sexta-feira, 16 de junho de 2017


Um mortaguense na Patuleia
José de Gouveia e Sousa
 
Em 1846, reinava em Portugal D. Maria II e chefiava o governo cartista António Bernardo da Costa Cabral, quando a 16 de Maio surgiu um movimento popular no Minho que viria a ser conhecido por Revolução do Minho, ou da Maria da Fonte, ao que parece, por ter sido iniciado por uma Maria do lugar de Fontarcada.
O movimento era motivado pelo descontentamento popular em relação a novas leis de recrutamento militar e a alterações fiscais, mas a causa próxima foi a proibição de realizar enterros dentro das igrejas.

Em Coimbra foi criada uma junta governativa e organizou-se um batalhão de voluntários académicos.
Dessa movimentação resultou a demissão de Costa Cabral e a nomeação do Duque de Palmela para o substituir.
O batalhão académico foi prontamente desmobilizado.
Mas, a 6 de Outubro do mesmo ano, a rainha D. Maria II demite o duque de Palmela e nomeia o Duque de Saldanha para chefiar o Governo, numa manobra que foi chamada de Emboscada palaciana.
Logo se revoltou a cidade do Porto, e seguidamente grande parte do país, originando uma guerra civil, que ficou conhecida por Patuleia, e que durou oito meses, e que terminou com a intervenção de forças estrangeiras da chamada Quádrupla Aliança (Inglaterra, França, Espanha e Portugal), que impôs a paz com a assinatura da Convenção de Gramido, em 30 de Junho de 1847.
Em Coimbra, o Governador Civil, Duque de Loulé, ordenou a 11 de Outubro  a reorganização do Batalhão Académico, que de novo ficou sob as ordens de Fernando Eduardo Vasques da Cunha,  visconde de Maiorca.
As forças revoltosas foram derrotadas pelo Duque de Saldanha, em 22 de Dezembro de 1846, na Batalha de Torres Novas, e retiraram-se para o Porto.
Uma parte do Batalhão Académico partiu por mar, do Porto para o Algarve, e sob o comando do Visconde de Sá da Bandeira participou na batalha do Alto do Viso, a 1 de Maio de 1847, na zona de Setúbal.
As forças comandadas pelo Conde das Antas, incluindo a parte do batalhão académico que tinha permanecido no Porto e os que tinham voltado de Setúbal, 
 partiram do Porto a 31 de Maio de 1847, mas foram aprisionados à saída da barra pela esquadra inglesa.
Terminaria assim a participação do Batalhão Académico. No fim de Junho seria assinada a Convenção de Gramido.

Há algum tempo, mão amiga fez-nos chegar à mão um livrinho  da autoria do Dr. António dos Sanctos Pereira Jardim intitulado Notícia Histórica do Batalhão Académico de 1846-1847, publicado pela Imprensa da Universidade de Coimbra, em 1888. O autor faz um relato dos acontecimentos e publica a lista dos estudantes que participaram no Batalhão. Entre eles fomos encontrar um mortaguense. Passaremos a transcrever as passagens que lhe fazem alusão:
«153 José de Gouvêa e Sousa, 3ª companhia, natural de Vale de Açores, segundo ano de direito, nº90; fez toda a campanha. – Foi ferido na acção de Setúbal.»

Sobre a acção do Alto  do Viso:

«O posto dos académicos, durante o combate, deveria ser nos navios, porque, como já se disse, eles não pertenciam às tropas de desembarque; unicamente lhes fora cometida a polícia das guarnições dos mesmos navios. Os brios, porém, de que eles eram dotados, não lhes permitiam que, tendo eles sido os principais instigadores da acção que se ia travar, ficassem de braços cruzados dentro dos barcos, e não fossem os primeiros a afrontar os perigos no campo de batalha. Obtida de Salter, comandante da esquadrilha , a necessária licença, trinta e um académicos desembarcaram dos vapores e se apresentaram ao visconde de Sá, solicitando a honra de lhes ser dada a posição que ele entendesse ser de maiores perigos.
O visconde acolheu este pedido com inequívocos sinais de admiração, e colocou estes mancebos, que, com tanto denodo, faziam o sacrifício de seus futuros e de suas vidas, na vanguarda da ala esquerda do ataque, e lhes deu por comandante o capitão Fernando Mousinho de Albuquerque, um bravo, digno de comandar tão esforçados jovens.
Cabe aqui mencionar, já que não posso gravar em mármore, co letras de ouro, os nomes desses trinta e um valentes.
Manuel Fialho de Abreu Simões
José Maria Tavares Ferreira
Agostinho Pacheco Leite Bettencourt
António Alves de Macedo
D. António da Costa de Sousa de Macedo
António José de Barros e Sá
António Maria de Lemos
António dos Sanctos Pereira Jardim
Augusto José Gonçalves Lima
Augusto Zepherino Rodrigues
Ayres de Araújo Pereira Negrão
Caetano Xisto Moniz Barreto
Candido Maria Cau da Costa
Carlos Honório Borralho
Domingos António Ferreira
Eugénio Costa e Almeida
Francisco Pimentel de Macedo
Frederico Augusto Jansen Verdades
Guilherme Garcia de Sanct’Anna Miranda
João António de Macedo Ferraz
João António dos Sanctos e Silva
João Pereira Ramos Brun do Canto
João Ribeiro Barreira
Joaquim Guilherme de Seixas
Joaquim de Pinho e Sousa
José António Carlos Madeira Torres
José de Gouvêa e Sousa
Manuel Gomes Pinto
Manuel Ignacio Brun do Canto
Pedro Joyce
Raymundo Cesar Borges Teixeira»

 Mais adiante refere o autor:
« De volta a Setúbal, fez-se a chamada dos trinta e um académicos, que tinham entrado em combate. »
Não responderam à chamada cinco. Dois deles tinham morrido em combate ou em consequência dele. Outros dois foram aprisionados e assassinados. Sobre o quinto descreve António Jardim:

«- José de Gouvêa e Sousa. Foi recolhido no hospital de sangue com um ferimento no joelho, que recebeu no começo da acção. Era conhecido pelo cognome de “Conde das Antas”. Querendo, talvez, justificar os créditos de valente de que gozava o seu homónimo, não quis retirar-se do campo de batalha, quando foi ferido. Apertou com um lenço a ferida e continuou a bater-se como um leão até o fim da acção.»
O coronel Wilde conseguiu um cessar fogo da parte de ambos os beligerantes, podo termo à acção do Alto Viso.

«Os vinte e sete académicos, sobreviventes da acção do Alto do Viso, saíram de Setúbal no dia 19 de maio, embarcados nos vapores Mindelo e Porto. Apesar dos vapores terem chegado no dia 20 à barra do Porto, só puderam entrar e fundear no Douro em 21 do mesmo mês. Apenas foram lançados os ferros, desembarcaram os académicos e se encaminharam para o seu quartel.»
Não tardariam muito a iniciar uma nova aventura :
« No dia 28 todas as forças da expedição do conde das Antas, incluindo o Batalhão Académico, marcharam do Porto para a Foz, e aqui se demoraram até ao dia 30, em que se concluiu o embarque, sendo o estado maior da expediçaõ e o batalhão académico os últimos que embarcaram, já de noite.
No dia 31, ao romper da manhã, estava a esquadrilha da junta cercada de perto por uma poderosa esquadra, composta de vários vasos de guerra ingleses e de duas corvetas, uma francesa e outra espanhola.
…. O comandante desta esquadra era o comodoro Thomaz Maitland.»

 O comandante da expedição  foi intimado a entregar-se como prisioneiro de guerra, bem como as forças sob o seu comando, e não teve alternativa dada a desproporção dos meios.

« No dia 1 de Junho saíram das águas do Porto todos os vasos, tanto os aprisionados como os aprisionadores, exceptuando a fragata inglesa América, e fundearam nesse mesmo dia em frente da torre de S. Julião.»
O cativeiro nos navios e na torre de S. Julião durou trinta e nove dias.
A convenção de Gramido pôs fim a esta guerra civil.

De José de Gouvêa e Sousa, sabemos que no ano lectivo de 1849-1850 frequentava o 5º ano de Direito, e terá provavelmente terminado o curso.

Era filho de João António de Gouvêa e Frias.

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