Um Mortaguense na “Sociedade do Raio”
Decorria o ano de 1862, reinava em Portugal D. Luís I, e chefiava o governo o Duque de Loulé,
quando alguns estudantes de Coimbra se revoltaram contra os abusos de poder do Reitor Basílio Alberto, cujo comportamento lhe granjeara a alcunha de Czar da Borla e do Capelo. A sua rigidez autoritária atormentava o corpo estudantil, mas estendia-se mesmo ao corpo docente, referindo-se como exemplo a exigência feita ao professor Ayres de Gouveia de cortar o bigode, por considerar que um lente deveria andar de cara lisa. Aos estudantes era imposto o cumprimento estrito dos estatutos da universidade, com fiscalização apertada pelos archeiros, que nessa altura eram conhecidos por Verdeais. Com alguma frequência, pequenas infrações resultavam em reprovações, ou mesmo em encarceramentos na cadeia académica.
Antero de
Quental
O nome da Sociedade resultou de ter ocorrido um raio muito
próximo do local onde Antero de Quental proferia um inflamado discurso,
ganhando adeptos para a sua causa.
Conspirando no mais profundo secretismo organizaram uma
acção no dia 8 de Dezembro, dia da Imaculada Conceição, padroeira da
Universidade.
A data era celebrada com uma cerimónia na sala dos Capelos,
em que eram atribuídos méritos aos melhores alunos. Além dos discursos das
autoridades académicas era habitual haver um cortejo, e por vezes até os Reis
compareciam nessas cerimónias.
Ora nesse 8 de Dezembro de 1982, os mais destemidos e
corpulentos estudantes da Sociedade do Raio ocuparam as primeiras filas da sala dos Capelos, onde
se mantiveram sossegados e atentos no início da cerimónia. Quando o Reitor se
preparava para o habitual discurso, os estudantes levantaram-se, rodaram 180º,
uniram os braços e arrastaram os presentes para o Pátio, enquanto gritavam
vivas de aclamação pela acção, e manifestavam repulsa com frases como “morra o
Reitor” e “abaixo o Reitor inquisidor”.
O objectivo da acção, a demissão do reitor não se
concretizou porque o governo do Duque de Loulé decidiu mantê-lo no seu posto,
fazendo valer o princípio da autoridade.
A Sociedade do Raio ainda fez um plano de rapto do Reitor
para o manter sequestrado uns dias, durante os quais seria muito bem tratado e
posteriormente libertado com a recomendação de “tratar tão bem a Academia como
ele próprio tinha sido tratado”.
O plano não chegou a ser executado, porque entretanto
Basílio Alberto foi agraciado com o título de Visconde de S. Jerónimo e
apresentou a sua demissão.
A Sociedade do Raio dissolveu-se de seguida, após a
publicação de um Manifesto dos Estudantes da Universidade
de Coimbra à Opinião Ilustrada do País, assinado por 314 dos 725 estudantes então matriculados, em que
davam conta das motivações, juramentos e das diligências efectuadas para levar a
cabo os seus propósitos.
Dos juramentos constava o seguinte:
“Em nome da Liberdade Santa de defender
cada a dignidade da sua alma:
Em nome da Fraternidade que nos une a
todos num comum anseio:
Em nome da emancipação, da regeneração da
Academia:
Juramos =
pela honra = pela mais sagrada crença do nosso espírito = pela vida de quem nos
é mais caro = pelo Deus de nossos Pais e pelo nosso:
- Combater pela palavra e pela acção o
despotismo das instituições académicas, fonte de desmoralização para nós e para
o país:
- Trabalhar sem trégua nem descanso neste
nobre empenho, aqui e fora daqui; em todos os tempos e por todos os meios:
- Propagar esta ideia; defendê-la e
evangelizá-la:
- Juramos castigar toda a traição com
rigor correspondente às suspeitas, aos trabalhos, aos perigos com que
arrostamos:
- Juramos esquecer ante este grande fim
todas as paixões e antipatias pessoais:
Juramos união e fraternidade.”
Entre os estudantes que aderiram à Sociedade do Raio fomos encontrar um mortaguense chamado
Francisco José de Matos Viegas.
Existe um manuscrito de juramento de admissão á sociedade do Raio que aqui transcrevemos:
“ Convencido da necessidade de combater os
abusos d’uma instituição velha e viciada;
Convencido que este nobre fim só por meio
de uma associação secreta se alcançará;
Convencido de que esta sociedade não pode
existir sem segredo, actividade, confiança e obediência:
Juro: por Deus; pela minha honra; por
quanto tenho de sagrado e querido:
- Combater por todos os meios possíveis o
despotismo que nos oprime:
- Guardar sigilo inviolável sobre a
existência d’esta sociedade, seus fins, segredos e indivíduos que conheça:
- Obedecer em tudo às ordens que receber,
em despeito de qualquer sacrifício:
- Esquecer todas as antipatias e ódios
pessoais, desde que tiver a ajudar a justiça do nosso fim:
Juro actividade, confiança e segredo.”
O documento é assinado por dois aderentes:
Conforme consta do Anuário da Universidade de Coimbra,
Francisco José Lopes de Mattos Viegas era natural de Vila Nova de Mortágua. Na
mesma altura, o seu irmão Joaquim José frequentava também a Universidade de
Coimbra. Foi entretanto para Lisboa onde acabou o curso da Escola
Médico-Cirúrgica.
Francisco José terminou o curso de Direito em1866, em
Coimbra.
Casou com D.ª Maria da Expectação de Sousa Tavares, viúva do
médico Dr. José Lopes de Morais, filho do Dr. João Lopes de Morais.
O Dr. Francisco José viria a falecer em 17 de Fevereiro de
1978 segundo consta da sua lápide funerária.
e repousa no cemitério de Mortágua.