sábado, 6 de novembro de 2021

Um Mortaguense na “Sociedade do Raio” 


Decorria o ano de 1862, reinava em Portugal D. Luís I, e chefiava o governo o Duque de Loulé,

               D. Luís I                                                                      


                Duque de Loulé

quando alguns estudantes de Coimbra se revoltaram contra os abusos de poder do Reitor Basílio Alberto, cujo comportamento lhe granjeara a alcunha de Czar da Borla e do Capelo. A sua rigidez autoritária atormentava o corpo estudantil, mas estendia-se mesmo ao corpo docente, referindo-se como exemplo a exigência feita ao professor Ayres de Gouveia de cortar o bigode, por considerar que um lente deveria andar de cara lisa. Aos estudantes era imposto o cumprimento estrito dos estatutos da universidade, com fiscalização apertada pelos archeiros, que nessa altura eram conhecidos por Verdeais. Com alguma frequência, pequenas infrações resultavam em reprovações, ou mesmo em encarceramentos na cadeia académica.



Para combater o despotismo do Reitor, e visando a sua demissão, um grupo de estudantes constituiu uma sociedade secreta que veio a ser conhecida por Sociedade do Raio. O grande impulsionador deste movimento foi Antero de Quental, mas aderiram a ele numerosos estudantes, entre eles Eça de Queiroz.

Antero de  Quental


O nome da Sociedade resultou de ter ocorrido um raio muito próximo do local onde Antero de Quental proferia um inflamado discurso, ganhando adeptos para a sua causa.

Conspirando no mais profundo secretismo organizaram uma acção no dia 8 de Dezembro, dia da Imaculada Conceição, padroeira da Universidade.

A data era celebrada com uma cerimónia na sala dos Capelos, em que eram atribuídos méritos aos melhores alunos. Além dos discursos das autoridades académicas era habitual haver um cortejo, e por vezes até os Reis compareciam nessas cerimónias.

 

Ora nesse 8 de Dezembro de 1982, os mais destemidos e corpulentos estudantes da Sociedade do Raio ocuparam  as primeiras filas da sala dos Capelos, onde se mantiveram sossegados e atentos no início da cerimónia. Quando o Reitor se preparava para o habitual discurso, os estudantes levantaram-se, rodaram 180º, uniram os braços e arrastaram os presentes para o Pátio, enquanto gritavam vivas de aclamação pela acção, e manifestavam repulsa com frases como “morra o Reitor” e “abaixo o Reitor inquisidor”.

O objectivo da acção, a demissão do reitor não se concretizou porque o governo do Duque de Loulé decidiu mantê-lo no seu posto, fazendo valer o princípio da autoridade.

A Sociedade do Raio ainda fez um plano de rapto do Reitor para o manter sequestrado uns dias, durante os quais seria muito bem tratado e posteriormente libertado com a recomendação de “tratar tão bem a Academia como ele próprio tinha sido tratado”.

O plano não chegou a ser executado, porque entretanto Basílio Alberto foi agraciado com o título de Visconde de S. Jerónimo e apresentou a sua demissão.

A Sociedade do Raio dissolveu-se de seguida, após a publicação de um Manifesto dos Estudantes da Universidade de Coimbra à Opinião Ilustrada do País, assinado por 314  dos 725 estudantes então matriculados, em que davam conta das motivações, juramentos e das diligências efectuadas para levar a cabo os seus propósitos.

Dos juramentos constava o seguinte:

“Em nome da Liberdade Santa de defender cada a dignidade da sua alma:

Em nome da Fraternidade que nos une a todos num comum anseio:

Em nome da emancipação, da regeneração da Academia:

Juramos = pela honra = pela mais sagrada crença do nosso espírito = pela vida de quem nos é mais caro = pelo Deus de nossos Pais e pelo nosso:

- Combater pela palavra e pela acção o despotismo das instituições académicas, fonte de desmoralização para nós e para o país:

- Trabalhar sem trégua nem descanso neste nobre empenho, aqui e fora daqui; em todos os tempos e por todos os meios:

- Propagar esta ideia; defendê-la e evangelizá-la:

- Juramos castigar toda a traição com rigor correspondente às suspeitas, aos trabalhos, aos perigos com que arrostamos:

- Juramos esquecer ante este grande fim todas as paixões e antipatias pessoais:

Juramos união e fraternidade.”

 

Entre os estudantes que aderiram à Sociedade do Raio  fomos encontrar um mortaguense chamado Francisco José de Matos Viegas.

Existe um manuscrito de juramento de admissão á sociedade do Raio que aqui transcrevemos: 


“ Convencido da necessidade de combater os abusos d’uma instituição velha e viciada;

Convencido que este nobre fim só por meio de uma associação secreta se alcançará;

Convencido de que esta sociedade não pode existir sem segredo, actividade, confiança e obediência:

Juro: por Deus; pela minha honra; por quanto tenho de sagrado e querido:

- Combater por todos os meios possíveis o despotismo que nos oprime:

- Guardar sigilo inviolável sobre a existência d’esta sociedade, seus fins, segredos e indivíduos que conheça:

- Obedecer em tudo às ordens que receber, em despeito de qualquer sacrifício:

- Esquecer todas as antipatias e ódios pessoais, desde que tiver a ajudar a justiça do nosso fim:

Juro actividade, confiança e segredo.”

O documento é assinado por dois aderentes:


Conforme consta do Anuário da Universidade de Coimbra, Francisco José Lopes de Mattos Viegas era natural de Vila Nova de Mortágua. Na mesma altura, o seu irmão Joaquim José frequentava também a Universidade de Coimbra. Foi entretanto para Lisboa onde acabou o curso da Escola Médico-Cirúrgica.

Francisco José terminou o curso de Direito em1866, em Coimbra.

Casou com D.ª Maria da Expectação de Sousa Tavares, viúva do médico Dr. José Lopes de Morais, filho do Dr. João Lopes de Morais.

O Dr. Francisco José viria a falecer em 17 de Fevereiro de 1978 segundo consta da sua lápide funerária. e repousa no cemitério de Mortágua.

Aqui lhe prestamos uma justa homenagem por uma atitude corajosa, embora não tenhamos mais informação sobre este nosso conterrâneo

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