terça-feira, 14 de setembro de 2021

 

CINIRO  FERREIRA  AFONSO



Esta publicação não pretende ser uma biografia, mas simplesmente um tributo a um amigo que partiu desta vida, mas não da nossa memória. Em relação a muitos assuntos, não conseguimos reunir a informação que desejávamos. Aqui fica aquilo que pudemos juntar. Outros farão melhor, mas esperamos dar um pequeno contributo para isso.


Ciniro Ferreira Afonso

Nascido em Vale de Açores, Mortágua, em 6 de Julho de 1932, era filho de José Maria Ferreira e Amália de Oliveira.

Faleceu a 4 de Maio de 1985.

Os jovens de Mortágua, na minha geração, tiveram a oportunidade de beneficiar da companhia e amizade de dois amigos, algo semelhantes a dois “irmãos” um pouco mais velhos, ou “tios mais novos”, que nos deliciaram com o relato das suas ricas vivências, quer fora de Mortágua, quer naquela Mortágua que nos antecedera. Eram eles o Artur Leitão e o Ciniro Ferreira Afonso. Deste farei hoje uma nota biográfica, com os dados que consegui recolher.

A sua personalidade multifacetada, tornava-o popular entre as pessoas que contactava, e rapidamente transformava um conhecido num amigo, tal a empatia de seu relacionamento com as pessoas de qualquer estrato social. Tempo houve em que quando em qualquer parte dizíamos a alguém que eramos de Mortágua, frequentemente nos falavam do Ciniro. Algo parecido com o que acontecia quando no estrangeiro se falava de Portugal, e logo os estrangeiros referiam Eusébio ou a Amália.

No meu caso, por causa das vicissitudes da minha vida, o convívio com o Ciniro já foi um tanto tardio, mas apesar de tudo muito rico.

Não tenho dados para fazer uma descrição cronológica da sua vida, pelo que farei mais uma apresentação de algumas suas facetas mais relevantes.

 A sua vida enquanto estudante de Coimbra, foi extremamente rica, embora nunca tenha terminado o curso de Medicina que iniciou em 1952-1953. Ficou, no entanto, celebre pela sua participação nas lutas estudantis e por ter sido durante vários anos o Dux Veteranorum da Academia, ou seja, o aluno com mais matrículas, e presidente do Conselho de Veteranos.

Em 1954 publica no Livro dos Quartanistas de Medicina uma dedicatória ao futuro Dr. Bráulio Afonso de Sousa, que nos diz algo sobre a sua amizade e a elegância do seu humor:

Era membro da República Poynta-Pau, que em 1967 tinha 8 repúblicos.  Poucos anos depois, esta república desapareceu definitivamente. Ainda tive oportunidade de estar presente num encontro de antigos repúblicos realizado no Vale da Mó, mas deverá ter sido um dos últimos.


Entre os muitos amigos que tinha, alguns se destacavam, nomeadamente o Dr. Louzã Henriques, que fez questão de o referir numa biografia da autoria de Manuela Cruzeiro e Tereza Carreiro, onde mostra as fotografias da Queima das Fitas de 1961.




Nesta fotografia, note-se a presença de Manuel Alegre, na ponta esquerda da fotografia, junto ao Ciniro.

Também António Avelãs Nunes nos dá um testemunho pessoal:


Nesta fotografia, publicada por António Horta Pinto, podemos ver o Ciniro em 1964, a dirigir como Presidente da  Assembleia Geral de Estudantes, uma reunião nas instalações da Associação Académica. São reconhecíveis algumas pessoas que ganharam alguma notoriedade, como José Carlos Vasconcelos, que está de capa e batina, um pouco atrás do Ciniro. 

Também em 1964 fazia parte da Comissão  da Semana de Recepção aos Caloiros, que se realizou entre 19 e 22 de Novembro :



Em Abril de 1967,  o jornal  O Badalo, do Conselho das Repúblicas, publica a notícia da substituição do Dux Veteranorum:

As razões pessoais para abandonar o cargo e sair definitivamente da Universidade e de Coimbra, prendem-se com a necessidade de tomar conta dos negócios familiares, uma vez que o seu pai José Maria Ferreira, falecera em Dezembro de 1966.

***

Uma faceta importante da sua vida em Coimbra foi a sua actividade como desportista. Foi sem sombra de dúvida uma figura marcante da história do Rugby em Coimbra.

Disso nos dá conta  uma

ACTA DA REUNIÃO DA CÂMARA MUNICIPAL DE COIMBRA,

REALIZADA NO DIA VINTE E SEIS DE JUNHO DE MIL NOVECENTOS E NOVENTA E CINCO,

Onde o Vereador Jorge Lemos apresentou a seguinte proposta, que foi aprovada:

 

Secção de Rugby da Associação Académica de Coimbra

 

"O Rugby além de um jogo é uma filosofia de vida, que assenta na camaradagem e na amizade.

Esta modalidade inicia a sua actividade em Coimbra , na Associaçao Académica de Coimbra, no ano de 1936 pela mão do Dr. José Maria Antunes - também atleta da Secção de Futebol-.

O primeiro jogo efectuou-se enquadrado na Queima das Fitas em 1937.

Empenhados no desenvolvimento da modalidade, mantiveram os treinos de captação de jovens e em 1940 disputaram a final dos Jogos Desportivos Universitários com a Universidade Técnica de Lisboa, tendo perdido por 6-3.

Desta primeira equipa além do já citado Dr. José Maria Antunes, fizeram também parte, o Dr. Felisberto Pica, um dos baluartes da história da Academia de Coimbra.

A primeira vitória da Académica remonta ao ano de 1942

Até à época de 1954/55 o Rugby conheceu um decréscimo de importância por razões de ordem estrutural e política.

Neste ano, com a vinda para Coimbra de António Sá Lima, o Rugby volta de novo à Associação Académica.

Ciniro Afonso, José Brinca e José Eduardo Falcão, entre outros, passaram a assumir a prática do Rugby, sem qualquer interrupção até ao presente ano.

O primeiro título nacional será ganho em 1970 e em 1974, conquista pela 1ª. vez a Taça de Portugal.

Ao longo da sua existência a Secção de Rugby da Associação Academica de Coimbra, demonstrou uma capacidade de trabalho notável, já que com fracos meios, sempre conseguiu manter um bom nível competitivo.

A preocupação com a motivação e estímulo dos atletas mais jovens para a prática da modalidade, será talvez, uma das suas principais conquistas.

Só com o trabalho empenhado e grande dedicação ao Rugby dos seus dirigentes, dos quais destaco o seu actual Presidente, Dr. António Rochete, é possível manter um bom nível competitivo.

Na época que agora findou, a equipa sénior foi Vice-Campeã Nacional, venceu a Taça de Portugal, o Torneio de Abertura Centro/Norte, a Taça Primavera e o Torneio Internacional Queima das Fitas. Além dos brilhantes resultados obtidos esta Secção manteve em competição 10 escalões etários num total de 326 atletas.

O Rugby merece, por tudo quanto já fez pelo desporto, o respeito e o carinho da Cidade de Coimbra.

Face ao exposto é justo que, ao comemorar os 40 anos de existência, a Câmara Municipal de Coimbra reconheça publicamente o trabalho desenvolvido por esta Secção da Associação Académica de Coimbra, pelo que proponho, que de acordo com o Regulamento da Concessão de Medalhas Honoríficas da Cidade, expresso no Art° 22º. do Cap. VI,

" A Medalha Dourada pode ser atribuída às equipas vencedoras de provas Nacionais, bem como a Atletas, Personalidades e Instituições que atinjam alto prestigio no campo desportivo"

lhe seja concedida a MEDALHA DE MÉRITO DESPORTIVO."

 

Manuel da Costa, atleta e treinador da Secção de Rugby  da Associação Académica de Coimbra publicou um livro intitulado Simbologias do Rugby nos quarenta anos da Académica dá um testemunho extenso e sentido do velho companheiro Ciniro:

O CINIRO

No aniversário quadragésimo. Com 40 anos de idade, mais do que idade para ter juízo, a secção de Rugby da Associação Académica de Coimbra, comemorou-o no Palácio de S. Marcos: comemorando aí pela quadragésima vez, nessa semana, a vitória na Tça de Portugal. Então e o discurso retrospetivo da história da secção, dos vivos, dos mortos, dos símbolos, das heranças, das lendas, do Ciniro que lá não constou mas que existiu, que foi fundador, jogador, director e acima de tudo referência obrigatória em todas as evocações?

Em 77, aquando da vitória no 1º campeonato a ele se fez referência na revista “Rugby”, ainda que ligeira, com ele presente na comemoração “,,,Vai aparecendo no Rugby Clube. Bebe um copo, que é umm rico pretexto, não jogues as cartas , a não ser a sueca com o Ciniro e aí tens de estar calado senão ele chateia-se…”. E em 1982(*), veio a morte “ A morte que mataste lira e nós contámo-la na imprensa e cantámo-la junto à sua morada.

 “Coimbra tem mais encanto na hora da despedida. A morte sempre provocou, em nós, um enorme sortilégio. Não a tememos e até encontramos nela a expressão de uma certa exaltação, mas, o que é facto, é que conflituo com ela sempre que é brutal nas suas opções. Foi assim na década de 60 quando ceifou as vidas aos correligionários rugbystas Quim Ruas e Pedro Carmona a ponto de prolongada e regularmente as invocar a atitude de grande exaltação, às vezes mesmo, simbioseada de alguma morbidez.

  Desta feita, hesitámos. Hesitámos, mas para tomar balanço. Aos dias quatro do mês de maio falecia, numa enfermaria desta cidade, Ciniro Ferreira Afonso – o Ciniro, 52 anos de idade, mais de 20 dedicados à ambiência Académica Coimbrã: das farras, das boémias, mas yambém paradigma dos valores de sempre – os princípios, as tradições, as lutas – no final de contas, o fenómeno cultural de um sector que se vertia na cidade e se estendia à Nação. Dux-Veteranorum na década de 60, co-fundador do Rugby da AAC na década anterior, acaba por regressar às origens – à sua Vale de Açores – e aí continuar o apostolado da cultura, no teatro e no associativismo.

Morreu um homem, que era um bom!

O homem que foi absorventemente acompanhado à sua ultima morada pelo seu povo e pelos companheiros de estrada. Chorado e cantado pelas velhas repúblicas e avelha guarda do Rugby que vieram de longe, mas também e em força, pela gente nova do teatro de hoje e da militância de sempre.”

 

(*)Por qualquer razão, Manuel da Costa confunde as datas. Ciniro Ferreira Afonso  morreu em 1985


Ao livro de Manuel da Costa fomos recolher as seguintes fotografias, em que podemos identificar o Ciniro.





Actividades estivais

Da sua vivência enquanto jovem, em Mortágua, tentaremos dar uma das muitas súmulas possíveis.

Nesses anos havia um grupo razoavelmente numeroso de estudantes de vários níveis, a maioria deles a estudar em Coimbra, que vinham passar as férias à terra natal, e que tudo faziam para as gozar da melhor maneira, organizando  actividades de convívio, coma as limitações que os tempos impunham. Gozavam no entanto de uma tolerância muito maior,  e uma disponibilidade de tempo, que os outros habitantes locais não tinham.

 

Segundo um esboço histórico, escrito por José Tomás Porto, cerca de 1990, Amadeu Breda terá criado para os estudantes que passavam as férias em Mortágua a figura do VERANA, que definiu, em termos alargados, como “todo aquele que descansa sete dias por semana.”

E acrescenta José Tomás:

As férias tinham a sua maior dimensão no VERÃO e é desta palavra que etimologicamente nasceu, seguramente, o termo expressivo “VERANA”.

Foram VERANAS célebres o Dr. LAFAIETE, o inesquecível CINIRO AFONSO, MANUEL MARTINS, BRUNO ROSA DA CUNHA  e ARTUR NOVAIS.

Entre os vivos consideramos decanos ARTUR LEITÃO, CELSO  CRISTINA e ABRALTINO LOBO.”

Naturalmente, esta informação já está muito desatualizada.

 

São dessa altura as fotografias tiradas na presa do Rio Criz, que usavam como praia e onde faziam merendas, e mesmo acampamentos:



Por vezes alguns deles também faziam férias nas praias do Algarve, aproveitando a hospitalidade de algum conterrâneo ali residente por motivos profissionais, mesmo que por fosse necessário  estabelecer uma ligações de legalidade duvidosa, ora acampando na zona de Monte Gordo. 

No campismo, não se livravam de encontrar outros mortaguenses: 


É segredo, mas o Tino Lobo já nos confessou que nunca conseguiu ganhar ao Ciniro uma bisca dos nove.  

E não perdiam a oportunidade de conviver com campistas de outras proveniências

***

Na mesma época também fazia a Verana uns jogos de futebol com os atletas e ex-atletas do Mortágua Futebol Clube, que ficaram a trabalhar na terra natal, por não prosseguirem estudos e a quem foi atribuído o nome genérico de Arsenal. De um desses recontros ficou esta fotografia da Verana:


Faziam também “Congressosdos quais possuímos  uma das convocatórias, redigida por Ciniro Ferreira Afonso, em 12 cantos de verso livre que ilustram a sua arte poética:

 

IV CONGRESSO DA “VERANA”

Convocatória

I

Pondo de lado

Ditirâmbicos dons de oratória

Vamos lembrar a história

Do descobrimento da memória

Em forma de palmatória

Que perpetuou um VERANA

Muito antes do MACACO (1)

Ter celebrizado a banana.

II

Voltados para a pedra

Em círculos de giz

Os Carneiros onomatopaicos

Nem nobres, nem laicos,

Veneradores e servis

D’olhar fixo na mão

Do Ínclito descobridor

Que após a destapadela

E continuando a função,

Deu a palavra ao Orador

Que também comia da GAMELA.

III

Senhor Ouvidor-Mor

Nascido de Virgem

Homem sério

Ilustre defensor

Da comunidade

Do Império

E do Português à letra

Etc., etc., etc.,

Estamos aqui

Irmanados…

(Alea jacta est! – ou como diria qualquer jogador de PORCA-PRENHA – os dados estão lançados!!

    REPÓRTER – nesta altura e por motivos alheios à vontade deles e dos quais deviam pedir desculpa, a aparelhagem de som HI-FI, avariou-se, o que foi aproveitado por um dos circunstantes, o Senhor PRESIDENTE  DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO de uma Companhia de Petróleos para verter águas. Utilizou para o caso o reverso do Monumento.)

IV

Ao ver tal ignomínia

Um tal Verana Du Bocage

Recém-chegado da Abissínia

Pediu uma pena de pato

Ao Prior do Crato

E com o sangue

Que lhe raiava os olhos

Escreveu:

Camões

Oh! grande Camões

Quão semelhante

Acho meu fado ao Teu!...

 

( quão=cão. É de recusar a hipótese posta por alguns filólogos, de que “quão” seria um aumentativo. )

V

Consternado

Virou-se p’ró outro lado (2)

E cara de chateado

O do anverso

E pediu desculpa ao Luiz Vaz

Em verso

VI

De coroa de louros

Olho vazado

E cara de chateado

Com tamanho sururú

Disse o Épico

Lá da lage

Bocage, Bocage,

Quem és tu?

 

   (REPORTER- O técnico de som, reparada que foi a avaria pôs à disposição do ORADOR o maior FUNIL DO MUNDO.

     LUSOPRESS – A resposta que o BARDO SADINO deu ao epopeico só foi ouvida por um play-boy internacional de nome ROMEIRO, que a revelou em exclusivo à nossa reportagem mas cujo conteúdo pode ser publicado por motivos de SEGURANÇA.)

VII

O Elmano sentiu

Que, de tal Orador

A Objurgatória

Lhe causava lassidão bovina

O que inexoravelmente

Lh’arrastaria a alma p’rá latrina

VIII

Ei-lo, homem de convicções

Em escapada aleatória

Pela escada da Glória (3)

Onde se vendiam melões

IX

Entrou na tasca da esquina

Onde havia um entremês

Pediu um copo à menina

Ela serviu um de três

X

Lá no fundo

Vindos dos confins do Mundo

Há turistas, madames, faquistas,

Boémios e artistas

Semi-bêbedos, com ar de sono

E uma mulher a cantar

O fado do Canto Nono.

XI

Nisto chega ao local

O Mostrengo, porco imundo,

Chamou de lado o poeta

Que respondeu iracundo

Aunque tu Bruto?

Mas o triste, de latim

Não via puto

Teve para com a Mãe do outro

Um pensamento fecundo

Na altura em que entrava

EL REI D. JOÃO II,

Mestre insigne

Em qualquer língua

Que tendo o dicionário à mão

Logo faz a tradução

XII

Cai o pano quando o decano

Do Corpo Diplomático acreditado

Espetou uma faca

No ventre do Elmano

O qual esvaindo-se em tinto

Chorou

Já Bocage não sou…

 

N.R. – Com esta convocatória pretende-se assinalar o seguinte:

            1º. -CAMÕES foi um grande VERANA

            2º. -BOCAGE também o foi

            3º. -ALGUNS nunca o poderão ser, por falta de SER.

Das considerações supra depreende-se que o NOSSO CONGRESSO vai ser feito em intenção ao grande “VAT”. (4)

 

$$$--Notas--$$$

(1)- Vulgo Tio Sam

(2)- Nada de politiquices!

(3) - Isso da GLÓRIA é outra história!!!

(4) –Tratando-se de whisky qualquer marca serve!



Ainda no âmbito da Verana, a certa altura, em retribuição a uma deslocação a Pinheiro de Ázere onde haviam sido muito bem recebidos, o Ciniro escreveu um Auto do Juiz da Terra, que representaram junto à capela da Breda, para receber os anteriores anfitriões, quando estes retribuíram a visita.


Auto do Juiz da Terra

de

Ciniro Ferreira Afonso

Representado á porta da Capela da Brêda

Junto  à Ponte do Rio Criz


 AUTO DO JUÍZ DA TERRA

 

 

Popular X                     

Não sei que mal se fêz

Nesta terra de bondade

Onde há um fideputa Juíz

Que não quer cá a electricidade

Popular Y                        

Sacador esquecido do pobre

Da alta burguesia adorado

Por desviar galináceos

Meu cumpadre Sarafim

Foi às galés condenado

 

Popular X                      

Homem de grã pilhagem

Vive de amores co’a Joana

Que é um castiçal de cana

E nada fez pela barragem

Popular Z                      

Quando lhe foram dizer

Que morrera uma mulher

A quem mandara bater

Só por esta não querer

Ser pra si uma qualquer

Soltou um riso alvar

Deu dois traques bem sonoros

E desatou a cantar

 

Popular Y                    

Nunca lavou o focinho

Odienta lhe é a água

Atascado sempre em vinho

Que raio de Juíz tem Mortágua

Popular X                     

Se Juíz aqui apanhara

Uma orelha lhe arrancara

 

Popular Y                    

O Zé Maria Pincel

Sapateiro de burel

A quem ferrou o calote

O pagamento lhe fez

Co’a ponta do chicote

Popular Z                     

Olhai!

Lá vem o senhor Juíz

Com a formosa senhora

Cuidando na tirania

Do pobre povo queixoso

E porque degeneroso

Desprezou os pequenos

Achar-se-á tanto menos

Quanto mais foi de guloso

Juíz                                  

De quem senhores falais?

A quem lançais tanta injúria

Porque estais com tanta léria

De mim não será por certo

Pois amigo sempre fui e sou da miséria

 

 

Popular Z                       10º

Que dizeis falso e ingrato

De mentiras és fabricante

Dos pulhas não tens igual

Que não és pocesso do mal

Afinal, quem nos garante?

Juíz                                 11º

Não se vos tolde a memória

De toda a minha inocência

Pois só por bem julguei

E por vos calardes fazei

Que se me esgota a paciência

Popular Y                       12º

Ah malvado que te dou!

Popular X                   13º

Esse cão danado

Vendido aos donos do povo

Mestre na ruindade e no roubo

Costumeiro nos bordéis

Tantas sacas d’ouro tem

Qu’inté lhe faltam cordéis

 

Popular W                      14º

E de presunto na salgadeira

Feijão e milho na tulha

E andam servos à bulha

Por lhes faltar trincadeira…

Popular Y                        15º

Vamos dar-lhe uma lição

Limpar do mundo o poltrão

Que mija e escarra p’ró chão

A tudo faz baixa mão

Matemos esse cabrão! 

Juíz                              16º

Fui ladrão, fui desonesto

Fui assassino funesto

Fui tão mau, tão desumano

Fui um terrível tirano

17º

Mas senhores atentai

Por alma do vosso pai

Escutai-me num instante

Vêde em mim um amigo

Pró futuro eu vos digo

E não somente um tratante.

18º

Distribuirei os meus ganhos

Brocados e pedrarias

Dar-vos-ei vinho e pão

Tereis em mim um irmão

Fazei-me de tal mercê

Popular Y                   19º

O quê?!!!

Ah grande mentiroso

Tão ladrão e tão manhoso

Mate-se como um cão raivoso !

Fim








***

Em 1967, regressou definitivamente a Mortágua iniciando um período mais recatado da sua vida, mas a juventude de Mortágua ganhou mais um companheiro, sempre disponível e bem disposto que nos ajudava a voar nas asas da fantasia, com as fantásticas histórias que nos contava das suas andanças.

Não deixava porém de assumir responsabilidades e participar nas actividades associativas do Concelho.

 

Em 13 de Abril de 1969 tomou posse como presidente da Direcção da Associação Humanitária do Bombeiros Voluntários de Mortágua.

A Defesa da Beira de 19 de Abril de 1969 dá a notícia:


***

Dedicou-se também às actividades culturais, nomeadamente integrando o  TEM – Teatro Experimental de Mortágua.

Ciniro Ferreira Afonso foi um dos impulsionadores do Teatro Experimental de Mortágua, participando como actor em várias peças.

Conseguimos reunir algumas fotografias dessas actuações:

A Sapateira Prodigiosa


Entre Giestas

Festim do Baltazar










***

Finalmente, a sua participação cívica e política. Militante, que sempre foi, do MDP (Movimento Democrático Português), foi um dos membros da Comissão Nacional do 3º Congresso da Oposição Democrática em 1973:


 

***

Em 2000, quando eram passados 15 anos sobre o seu falecimento, foi realizada uma homenagem nas instalações do Rancho de Vale de Açores, subordinada ao lema “Recordar o Ciniro “ que contou a participação de muitos amigos e antigos colegas, alguns dos quais se deslocaram de Coimbra, de  Lisboa e  de outras terras, algumas delas bem distantes.


Ficamos hoje  por aqui. Até sempre, amigo! 



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