desta importância, se ela não fosse verdadeira.
Não sei se Tomás da Fonseca estava em sintonia perfeita com o PCP, mas não tenho dúvidas que foi seu militante, o que nessa altura era só para pessoas corajosas e firmemente decididas a combater o salazarismo.

Termino com palavras de Salles da Fonseca, publicadas na edição de 26/10/2014 do blog” A bem da nação”:

  Não há dúvida de que as ocorrências nem sempre são efectivamente alvo de descrições objectivas e que «quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto» mas seria intolerável que pactuássemos com quem deturpa a matéria factual pois uma coisa é a interpretação, outra o desvirtuamento da realidade. Nada justifica o esbatimento das linhas de demarcação entre o facto, a opinião e a interpretação.”

 Finalmente vejo-me obrigado a concordar com alguma coisa do que afirma.

sábado, 15 de outubro de 2016


INVASÕES FRANCESAS
ESTRAGOS NO CONCELHO DE MORTÁGUA-

Confissão de um erro meu, por ignorância, e tentativa de o reparar.



Em 28 de Junho de 1916, comentei o quadro-resumo  publicado em Memória breve dos estragos causados em Coimbra pelo exercito francez ,comandado pelo general Massena, etc., Lisboa, Impressão Régia, anno de 1812. , duvidando  da sua correcção por não conceber que o arciprestado de Mortágua pudesse ter 30 paróquias.

 

Graças à informação que o Dr. David Almeida teve a amabilidade de me fornecer, constatei que errei completamente nas considerações que teci sobre o quadro-resumo .

A ignorância é sempre atrevida e eu desconhecia totalmente que o Arciprestado de Mortágua, cujo concelho era composto nessa altura por 9 paróquias (Cercosa pertencia a Penacova), pudesse incluir outras 20 pertencentes a concelhos vizinhos e até a alguns sem contacto directo. Daí decorre que os 108 mortos e as destruições que são descritas correspondem a uma área muito mais vasta que o concelho de Mortágua, a que pensávamos corresponder.


O Relatório feito pelo Arcipreste de Mortágua, Joaquim Lebre Teixeira em 1811, de que existe um manuscrito no Arquivo da Universidade de Coimbra (como me informou o Dr. David Almeida), consta de uma intervenção da  Professora Maria Alegria Fernandes Marques no Congresso Internacional Comemorativo da Batalha do Bussaco, em Outubro de 2010, e publicada nas Actas do Congresso, pela Academia Portuguesa de História.
Esse documento, relata-nos os acontecimentos ocorridos em 29 freguesias, que constituiriam o Arciprestado de Mortágua – menos uma do que consta do quadro fornecido pelo Bispado de Coimbra.

ALMAÇA, BOTÃO, BRASFEMES, CARVALHO, CERCOSA, CORTEGAÇA , COUTO DE MOSTEIRO, EIRAS, ESPINHO, FIGUEIRA DE LORVÃO, LORVÃO, LUSO , MARMELEIRA, MORTÁGUA, PALA, PAMPILHOSA , PENACOVA, S. JOANINHO, S. PAULO DE FRADES, SANTA COMBA DÃO, SAZES DE LORVÃO, SOBRAL DE MORTÁGUA, SOUSELAS , TORRE DE VILELA, TREZOI, VACARIÇA, VALE DE REMÍGIO, VILA NOVA DE MONSARROS e VIMIEIRO.


Também existe disparidade no número de mortos e incêndios no Arciprestado de Mortágua. Enquanto o Relatório do Bispado refere 108 assassinatos e incêndios em 47 casas e 19,5 Póvos, o Relatório do Arciprestado assinala 105 assassinatos, 81 casas  e 17 Povos incendiados.

 

Restringindo a informação só ao Concelho de Mortágua, considerando a sua composição actual, as informações do Arcipreste de Mortágua, estão resumidas no quadro seguinte:

Freguesia
Mortos
Casas
Povos
incend.
Vasos
sagrados
Ambulas
Custódias
Cálices
Mortágua
0
1
 
 
 
 
5
Almaça
1
 
 
 
1
 
 
Cortegaça
0
 
 
1
 
1
2
Cercosa
3
 
 
1
 
 
1
Sobral
4
9
1
 
 
 
7
Pala
7
34
 
 
 
 
 
Vale de Remigio
3
5
 
1
 
 
3
Espinho
1
 
8
1
 
 
1
Trezoi
0
 
3
 
 
 
2
Marmeleira
5
 
 
1
1
 
2
TOTAL
24
49
12
5
2
1
23

 

Sendo que os mortos apresentavam a seguinte distribuição por sexo e idade:

 

Freguesia
Homens mortos
Mulheres mortas
Total
1-10
anos
10-20
anos
20-50
anos
>50
anos
1-10
anos
10-20
anos
20-50
anos
>50
anos
Mortágua
 
 
 
 
 
 
 
 
0
Almaça
 
1
 
 
 
 
 
 
1
Cortegaça
 
 
 
 
 
 
 
 
0
Cercosa
 
 
 
1
 
 
 
2
3
Sobral
 
 
2
 
 
 
 
2
4
Pala
 
 
2
3
 
 
2
 
7
Vale de Remigio
 
 
1
2
 
 
 
 
3
Espinho
 
 
 
1
 
 
 
 
1
Trezoi
 
 
 
 
 
 
 
 
0
Marmeleira
 
 
2
1
 
 
 
2
5
TOTAL
0
1
7
8
0
0
2
6
24

 




Foram muitos os roubos e destruições, conforme poderemos ver no seguinte quadro que elaboramos a partir das informações do Arcipreste de Mortágua:

Freguesia
Roubos e destruições
Mortágua
“Todos os frutos pendentes nas propriedades desta freguesia foram consumidos pelas tropas francesas e também os frutos que acharam nas casas e roupas principalmente brancas”
“Queimaram São Francisco e Santo António. Despedaçaram Nossa Senhora do Rosário com o Seu Menino. Quebraram quatro pedras de ara e todas as cruzes e arrombaram o sacrário”
“Roubos sacrílegos – Na igreja, seis vestimentas novas, cinco frontais também novos  e de seda, palio, umbela, quatro alvas e quatro amitos, duas capas de asperges novas, bolsas, corporais, alvas, e quinze alqueires de azeite da confraria do Santíssimo. Destruíram e queimaram as grades da pia batismal, os estrados de toda a igreja , uma urna e os confessionários. Roubaram mais três coroas de prata e dois panos do púlpito novos.
Na capela do lugar do Freixo um cálice e uma vestimenta e alva.
No lugar de Almacinha um cálice.
No lugar de Vale de Açores cálice e uma vestimenta.
Na capela do Senhor do Mundo cálice, as toalhas do altar, missal e mais paramentos pertencentes à sobredita capela. ”
“Incendiaram tão somente parte da residência do R. Pároco.”
 
Almaça
“Foi roubada totalmente esta freguesia porque os fregueses não pensavam que iria aí tropa alguma. Ficou pobríssima.”
“Roubos sacrílegos – Roubaram a ambula dos santos óleos, lançando-os por terra, e cinquenta mil reis do cofre e levaram o livro das pastorais.”
 
Cortegaça
Pela estada de sete dias nesta freguesia facilmente se pode colegir o estrago que fariam. Foi inteiramente roubada nos frutos pendentes. Houve fregueses em que se avalia a perda em mais de três mil cruzados e assim a proporção dos mais fregueses”
“Quebraram um braço à imagem de Santo Cristo que estava na cruz na cruz procissional juntamente com a mesma cruz.”
“Roubos sacrílegos – Roubaram o vaso das sagradas formas, a custódia, dois cálices e o relicário. Levaram todas as toalhas dos altares. Três alvas, duas capas de asperges, duas vestimentas. Estragaram o palio, que tinha custado sessenta mil reis, pano do púlpito e a umbela”
Cercosa
“Esta freguesia foi das mais roubadas” “Roubaram todos os frutos pendentes e tudo que acharam pelas casas, principalmente roupas brancas”
“Arrombando as portas da igreja, quebraram as cruzes de todos os altares com as suas imagens de Santo Cristo, sendo a do altar mor de marfim. Quebraram a fechadura do altar, digo, do sacrário e casula.”
“ Furtos sacrílegos – Não do sacrário, mas sim de um carro que ia fugindo, o vaso das sagradas formas, um cálice com a sua patena. Furtaram mais oito alvas com seus cordões e amitos, doze véus de corporais, trinta toalhas dos altares, comunhão e de água às mãos. Rasgaram seis vestimentas de damasco novas, um manto muito bom, de Nossa Senhora, também de seda e novo. Furtaram o palio, o pano do púlpito, três frontais e um véu de ombros, tudo em bom eu de seda. Furtaram a lâmpada, banqueta de castiçais e caldeirinha , tudo obra de cobre branco e de Macau, que a tinha dado um bispo que foi natural daquela terra e bispo na China, na cidade de Macau, além de outras preciosidades que o mesmo deu e escaparam enterradas, peças na verdade muito estimáveis. Furtaram mais uma bandeira de damasco nova, de seda, e rasgaram uma armação muito estimável que servia para armar a capela mor quando haviam funções solenes.
Na capela do lugar de Linhaça furtaram sete toalhas e uma vestimenta e na capela das Almas, do lugar de Cercosa, quebraram a pedra d’ara e furtaram uma vestimenta:”
Sobral
“ Foram roubados todos os frutos que se achavam pelas propriedades que neste tempo estavam por recolher e também os que já estavam recolhidos e que os lavradores não puderam levar consigo quando fugiram. Furtaram também muito gado miúdo e colmeias que estragaram. Furtaram também muitas roupas, principalmente de linho e carnes de porco”
“ Roubos sacrílegos – Roubaram um palio, uma vestimenta e duas dalmáticas de velum de ouro. Inutilizaram um paramento de damasco de seda encarnado, novo, e outro em meio uso, de damasco branco, três alvas, três amitos e três cordões e algumas toalhas.”
“Há nesta freguesia dez capelas que todas foram roubadas e só três ficaram os cálices e em uma só ficaram as vestimentas e mais alfaias. As banquetas das sobreditas capelas que eram de estanho ficaram quebradas e juntamente as imagens de Nossa Senhora e de alguns santos.”
“Incêndios – Incendiaram todo o lugar da Breda ficando somente uma casa. No lugar de Vila Nova incendiram cinco casas ou moradas e no lugar de Vila Gosendo incendiaram quatro moradas de casas.
Bem entendido que os lugares que ficavam mais próximos à estrada real são os que padeceram mais, advertindo que esta freguesia tem três léguas de Norte a sul, isto é, desde o lugar da Tojeira na serra do Caramulo á Breda são as três léguas, e este lugar com o demais próximos da estrada real padeceram incrivelmente.
Pala
“Esta freguesia de Pala sofreu os maiores incómodos que se podem imaginar em razão de que ficando mal o exército francês na batalhado Bussaco e retrocedendo por esta freguesia para a estrada de Boialvo ali fizeram os maiores estragos causando perdas indizíveis.”
“Os lugares de Monte de Lobos, Montinhal, Pala, Palinha, Macieira, Tarrastal, Vila Pouca e Carvalhal, ficaram inteiramente roubados; porque como vinham desesperados do Bussaco tudo quanto operam tanto nos campos como em casa tudo se foi, muito trigo, centeio, vinho feijões, colmeias, gados miúdos carnes de porco. Queimaram portas, caixas e casas trinta e quatro.”
“ Arrombaram a porta do sacrário, queimaram o altar mor e parte retábulo, queimaram as pedras d’ara, potas da igreja, confessionários, armários, caixões, bancos, solhos, grades do baptistério, tudo ardeu.”
“Roubos sacrílegos – Na igreja roubaram um cálice, seis alvas finas e três grossas, muitas toalhas dos altares, duas umbelas com galão de prata, e destruíram muitos ornamentos que necessitam de consertos.
Na capela da Senhora Santa Ana, do lugar de Pala, furtaram o cálice e ornamentos e queimaram o altar esquerdo do retábulo.
Na capela do lugar dos Palheiros furtaram o cálice e uma alva.”
“Incendiaram trinta e quatro casas nos lugares da estrada por onde passou o exército quando descia a Boialvo para a Bairrada.”
Vale de Remigio
“Esta freguesia nela esteve uma parte do exercito acampado enquanto durou o ataque de Bussaco e por isso padeceu muito.”
“ Roubos sacrílegos – Roubaram da igreja toda a prata, a saber, o vaso dourado das sagradas formas, três cálices e custódia, digo, custódia não, mas sim o cálice que serviu na mesma custódia. Um palio de damasco encarnado de seda com suas sanefas de damasco de ouro quase novo, seis alvas, cordões, amitos. Todas as toalhas dos altares, cera, três capas de asperges, uma de damasco de cor quase nova e duas rotas de damasco de seda já usada e quebram uma banqueta de estanho.
Na capela do Cruzeiro quebraram o sino e levaram as toalhas.
Na capela de S. João  da Gândara furtaram as toalhas e ornamento.”
“Incendiaram nesta freguesia cinco moradas de casas.”
 
 
Espinho
“ Nesta freguesia se demoraram os franceses nove dias enquanto estiveram combatendo no Bussaco. São incalculáveis os estragos que causaram.”
“Não ficou coisa alguma de frutos nesta freguesia, tudo roubaram, não só o que estava pelas propriedades como muito trigo, centeio, vinho, azeite, colmeias, gados miúdos, galinhas, porcos, etc, tudo o que se achava escondido tudo foi achado porque estando algumas pessoas estes, a poder de martírios, as faziam confessar aonde estavam as coisas escondidas e as ali iam buscar ficando tão pobres os fregueses desta freguesia que a maior parte se sustentam de ervas cosidas sem azeite.”
“Roubos sacrílegos – Roubaram o vaso, o relicário de prata da igreja, toda a roupa de linho e de lã, uma capa de asperges de damasco nova, um pano do esquife de damasquino preto, uma manga da cruz processional com franja de prata, uma dalmática e outra que deixaram estragada e queimada.
Levaram toda a roupa branca que acharam nas capelas, quebraram as pedras d’ara tirando das mesmas todas as relíquias que as mesmas tinham e furtaram um cálice.”
“Incendiaram oito povos desta freguesia ardendo assuas moradas com quanto estava nelas.”
 
Trezoi
“Esta freguesia é aonde acampou o exército francês no ataque de Bussaco. É a mais danificada de todas as que tiveram a desgraças de serem calcadas pelo exército inimigo.”
“ Não ficaram frutos alguns pelos campos nem colmeias e não só nos campos mas nem também em casa à excepção de alguns pouco frutos que levaram consigo quando fugiram os lavradores e mais pessoas da sobredita freguesia.”
“Quebraram o sacrário da igreja, pedra d’ara, os crucifixos de todos os altares, uma veneranda imagem chamada o Senhor da Via Sacra, e na capela do lugar da Moura não se sabe o que fizeram à Senhora da Conceição porque não aparece.
“Roubos sacrílegos- Na igreja furtaram um cálice que só tinha o copo de prata e patena, o palio, a umbela, quebraram o turíbulo de metal novo. Levaram e laceraram os ornamentos, de sorte que se estão servindo com uma vestimenta emprestada do Bussaco.
Na capela do lugar de Meligioso levaram todo o ornamento e toalhas.
Na capela do lugar de Sula quebraram a pedra d’ara e pedra do retábulo.
No lugar da Moura roubaram cálice, missal, ornamentos, toalhas e queimaram o altar e o retábulo e na capela de Cerdeirinha roubaram todo o ornamento.”
“O lugar de Algido ficou todo por terra e ninguém habita nele.
O lugar de Sula queda todo por terra e da mesma sorte o lugar da Moura.”
 
Marmeleira
“ Nesta freguesia da Marmeleira, próxima à serra do Bussaco, nela esteve uma parte do exército inimigo acampado sendo a igreja a que padeceu mais com a sua estada.”
“Mataram nesta freguesia os franceses cinco pessoas, a saber, três da freguesia e duas de fora.”
“ Roubaram totalmente esta freguesia tanto nos campos como em tudo o que acharam nas casas e como ali permanecessem até à fuga do Bussaco queimaram portas, armários, arcas, bancos, tudo, tendo ficado as casas absolutamente nuas de tudo e a igreja da mesma sorte, não ficando banco nem portas nem coisa alguma combustível.”
“ Roubos sacrílegos – Na igreja, o vaso das sagradas formas que estava escondido mas eles o acharam, um cálice com sua paterna de prata, um resplendor de prata de uma imagem, uma Senhora da Conceição pequena com seu manto bordado de ouro, a sua coroa de prata, as ambolas dos santos óleos, um frontal de damasco branco com sua franja de ouro, uma vestimenta de damasco branco, vinte toalhas, seis alvas com seus amitos competentes e cordões, duas estolas de paroquiar, os livros de assentos, dois rituais, uma bolsa do relicário de damasco de ouro com suas borlas do mesmo, três bolsas de corporais cinco mesas de corporais, a umbela de damasco de seda nova, um véu de ombros de damasco de ouro, um frontal de damasco branco novo, dois panos de púlpito de damasco, um guião de damasco de seda novo, e mais outro estragado e roto, duas ordens de cortinas dos altares, de seda, uma capa de asperges de damasco de seda, as cortinas do sacrário de damasco de ouro com sua franja também de ouro e cinco alqueires de azeite.
Na capela da Senhora da Ribeira roubaram um cálice de prata com a sua patena, sete toalhas de altar, sete alvas com seus amitos e cordões competentes, duas vestimentas de damasco de seda novas, uma bandeira de damasco da mesma Senhora, um frontal de damasco novo, um véu de ombros de seda encarnada com seu galão de ouro, uma capa de asperges de damasco de seda quase nova, quatro vasos de corporais finos, três mantos de seda com renda de ouro fino, uma coroa de prata da mesma Senhora, um fio de contas de ouro, uma pia do mesmo, outra também de ouro com dez diamantes.
Na capela da Senhora do Carmo do mesmo lugar da Marmeleira quebraram os franceses a pedra d’ara, furtaram um manto de seda, quatro alqueires de azeite, duas toalhas do altar e uma arroba de cera.
Na capela do Espírito Santo do lugar da Lourinha furtaram uma vestimenta de damasco em bom uso, seis toalhas do altar, uma alva com seu amito e cordão e quebraram a pedra d’ara e levaram quatro vasos de corporais.
Na capela da Senhora do Amparo quebraram a pedra d’ara, levaram duas toalhas e frontal.”
 

 

Com esta publicação espero corrigir um pouco o meu momento de arrogância e ajudar a conhecer melhor os contornos da passagem dos Franceses por Mortágua.

 

Bibliografia:

Memória breve dos estragos causados em Coimbra pelo exercito francez ,comandado pelo general Massena, etc., Lisboa, Impressão Régia, anno de 1812

 

MARQUES, Maria Alegria Fernandes; Os Franceses do Buçaco: Homens que Passam, Memórias que Ficam, Actas do Congresso Internacional Comemorativo da batalha do Bussaco, Academia Portuguesa de História, Lisboa 2011