João Manuel Simões, mortaguense,
figura grada da Cultura no Brasil
Nasceu em
Mortágua, no dia 18 de Março de 1937.
O seu
pai, António Simões, era natural do Barril e barbeiro de profissão. A sua mãe,
Irene dos Anjos Ferreira Jorge, era natural de Belém do Pará. Moravam na vila
de Mortágua.
Fez os
estudos primários em Mortágua. Frequentou o ensino secundário no Liceu de Coimbra,
tendo partido para o Brasil por volta dos 17 anos. Vive em Curitiba a partir de
1954 onde tirou o curso de Direito na
Faculdade Federal do Paraná, e passou a exercer, a profissão de advogado
Destacou-se entretanto como ensaísta, contista e poeta, publicando a
partir de 1959 uma longa lista de livros.
Entrou
para a Academia Paranaense de Letras aos
31 anos, quando tinha oito livros publicados, sendo o mais jovem escritor a
ingressar na Academia. Actualmente é o membro mais antigo, sendo o titular da
cadeira nº 11, desde 1971.
Obteve
vários prémios, entre os quais se destaca o Prémio Fernando Chinaglia, da União
Brasileira de Escritores, pelo livro Suma Poética.
Além da Academia Paranaense de Letras, é membro do Centro de Letras do Paraná, do
Instituto Histórico e Geográfico do Paraná e do Círculo de Estudos
Bandeirantes.
Da sua extensa bibliografia,
lembramos:
Parágrafos
escritos nas páginas do vento
Rapsódia
europeia
Trovas
que minha mãe me inspirou e outras quadras
Eu,
sem mim
À
Margem da Leitura e da Reflexão
A
Palavra e o Mundo
Introdução
à Crítica Estilística
Os Labirintos do Verbo
Réquiem Para 7 Quedas
Odes, Elegias e Outros Poemas
Sonetos Escolhidos
Ficção Possível
Micropoética
Sonetos de um Tempo Incerto
Moderato Cantabile
Rudopoema ou Peregrinatio ad Loqua Iníqua
O Túnel Circular
Poemas de um Heterônimo Crí(p)tico
Lira de Don Quixote e Reflexões Sobre Liberdade
Suma Poética
Rapsódia Européia
Canto em Mi(m)
Inscrições Para os Muros de Babilônia
Armorial do Verbo
Sonetos do Tempo Onívoro
Clareza e Mistério da Criação Literária
A Tangente e o Círculo
A Palavra e o Mundo
O Túnel Circular
A Álgebra do Canto,
A que acrescentamos ensaios e textos de homenagem:
Guernica e Outros Quadros Escolhidos de Picasso
Alguns Poemas para Drummond em Seus Oitentanos
Ode ao Alferes Joaquim José da Silva Xavier
Vergílio Ferreira, um Novo Eça?
Kafka, Fenomenologia do Invisível e Outros
Ensaios
Virgílio e Camões: Duas Presenças Vivas
Ernani Reichman
Bento, Humanista e Homem de Cultura
Presença de Balzac
Camus Notas à Margem de A Peste
Evocação do Bruxo do Cosme Velho
De Tasso a Erasmo
Alguns Estudos Breves Sobre Dalton Trevisan
Os Criadores e Suas Obrase
Palestras e Ensaios
Pensamentos.
Para
que possamos apreciar um pouco da sua arte, aqui ficam alguns dos seus poemas.
Diálogo Comigo
Falo comigo, falo.
Mas só me escuto quando,
em silêncio pensando,
me calo.
O que diz minha boca?
Mentira vã, sonora?
Tudo o que digo agora,
sufoca.
Ânsia íntima, larga,
de seguir só e mudo.
Tudo o que conto, tudo
amarga.
Minha voz de ontem brota
de um legendário hoje.
Subitamente foge,
ignota.
Quem serei?
Desconheço.
Se chegar a sabê-lo,
a ninguém o revelo:
esqueço.
O Primeiro Dia da Criação
Cicatriz na epiderme
macia do silêncio,
ei-la que surge, nítida,
iluminada e frágil,
na geometria exata
do tempo feito espaço,
com gládio nas trevas,
como insígnia de fogo.
Haste de flor de som
sem memória plausível,
gesto puro de flâmula,
alarme sobre claustros
ou mero grito agreste
violando a morte obscena,
ei-la que desabrocha.
No Princípio era o caos,
(Era o cais, eram cães, eram Cains?)
E a palavra boiava,
ambígua, sobre as águas.
PENÉLOPE
Enquanto a
noite cresce e a lua brilha,
faço e desfaço, sem descanso, a teia,
no tear infinito da quimera.
Ulisses há de vir da sua ilha.
Mas enquanto não vem, minha odisseia
é ir tecendo, em pranto, a longa espera.
SANCTA POESIS
faço e desfaço, sem descanso, a teia,
no tear infinito da quimera.
Ulisses há de vir da sua ilha.
Mas enquanto não vem, minha odisseia
é ir tecendo, em pranto, a longa espera.
SANCTA POESIS
Luz que se
tece
de sombra
e claridade.
Sua textura,
só quem a acende
sabe.
Flor no silêncio.
Seu colorido,
só quem a colhe
enxerga.
Explosão irisada
de metáforas.
O seu fascínio,
só quem a deflagra
entende.
de sombra
e claridade.
Sua textura,
só quem a acende
sabe.
Flor no silêncio.
Seu colorido,
só quem a colhe
enxerga.
Explosão irisada
de metáforas.
O seu fascínio,
só quem a deflagra
entende.
EXORTAÇÃO
Não
digas nada. O teu silêncio basta
para
exprimir o que, dito, não chega
a
ferir o ouvido que ouve e apenas
se
contenta em ouvir e logo esquece.
As
palavras já nada dizem, gastas
de
tanto serem ditas. Silencia,
que
o silêncio é a única mensagem
que
o coração humano entende e cumpre.
Faz
do silêncio a língua universal.
Já
basta que os canhões não mais se calem
e
que os gritos persistam nas gargantas.
Faz
do silêncio a lâmina que vença
o
vão clamor do mundo inteiro. E reza,
reza
em silêncio e em silêncio chora.
VARIAÇÕES SOBRE O DESERTO
Les
milices du vent
sur
les sables de l'éxil.
Saint-John
Perse
Deserto
inúmero, infinito mar
de
sílica: deserto congelado.
E
os homens? Transeuntes nas areias,
dromedários
de sombra carregando
no
dorso o fardo antigo da esperança.
Deserto
sob e sobre, dentro e fora
de
nós como um cilício inominável:
fulvo
e árido sempre, como a vida
que
se escoa depressa na ampulheta.
2.
Aqui
e ali, agreste, a imprecação
de
um cacto verde, verdemente ereto.
(Deserto
ubíquo, de ondas cor de tédio
que
de Sodoma as chamas enxugaram).
Além
da linha pura do horizonte
(se
próxima ou longínqua, pouco importa),
espera-nos
a zona proibida
de
areias movediças, sorvedouro
infausto
e sem remédio. Ora pró nobis.
3.
Depois
deste deserto, mais deserto
sob
o mármore vão dos epitáfios.
Sim,
deserto. Se côncavo ou convexo,
ninguém
sabe. Perpendicular, não.
Horizontal?
Talvez. Talvez oblíquo.
4.
E
todos naufragamos no deserto
insaciável
como o tempo onívoro.
NAVIO FANTASMA
No
meu leito de cinzas e de olvido
eu
sinto e penso que fui barco outrora,
um
barco naufragado, mas que agora,
no
mar da carne singra, adormecido.
Algo
de mim me conta o impressentido
segredo
do que fui. Como que aflora
na
minha mente a ideia redentora
de
que talvez eu seja inconcebido
pensamento,
corpóreo só no vulto,
mas
de estrutura interna indecifrada,
de
que talvez por sob o que há de sepulto
no
mar onde há mil anos naufraguei,
eu
tenha ainda a bússola encantada
à
proa do fantasma que me sei.
SONETO COM TIGRE DENTRO
Construiu
Mallarmé belo soneto
com
rima em "yx". O meu será em "igre"
De
Bengala, ou sem ela, louro e preto,
haverá
nele (é necessário) um tigre.
Será
um tigre lento, circunspecto,
sedentário:
farei que nunca emigre
para
Cabul ou Tebas ou Mileto,
Ur,
Samarcanda (que o vulgo denigre).
Feitas
as duas quadras falta agora
concluir
os tercetos, um por um.
E se
possível for, com chave de ouro.
Está
próximo o fim. Pouco demora.
(Tigrina
inspiração, tigre incomum:
chifres
na testa, muge como um touro).
Cântico de Guerra
Onde os cadáveres grávidos de sangue em silêncio
Desabrocham.
Caminhamos dentro da larga noite de basalto.
Astros existem para lá de nós,
Sonhos palpitam além do eco ensurdecido dos passos
Que escrevem na terra o segredo terrível
Do nosso itinerário absurdo. .
Buscamos algo na penumbra indecisa
Que se estende ao longe,
Erguendo cada vez mais alto
As flâmulas.
Sós, com o rastro anônimo que deixamos sobre
Os longos caminhos que nos trazem onde
O câncer da náusea se avoluma.
Rufam tambores na planície verde.
Quem disse paz enquanto as bombas desenhavam
Lírios de fogo e sangue e morte no horizonte azul?
Sós cada vez mais sós, com as flâmulas
Cada vez mais altas,
Esquecidos para sempre de que o sonho existe,
Inútil, áspera ficção de bárbaros.
Sós, sim, com as flâmulas
Rasgadas.
Na bainha sangrenta do remorso.
E choremos,
Choremos todos porque as rosas brancas do Vietnã
Estão florindo cada vez mais rubras.
Perfil,
em preto e branco, de um capitalista sem nome
Apesar
de capitalista
ortodoxo, convicto,
era radicalmente
marxista.
(E, dos três irmãos,
preferia o Groucho).
Mais: adorava
Das Kapital,
investindo sempre
em ouro, dólar
ou euro,
num banco helvético.
Costumava gozar
os rendimentos
sentado num banco
da praça Santos Andrade.
(Geralmente,
à sombra).
ortodoxo, convicto,
era radicalmente
marxista.
(E, dos três irmãos,
preferia o Groucho).
Mais: adorava
Das Kapital,
investindo sempre
em ouro, dólar
ou euro,
num banco helvético.
Costumava gozar
os rendimentos
sentado num banco
da praça Santos Andrade.
(Geralmente,
à sombra).
Vida
& bebida
Contudo, sinto-me ébrio
da vida que vivi.
Macbeth
ato v, cena v
talvez a mais amarga de todas as
peças,
que Shakespeare consignou
o seu verso mais doce:
the milk of human kindness
Só esse leite da ternura humana
evita que a nossa vida seja aquela
tale told by an idiot, full of sound
and fury, and signifying nothing.
E o resto é silêncio, e ouvido, e pó.
James
Joyce & Stephen Dedalus
São dois os corpos sepultados
em Zurique. Um é o de Stephen
Dedalus, “as a young man”,
labirinto cruzando labirintos
(em Dublin e alhures). O outro,
de James Joyce, no caso,
certamente, “as an old man”.
Dois corpos, dois túmulos, dois féretros.
E há gente que jura que era um apenas.
em Zurique. Um é o de Stephen
Dedalus, “as a young man”,
labirinto cruzando labirintos
(em Dublin e alhures). O outro,
de James Joyce, no caso,
certamente, “as an old man”.
Dois corpos, dois túmulos, dois féretros.
E há gente que jura que era um apenas.
Meninice
Estranha ambiguidade
da idade ambígua:
a criança, pai do homem
vai ruminando, em silêncio,
a clássica dúvida de Hamlet:
ser ou não ser grande?
(Ah, como demora sê-lo!)
da idade ambígua:
a criança, pai do homem
vai ruminando, em silêncio,
a clássica dúvida de Hamlet:
ser ou não ser grande?
(Ah, como demora sê-lo!)
Por quem dobram os sinos, John Donne?
Não dobram certamente pelos mortos,
mas pelos vivos.
Sobretudo pelos nascituros
que dormem ainda o seu sono incauto
no seio das placentas
funéreas,
tão lembrando esquifes prematuros.
mas pelos vivos.
Sobretudo pelos nascituros
que dormem ainda o seu sono incauto
no seio das placentas
funéreas,
tão lembrando esquifes prematuros.
Confissão
Confesso: nunca fiz poesia
hermética,
e muito menos versos
enigmáticos.
Quero que sejam filhos
de uma estética
que os faça puros, simples,
claros,
áticos.
hermética,
e muito menos versos
enigmáticos.
Quero que sejam filhos
de uma estética
que os faça puros, simples,
claros,
áticos.
Pirotécnico
Porventura haverá
melhor ofício
do que ser produtor,
a vida inteira,
de torrentes de fogos
de artifício?
Não há, nem pode haver.
Porém, se houver,
feliz, feliz de quem
o exercer.
melhor ofício
do que ser produtor,
a vida inteira,
de torrentes de fogos
de artifício?
Não há, nem pode haver.
Porém, se houver,
feliz, feliz de quem
o exercer.
Outra
ortodoxos
abominam a métrica
e a rima.
Porém eu, que venero paradoxos,
embora modernista radical,
tenho por elas uma funda estima,
que eu diria que é quase
visceral.
(E este poeminha símplice
o confirma).
Espero que os Mortaguenses tenham gostado de saber notícias de um conterrâneo que há muito partiu para terras distantes.
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