domingo, 24 de julho de 2022

 

São Nicolau Tolentino

  cerca de um ano, uma senhora amiga  falou-me de uma imagem de um santo que tinha em casa. Pela forma como o descreveu, despertou em mim intensa curiosidade, o que me levou a pedir que me deixasse ver essa peça.

A curiosidade foi satisfeita, permitindo-me a proprietária fotografar o santo que guardava sobre uma pequena mesa num dos cantos da sua sala de jantar.




A estatueta tem cerca de 1,20 m de altura, é extremamente pesada, e, embora pintada, tudo nos leva a crer que é de pedra maciça.


Na mão direita tem um tubo oco, onde estaria inserido outra peça entretanto desaparecida.

Na mão esquerda, uma ave (aparente uma perdiz) pousada sobre um livro.

A imagem já não tem a pintura original. Foi  “recuperada” por curiosos pouco respeitadores das cores iniciais.

Perguntamos à actual proprietária como é que a imagem tinha chegado à sua posse. Contou-nos que no fim do séc. XIX, ou no início do séc. XX, o avô do seu marido tinha encontrado a imagem nuns pinhais próximos da Mata do Bussaco e levou-a para sua casa onde permaneceu muitos anos. 

A imagem esteve em risco de ser destruída por volta dos anos 90 do séc. XX porque alguns descendentes do homem que a encontrara aderiram às  Testemunhas de Jeová. Valeu a decisão do marido da nossa amiga, que impediu a destruição e trouxe para sua casa a peça em causa, onde permaneceu até hoje.

A atual proprietária terá descrito a imagem a um antigo patrão em França, que depois de investigar nos seus livros lhe disse tratar-se de S. Nicolau Tolentino, e lhe ofereceu uma considerável quantia de dinheiro para o adquirir, mesmo sem nunca o ter visto.

Confessamos que a nossa literacia em matéria religiosa é bastante limitada, pelo que decidimos mostrar as fotografias ao Sr. Pedro Cancela de Abreu, reconhecida autoridade em matéria de arte e do seu restauro. Com grande simpatia, deu-nos a opinião de tratar-se de uma peça antiga, possivelmente do sec. XVII ou XVIII e concorda que se trata de S. Nicolau Tolentino. Cedeu-nos também alguns extratos de livros da sua biblioteca privada que aqui transcrevemos. 





Tomando como certa a identificação da imagem, surgiu-nos a dúvida sobre o motivo que levaria à descoberta da imagem de S. Nicolau Tolentino em zona de arborizada, próxima da mata do Bussaco. É claro que não dispomos de informações que nos permitam estabelecer uma teoria minimamente fundamentada, mas não resistimos à tentação de adiantar uma hipótese, sem esperança de a poder desenvolver.

Sabemos que Luís Rodrigues, natural de Santa Cristina, da freguesia de Espinho do concelho de Mortágua era  um fervoroso crente que, não sendo monge,  prestava assistência secular ao Convento dos Carmelitas do Bussaco. Mandou construir uma capela, exterior aos muros do “deserto”, denominada Capela do Encarnadouro (ou Emcarradouro), também conhecida por Capela das Almas, próxima da Porta da Rainha.

S. Nicolau Tolentino é conhecido como advogado das Almas do Purgatório, pelo que lhe seria provavelmente consagrada a Capela das Almas. É possível que a imagem de que atrás falamos, fosse adquirida com a finalidade de ser colocada na capela.

Ao que sabemos, Luís Rodrigues faleceu sem ver concluída a sua obra. Poucos anos depois, em 1810, durante a 3ª invasão francesa, a Capela das Almas foi utilizada para tratamento pelos frades dos feridos de guerra de ambos os exércitos.

A capela foi depois votada ao abandono e degradou-se progressivamente, até que em 1871 foi recuperada e construído o Museu Militar no terreno adjacente. Foi benzida em 1876, consagrada a N.ª Sr.ª da Vitória e às Almas.

Quanto ao nosso S. Nicolau Tolentino é bem possível que o seu detentor à data da 3ª invasão francesa, temendo a rapina ou a barbárie do exército invasor, a tenha escondido na mata, em local bem recatado, só conhecido dos intervenientes. O seu falecimento, natural ou resultante da guerra, equivalia ao desaparecimento dos objetos por tempo indeterminado, até que alguém acidentalmente os encontrasse, por vezes ao fim de muitos anos, quando já ninguém deles tivesse memória.

Sem certeza, pensamos ser esta a história desta imagem de S. Nicolau Tolentino.




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