sexta-feira, 18 de junho de 2021

 

Peste em Mortágua – 1537

 

Todos sabemos que as pandemias não começaram em 2019 com o COVID. Outras foram ocorrendo ao longo dos tempos, embora sem a extensão e rapidez de disseminação da COVID, proporcionada pelo desenvolvimento dos meios de transporte e pela globalização da economia.

A Covid 19  é provocada por um coronavírus, mas tempos houve em que o agente causal era um bactéria, como aconteceu no caso da Peste, a pandemia mais antiga de que temos conhecimento.

A PESTE, é resultante do contágio pela bactéria Yersínia pestis, transmitida aos humanos por picada de pulgas infectadas pelo sangue roedores, principalmente ratos.

Também pode ser adquirida pelo manuseamento de sangue, secreções, ou tecidos de animais contagiados.

Das 3 formas clínicas da doença (bubónica, septicémica e pneumónica), a forma pneumónica pode ser transmitida directamente por animais como os gatos, que se alimentam de ratos contaminados, ou por gotículas de aerossol contendo a bactéria.

Tivemos conhecimento da identificação  de material genético (DNA) da bactéria Yersinia pestis em dentes de humanos que viveram há mais de 5000 anos.

A primeira grande pandemia de Peste de que temos  notícia, surgiu no séc. VI, estendeu-se pela Europa, Ásia e África e calcula-se que tenha provocado 25 milhões de mortos. Manteve-se activa durante quase 200 anos.

No séc. XIV teve lugar a 2ª grande pandemia de peste, entre os anos de 1348 e 1351, conhecida por “Peste Negra», que matou cerca de um terço da população da Europa.

Seguiram-se outros surtos em 1361- 63, 1369 -71, 1374 -75, 1390.

A 3ª pandemia surgiu no final do séc. XIX, começando na China e difundiu-se por grande parte do mundo, matando cerca de 10 milhões de pessoas.

Mais recentemente tem ocorrido surtos em vários continentes. Felizmente, a identificação da bactéria e a existência de antibióticos eficazes para combater a infecção permite um controlo que outrora era impossível.

A mortalidade de quase 90% dos atingidos, antes da era dos antibióticos, foi reduzida para pouco mais de 10%.

***

Em 1537, surgiu em Mortágua  e em Carvalho, não uma pandemia, mas um surto de peste que provocou algumas vítimas.

Tendo conhecimento disso, o rei D. João III mandou o seu médico Francisco Feliciano para Coimbra para tentar contrariar a difusão da doença.

O Jornal de Coimbra, num. LXXIX, Parte I, de 1819, publica as determinações do Rei, que aqui reproduzimos na forma original.



ART. X - Provisão d’ElRei D. João IIl. em que recommenda o seu Físico, Francisco Feliciano , à Cidade de Coimbra , para onde o Manda , a vêr se evita a Peste , de que já tem morrido algumas pessoas em Mortágua , e no Concelho de Carvalho.

Juiz , Vereadores , e Procurador da Cidade de Coimbra : Eu ElRey vos-Envio muito Saudar: Eu Soube ora como em Mortágua , e no Concelho de Carvalho erão falecidas de peste algumas pessoas, de que Me muito desapraz ; e porque em semelhantes casos , com ajuda de Nosso Senhor, aproveita muito, para não ir mais avante, ter-se n' isso bom regimento, e fazer-se por pessoa que d' este mal tenha experiencia , Envio lá o Licenciado Francisco Feliciano , Meu Fisico, que vos esta dará, o qual curou n'esta Cidade , e em outras partes por Meu Mandado os annos passados: Encommendo-vos muito , que estejais com elle , e lhe-deis toda a informação que d' este caso tiverdes , e cumprais , e façais inteiramente todo o que elle n'isso ordenar , e fizer , assim para a saúde dos ditos Lugares, como para guarda d' essa Cidade , por ser pessoa que d' este mal tem muita prática, e experiencia; e porque póde ser que seja necessario queimar-se alguma roupa impedida nos ditos Lugares, e comprar-se outra , far-se-ha n' isso, e assim nos homens que são necessarios para ir e vir dos ditos Lugares até junto d' ésta Cidade, e em tudo o mais que a ésta negociação cumprir o que o dito Licenciado ordenar, e a despêsa da dita roupa e homens , assim das mezinhas e de tudo o mais que for necessario, se fará á custa das rendas d' essa Cidade ; e não havendo ahi dinheiro das ditas, Encommendo-vos que o-busqueis emprestado de maneira que á mingoa d' eIle se não deixe de fazer o que for necessario, e depois Mo-escrevereis para Eu Mandar donde se-haverá de pagar ; e ao dito Licenciado mandai dar pouzadas e camas de graça, o tempo que ahi estiver; e Encommendo-vos, que em tudo seja de vós tratado como é razão, o Regimento e guarda d' essa Cidade cumpre tanto a meu prazer, e bem d'elle, como sabeis , e mais agora que tem tanta gente: Encommendo-vos muito, que tenhais d' eila especial cuidado, como de vós Confio , provendo n' isso com todos os remedios que virdes , que são necessarios, e tomando em tudo o conselho e parecer do dito Licenciado. = Manoel da Costa a-fez em Lisboa a 7 de Dezembro de 1537. = REY. = Para a Cidade de Coimbra.

 

***

Nessa época não existiam quaisquer meios para combater a Peste, pelo que a luta era muito desigual, por mais sábio e esforçado que o Físico Francisco Feliciano pudesse ser.

Não sabemos o que aconteceu depois, mas as probabilidades de sucesso eram muito pequenas.

Sem comentários:

Enviar um comentário