sexta-feira, 14 de julho de 2017


João Manuel Simões, mortaguense,

figura grada da Cultura no Brasil


 
 

Nasceu em Mortágua, no dia 18 de Março de 1937.

O seu pai, António Simões, era natural do Barril e barbeiro de profissão. A sua mãe, Irene dos Anjos Ferreira Jorge, era natural de Belém do Pará. Moravam na vila de Mortágua.
Fez os estudos primários em Mortágua. Frequentou o ensino secundário no Liceu de Coimbra, tendo partido para o Brasil por volta dos 17 anos. Vive em Curitiba a partir de 1954 onde tirou  o curso de Direito na Faculdade Federal do Paraná, e passou a exercer, a profissão de advogado
Destacou-se entretanto como ensaísta, contista e poeta, publicando a partir de 1959 uma longa lista de livros.
Entrou para a  Academia Paranaense de Letras aos 31 anos, quando tinha oito livros publicados, sendo o mais jovem escritor a ingressar na Academia. Actualmente é o membro mais antigo, sendo o titular da cadeira nº 11, desde 1971.
Obteve vários prémios, entre os quais se destaca o Prémio Fernando Chinaglia, da União Brasileira de Escritores, pelo livro Suma Poética.
Além da Academia Paranaense de Letras,  é membro do Centro de Letras do Paraná, do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná e do Círculo de Estudos Bandeirantes.

Da sua extensa bibliografia, lembramos:
 
Parágrafos escritos nas páginas do vento
Rapsódia europeia
Trovas que minha mãe me inspirou e outras quadras
Eu, sem mim
À Margem da Leitura e da Reflexão
A Palavra e o Mundo
Introdução à Crítica Estilística
Os Labirintos do Verbo
Réquiem Para 7 Quedas
Odes, Elegias e Outros Poemas
Sonetos Escolhidos
Ficção Possível
Micropoética
Sonetos de um Tempo Incerto
Moderato Cantabile
Rudopoema ou Peregrinatio ad Loqua Iníqua
O Túnel Circular
Poemas de um Heterônimo Crí(p)tico
Lira de Don Quixote e Reflexões Sobre Liberdade
Suma Poética
Rapsódia Européia
Canto em Mi(m)
Inscrições Para os Muros de Babilônia
Armorial do Verbo
Sonetos do Tempo Onívoro
Clareza e Mistério da Criação Literária
A Tangente e o Círculo
A Palavra e o Mundo
O Túnel Circular
A Álgebra do Canto,

 

A que acrescentamos  ensaios e textos de homenagem:
 
Guernica e Outros Quadros Escolhidos de Picasso
Alguns Poemas para Drummond em Seus Oitentanos
Ode ao Alferes Joaquim José da Silva Xavier
Vergílio Ferreira, um Novo Eça?
Kafka, Fenomenologia do Invisível e Outros Ensaios
Virgílio e Camões: Duas Presenças Vivas
Ernani Reichman
Bento, Humanista e Homem de Cultura
Presença de Balzac
Camus Notas à Margem de A Peste
Evocação do Bruxo do Cosme Velho
De Tasso a Erasmo
Alguns Estudos Breves Sobre Dalton Trevisan
Os Criadores e Suas Obrase
Palestras e Ensaios
Pensamentos.

 

Para que possamos apreciar um pouco da sua arte, aqui ficam alguns dos seus poemas.

 

Diálogo Comigo
 
Falo comigo, falo.
Mas só me escuto quando,
em silêncio pensando,
me calo.
 
O que diz minha boca?
Mentira vã, sonora?
Tudo o que digo agora,
sufoca.
 
Ânsia íntima, larga,
de seguir só e mudo.
Tudo o que conto, tudo
amarga.
 
Minha voz de ontem brota
de um legendário hoje. 
Subitamente foge,
ignota.
 
Quem serei?  Desconheço.
Se chegar a sabê-lo,
a ninguém o revelo:
esqueço.

O Primeiro Dia da Criação
 
Cicatriz na epiderme
macia do silêncio,
ei-la que surge, nítida,
iluminada e frágil,
na geometria exata
do tempo feito espaço,
com gládio nas trevas,
como insígnia de fogo.

Haste de flor de som
sem memória plausível,
gesto puro de flâmula,
alarme sobre claustros
ou mero grito agreste
violando a morte obscena,
ei-la que desabrocha.
 
No Princípio era o caos,
(Era o cais, eram cães, eram Cains?)
E a palavra boiava,
ambígua, sobre as águas.

PENÉLOPE

Enquanto a noite cresce e a lua brilha,
faço e desfaço, sem descanso, a teia,
no tear infinito da quimera.
Ulisses há de vir da sua ilha.
Mas enquanto não vem, minha odisseia
é ir tecendo, em pranto, a longa espera.

SANCTA POESIS

Luz que se tece
de sombra
e claridade.
Sua textura,
só quem a acende
sabe.


Flor no silêncio.
Seu colorido,
só quem a colhe
enxerga.

Explosão irisada
de metáforas.
O seu fascínio,
só quem a deflagra
entende.
 
EXORTAÇÃO
 
Não digas nada. O teu silêncio basta
para exprimir o que, dito, não chega
a ferir o ouvido que ouve e apenas
se contenta em ouvir e logo esquece.
As palavras já nada dizem, gastas
de tanto serem ditas. Silencia,
que o silêncio é a única mensagem
que o coração humano entende e cumpre.
Faz do silêncio a língua universal.
Já basta que os canhões não mais se calem
e que os gritos persistam nas gargantas.
Faz do silêncio a lâmina que vença
o vão clamor do mundo inteiro. E reza,
reza em silêncio e em silêncio chora.

 

VARIAÇÕES SOBRE O DESERTO
 
Les milices du vent
sur les sables de l'éxil.
Saint-John Perse
 
Deserto inúmero, infinito mar
de sílica: deserto congelado.
E os homens? Transeuntes nas areias,
dromedários de sombra carregando
no dorso o fardo antigo da esperança.
Deserto sob e sobre, dentro e fora
de nós como um cilício inominável:
fulvo e árido sempre, como a vida
que se escoa depressa na ampulheta.

 
2.

Aqui e ali, agreste, a imprecação
de um cacto verde, verdemente ereto.
(Deserto ubíquo, de ondas cor de tédio
que de Sodoma as chamas enxugaram).
Além da linha pura do horizonte
(se próxima ou longínqua, pouco importa),
espera-nos a zona proibida
de areias movediças, sorvedouro
infausto e sem remédio. Ora pró nobis.

 
3.

Depois deste deserto, mais deserto
sob o mármore vão dos epitáfios.
Sim, deserto. Se côncavo ou convexo,
ninguém sabe. Perpendicular, não.
Horizontal? Talvez. Talvez oblíquo.
 
4.

E todos naufragamos no deserto
            insaciável como o tempo onívoro.

 

NAVIO FANTASMA

 

No meu leito de cinzas e de olvido
eu sinto e penso que fui barco outrora,
um barco naufragado, mas que agora,
no mar da carne singra, adormecido.
 
 
Algo de mim me conta o impressentido
segredo do que fui. Como que aflora
na minha mente a ideia redentora
de que talvez eu seja inconcebido

 
pensamento, corpóreo só no vulto,
mas de estrutura interna indecifrada,
de que talvez por sob o que há de sepulto

 
no mar onde há mil anos naufraguei,
eu tenha ainda a bússola encantada
à proa do fantasma que me sei.
 

SONETO COM TIGRE DENTRO
 
Construiu Mallarmé belo soneto
com rima em "yx". O meu será em "igre"
De Bengala, ou sem ela, louro e preto,
haverá nele (é necessário) um tigre.

Será um tigre lento, circunspecto,
sedentário: farei que nunca emigre
para Cabul ou Tebas ou Mileto,
Ur, Samarcanda (que o vulgo denigre).
 
Feitas as duas quadras falta agora
concluir os tercetos, um por um.
E se possível for, com chave de ouro.
 
Está próximo o fim. Pouco demora.
(Tigrina inspiração, tigre incomum:
chifres na testa, muge como um touro).
 

Cântico de Guerra


Rufam tambores na planície verde
Onde os cadáveres grávidos de sangue em silêncio
Desabrocham.


Sós, com as flâmulas erguidas,
Caminhamos dentro da larga noite de basalto.
Astros existem para lá de nós,
Sonhos palpitam além do eco ensurdecido dos passos
Que escrevem na terra o segredo terrível
Do nosso itinerário absurdo.    .
Buscamos algo na penumbra indecisa
Que se estende ao longe,
Erguendo cada vez mais alto
As flâmulas.
Sós, com o rastro anônimo que deixamos sobre
Os longos caminhos que nos trazem onde
O câncer da náusea se avoluma.

Rufam tambores na planície verde.

Quem disse paz quando os canhões clamaram?
Quem disse paz enquanto as bombas desenhavam
Lírios de fogo e sangue e morte no horizonte azul?
Sós cada vez mais sós, com as flâmulas
Cada vez mais altas,
Esquecidos para sempre de que o sonho existe,
Inútil, áspera ficção de bárbaros.
Sós, sim, com as flâmulas
Rasgadas.


Enfiemos, irmãos, as baionetas cúmplices,
Na bainha sangrenta do remorso.
E choremos,
Choremos todos porque as rosas brancas do Vietnã
Estão florindo cada vez mais rubras.


Perfil, em preto e branco, de um capitalista sem nome


Apesar de capitalista
           ortodoxo, convicto,
era radicalmente
                 marxista.
(E, dos três irmãos,
             preferia o Groucho).
Mais: adorava
            Das Kapital,
       investindo sempre
                 em ouro, dólar
            ou euro,
num banco helvético.
Costumava gozar
                  os rendimentos
                 sentado num banco
da praça Santos Andrade.
(Geralmente,
                   à sombra).

Vida & bebida


Não: beber, não bebi.
Contudo, sinto-me ébrio
da vida que vivi.

Macbeth ato v, cena v


Curiosamente, foi nessa peça amarga,
talvez a mais amarga de todas as
peças,
que Shakespeare consignou
o seu verso mais doce:
the milk of human kindness
Só esse leite da ternura humana
evita que a nossa vida seja aquela
tale told by an idiot, full of sound
and fury, and signifying nothing.
E o resto é silêncio, e ouvido, e pó.


James Joyce & Stephen Dedalus


São dois os corpos sepultados
em Zurique. Um é o de Stephen
Dedalus, “as a young man”,
labirinto cruzando labirintos
(em Dublin e alhures). O outro,
de James Joyce, no caso,
certamente, “as an old man”.
Dois corpos, dois túmulos, dois féretros.
E há gente que jura que era um apenas.

Meninice


Estranha ambiguidade
da idade ambígua:
a criança, pai do homem
vai ruminando, em silêncio,
a clássica dúvida de Hamlet:
ser ou não ser grande?
(Ah, como demora sê-lo!)

Por quem dobram os sinos, John Donne?


Não dobram certamente pelos mortos,
mas pelos vivos.
Sobretudo pelos nascituros
que dormem ainda o seu sono incauto
no seio das placentas
                      funéreas,
tão lembrando esquifes prematuros.

Confissão

Confesso: nunca fiz poesia
                                hermética,
e muito menos versos
                        enigmáticos.
Quero que sejam filhos
                  de uma estética
que os faça puros, simples,
claros,
áticos.
Pirotécnico

Porventura haverá
                   melhor ofício
do que ser produtor,
a vida inteira,
de torrentes de fogos
                    de artifício?
Não há, nem pode haver.
                     Porém, se houver,
feliz, feliz de quem
o exercer.
Outra

Bem sei que modernistas
                           ortodoxos
abominam a métrica
                          e a rima.
Porém eu, que venero paradoxos,
embora modernista radical,
tenho por elas uma funda estima,
que eu diria que é quase
                              visceral.
(E este poeminha símplice
o confirma).


 
Espero que os Mortaguenses tenham gostado de saber notícias de um conterrâneo que há muito partiu para terras distantes.

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