terça-feira, 31 de agosto de 2021

 

Mudam-se os tempos…

Ainda mais se mudam as vontades!...


Se seguirmos a Rua do Matadouro, perpendicular à Rua Padre Moderno, deparamos com um edifício completamente degradado, há muito local de actividades pouco recomendáveis e centro de “arte urbana” de curta imaginação.

Quem olha para aquela ruína não imagina a pompa com que foi inaugurado aquele melhoramento. Assinale-se que, simultaneamente foi inaugurada a luz eléctrica na vila de Mortágua.



Tivemos acesso a um número do Jornal Beira-Dão que relata a festa realizada em Mortágua no dia 25 de Setembro de 1932. Vale a pena reproduzir a totalidade do artigo jornalístico que é bastante esclarecedor sobre algumas vontades da época.



Permitam-nos só que retiremos do texto do artigo um pequeno excerto que nos surpreendeu um pouco:

« … encerrando a série dos discursos um filho do sr. Martins e Abreu lendo uma breve alocução de seu pae de aplauso á obra da Câmara, e da Ditadura, feitas de justiça e fazendo votos porque terminassem todos os dissídios entre os filhos de Mortágua e entre todos os portugueses.»

Não imaginávamos ver Martins e Abreu e o Dr. Augusto Gouveia do mesmo lado da barricada. Ingenuidade a nossa…





Martins e Abreu



 

Basílio Lopes PereiraFinal

Em Junho de 1942, regressado do Tarrafal, é libertado.

Inicia assim uma nova fase da sua vida.

Instala-se como advogado em Barcelos, continuando a ser vigiado pela polícia política.

Em 1945 casa com Delfina Cerqueira Machado da Cruz, irmã do seu velho companheiro de muitas lutas, capitão Nuno Cruz, falecido em Madrid em 1934.

Nesse mesmo ano aderiu ao MUD, Movimento de Unidade Democrática, que se formou a 8 de Outubro de 1945, com autorização do Governo. O MUD foi criado com o objectivo de reorganizar a oposição, debater publicamente a questão eleitoral e preparar eleições.

Este movimento despertou grande adesão de intelectuais, profissões liberais e população em geral, tornando-se uma potencial ameaça ao regime.

A pretexto das suas ligações ao PCP, o movimento foi ilegalizado, logo em 1946. Manteria no entanto actividade até ao apoio da candidatura de Norton de Matos à presidência da República

 
Cartaz do MUD

Em 1948  Basílio Lopes Pereira apoiou a candidatura do general Norton de Matos à Presidência da República. Participou em sessões públicas em S. João da Madeira, Estarreja, Ponte de Lima e Viana do Castelo.


No dia 6 de Fevereiro de 1949 num comício  na cidade de Viana do Castelo, com a participação de todos os concelhos, Basílio Lopes Pereira apresentou uma moção  que foi aprovada por aclamação.

MOÇÃO

Considerando que a democracia, com liberdade de expressão e consequente direito de livre crítica, é ainda a melhor garantia para a paz da sociedade portuguesa e para ao socêgo da família;

Considerando que é evidente que o povo português está, na sua grande maioria, com S. Exa.o Sr. General Norton de Matos e com o seu programa de liberdade e democracia, expresso no seu manifesto de 9 de Julho de 1949 – “À Nação” ;

Considerando que a nenhum português  servirá lançar a nossa querida pátria em desespero por nem se poder confiar nas leis do próprio estado-polícia que oprime a Nação há 22 anos;

Considerando mais o significado profundo da cordura e serenidade impressionantes que tem havido por parte de todos os que confiam no valor, na energia, no prestígio e na honra de S. Exa. o Sr. General Norton de Matos – atitude que é o nosso belo, nobre e legítimo orgulho;

O povo republicano do districto de Viana do Castelo, reunido em comício público, e seguramente todo o povo republicano de Portugal de aquém e de além mar, pede licença a S. Exa. o Sr. Presidente do Ministério para lhe sugerir a imperativa e urgente necessidade de:

1º) Adiar as eleições marcadas para o próximo dia 13 e mandar já fazer um recenseamento eleitoral são;

2º) E, entretanto, aconselhar honradamente S Exa. o Sr. Marechal Carmona a que mande delegados seus entenderem-se com S. Exa. o Sr. General Norton de Matos  com o fim de se constituir um governo que mereça a confiança  de ambas as partes em litígio e que dê garantia de manter a verdadeira ordem e a indispensável imparcialidade para presidir ao acto eleiroral.

Finalmente o povo republicano apela para o patriotismo do Sr. Presidente do Ministério no sentido de que promova uma relação incruenta para este pleito que interessa à Nação inteira, à pacificação da família portuguesa e ao futuro de nossos filhos.

        Viana do Castelo, 6 de Fevereiro de 1949

         (as.) António de Castro

                Rodrigo de Abreu

                 Basílio Lopes Pereira

 

Em Mortágua também a situação política se agita. Basílio Lopes Pereira não participa directamente, mas não deixa de transmitir o seu apoio, enviando um telegrama de solidariedade, justificando a sua ausência.

 A Defesa da Beira,  de 6 de Fevereiro de 1949 faz um relato pormenorizado da sessão de propaganda eleitoral em Mortágua:

“O actual momento político

As eleições estão à porta.

A propaganda eleitoral a favor das candidaturas dos srs. Marechal Carmona, candidato da União Nacional e General Norton de Matos, candidato da oposição, à presidência da República, tem sido intensíssima nos dois sectores da vida política.

A luta continua acesa nos dois campos diametralmente opostos, até à vitoria final. Por todo o país se têm realizado sessões de propaganda  a favor de cada um dos ilustres candidatos.

Chegou também a vez a Mortágua de se manifestar acerca desse momento político da vida nacional.

Promovida pela Comissão concelhia de propaganda da candidatura do General sr. Norton de Matos, a qual, como dissemos é constituída pelos srs. : Abel de Oliveira, Anacleto Fernandes, dr. António Ferreira Gonçalves, Augusto de Morais Lobo, José Ferreira de Gouveia, Dr. Manuel Afonso e Tomaz da Fonseca, promoveu, também, como noticiamos no último número, uma dessas sessões de propaganda, que se realizou na tarde do último domingo, no Teatro Clube desta vila. Sala completamente cheia, notando-se a presença de algumas senhoras.

Representava a autoridade o ilustre presidente do Município, Sr. José Abreu.

A mesa constitui-se sob a presidência do sr. Tomaz da Fonseca, em substituição do ilustre democrata viseense, sr. dr. Bernardo Pais de Almeida, que o seu precário estado de saúde não permitiu que comparecesse.

É dada em primeiro lugar a palavra ao ilustre advogado de Viseu, sr. dr. Álvaro Monteiro, que a assistência acolheu com uma estridente salva de palmas.

O dr. Álvaro Monteiro, que no foro marca um papel preponderante, proferiu um brilhante discurso cheio de arrebatamento e cheio de conceitos e argumentos que não podem ser rebatidos.

Terminou por dizer que a oposição está tão unida e forte que vencerá as eleições.

O sr. dr. Vítor Hugo, que a seguir usa da palavra, profere, também, um discurso arrebatador, vibrante de entusiasmo e de confiança na vitória da Democracia, terminando por dizer:

- Nós venceremos porque somos mais e somos melhores.

Fala em seguida o dr. Mário Gomes da Silva, orador fluente e arrebatador.

Nas suas afirmações acerca do estado de decadência em que se encontra a povoação onde, pelo matrimónio, é forçado a permanecer por vezes, sofreu um aparte do ilustre representante da autoridade que ele rebateu de modo a receber da assistência uma estridente salva de palmas.

Falou ainda o capitão sr. António Correia, também de Viseu, que liga à palavra Mortágua, a palavra República. Fala em Lopes de Oliveira, nome que foi acolhido com verdadeiro entusiasmo pela assistência. Espraia-se em considerações apesar do seu bem manifesto precário estado de saúde.

O tenente sr. Anastácio José dos Santos, ainda de Viseu, é portador de alguns documentos muito curiosos, cuja doutrina nos mesmos expandida escalpela com aquela graça e chiste que são seu apanágio.

Nesta altura foi lida pelo membro da Comissão, sr. Augusto Lobo, uma carta do sr. dr. Bazílio Lopes Pereira, alegando a sua falta àquela sessão por motivo de, na mesma cruzada, se encontrar em Ponte de Lima, terra do candidato, sr. Norton de Matos.

A assembleia manifestou-se numa saudação à família Lopes Pereira.

Tomaz da Fonseca levanta-se para falar, sendo substituído na presidência da Mesa, pelo sr. dr. Álvaro Monteiro. Faz várias considerações acerca do Estado Novo e cita um caso interessante passado numa carruagem do caminho de ferro, no seu recente regresso de Lisboa, entre alguns passageiros.

Refere-se a algumas passagens da sua vida política, inclusivamente àquela em que, com outros correligionários seus, foi levado à Penitenciária e mais tarde ao Aljube, como criminoso político.

Refere-se ao que, antes do 28 de Maio, o concelho havia sido dotado, citando para isso vários números do antigo semanário «Sul da Beira», que são o verdadeiro testemunho do que havia sido feito.

Por fim, o sr. dr. António Lopes Araújo, da Marmeleira, lê um vasto trabalho seu sobre estatísticas, preços antigos e preços actuais, etc., que elucidaram a assistência sobre o aumento de preços que têm sofrido todos os géneros.

A sessão foi encerrada com a leitura, pelo sr. Augusto Lobo, da seguinte

Moção :

«Os democratas e liberais do concelho de Mortágua, reunidos em sessão pública de propaganda da candidatura do sr. General Norton de Matos, manifestando a sua profunda fé nos destinos da República e na Democracia e interpretando os sentimentos da população do concelho, saúdam o sr. General Norton de Matos, afirmando-lhe a sua plena solidariedade até à vitória final.

Convidam o povo deste concelho a unir-se à voltado candidato da oposição, afim de reconquistar as liberdades perdidas e o prestígio que é devido a Portugal independente, e apoia, por digno.»”

A campanha conseguiu grandes apoios a nível nacional, em particular no Porto onde chegou a realizar comícios com cerca de cem mil pessoas.

Mas teve de enfrentar todo tipo de contrariedades e entraves á sua campanha, desde proibições a prisões, sabotagens, etc.

A propaganda do regime explorou intensamente as sua relações anteriores com a República e a Maçonaria e o perigo da sua aliança com os comunistas, podendo resultar  no caos político e social, no anticlericalismo, e mesmo na possibilidade de se concretizar a “ameaça vermelha”.  A campanha do regime teve alguma repercussão, tendo chegado a levar Norton de Matos a pensar fazer uma declaração pública demarcando-se dos comunistas, no que foi travado pelas estruturas  da candidatura.

Entretanto, não foram criadas as condições para que o processo eleitoral decorresse com seriedade. Dentro das estruturas da candidatura estremaram-se as posições entre os que propunham a desistência, para não legitimar uma farsa eleitoral (comunistas), e os que defendiam a continuidade até às eleições, para depois denunciarem o “roubo eleitoral” (sector liberal).

A 7 de Fevereiro (seis dias antes das eleições), foi decidida a desistência numa reunião de delegados, contra a vontade do general Norton de Matos

 

Em 24 de Novembro de 1949  é preso por “crimes contra a segurança do Estado”, mas foi solto 2 dias depois por terem prescrito os crimes que lhe imputavam.



Em 1951 apoiou a candidatura à Presidência da República do almirante Quintão Meireles, um anterior apoiante da ditadura. O candidato veio a  desistir, por considerar que não concorria em condições de igualdade.

Pouco tempo antes, um  outro candidato, apoiado pelo Movimento Nacional Democrático, o Professor Ruy Luis Gomes tinha sido interditado pelo Governo.

Pela carta de Quintão Meireles dirigida a Craveiro Lopes é fácil perceber que não se tratava de uma candidatura de verdadeira oposição, mas de uma opção dentro da situação :

…. Não se trata, por outro lado, duma contenda entre partidários e adversários da actual situação política. O que explica o aparecimento das nossas duas candidaturas é a existência, dentro do situacionismo, de duas correntes de opinião – a dos homens que fizeram o «28 de Maio» com o objectivo de destruir o monopólio do Poder por um Partido Único, de tornar eficiente e moral a actividade governativa e de elevar o baixo nível material e espiritual da vida portuguesa, e a dos homens que, aproveitando-se da isenção dos primeiros, se alcandoraram no Poder e acabaram por deturpar e mesmo inverter as intenções iniciais do «28 de Maio»

….Tendo em vista o exposto, a eleição presidencial representará o acto político que há-de permitir verificar qual das duas orientações do situacionismo pode e deve triunfar, e qual dos dois tipos de Unidade Nacional se pretende atingir nesta época caótica da vida universal.

As relações de Basílio Lopes Pereira  com os comunistas, se eram desde sempre complexas, a partir da sua passagem pelo Tarrafal passaram a ser de confronto crescente, aliás à semelhança de Norton de Matos, seu anterior Grão Mestre na Maçonaria e mentor ideológico. É possível estabelecer um paralelo entre as posições defendidas por ambos ao longo do tempo.

 

Norton de Matos chegou a escrever que o capitalismo era um verdadeiro cancro social, pior que o comunismo: Os comunistas, desde que deixem de ser ateus e fujam do capitalismo de Estado, serão recebidos pela Europa cristã de braços abertos.

Alexandre Babo que conviveu bastante com Basílio Lopes Pereira sobre ele escreveu no livro Recordações de um Caminheiro; I -Entre duas guerras:

“Nessa altura não era anti-comunista, até afirmava alto e bom som que o homem que mais adorava era o Lenine, e via a Revolução russa como a maior vitória do homem até então, estava ao lado dos republicanos espanhóis, mesmo os mais à esquerda…”

A conflitualidade crescente de ambos em relação aos comunistas atingiu o seu auge nas eleições para a Assembleia Nacional de 1953.

Basílio Lopes Pereira foi candidato da Oposição à Assembleia Nacional pelo círculo de Aveiro.

A lista era constituída por Manuel Luís da Costa Figueiredo; Alberto Ferreira Vidal; Manuel Martins das Neves; Basílio Lopes Pereira; Alcides Strecht Monteiro e Virgílio Pereira da Silva

 

O  Movimento Nacional Democrático (MND) de que participavam os comunistas defendia a abstenção, considerando que participar na eleição era colaborar com o regime.

 

No dia 9 de Outubro 1953, o MND publica um comunicado afirmando que «não estão satisfeitas as condições mínimas (recenseamento honesto, liberdade de propaganda, fiscalização do acto eleitoral) que justifiquem concorrer ao acto eleitoral ».

«..sente-se no dever de proclamar publicamente o seguinte:

a)  a Oposição Democrática não apresenta quaisquer candidaturas;

b)   a apresentação de candidaturas, nas actuais condições, mesmo que não provenham directamente da União Nacional, é um acto de colaboração com o actual regime e de abdicação relativamente às reivindicações da Oposição Democrática portuguesa, sempre formuladas desde 1945».

 

Os candidatos republicanos de Lisboa respondem que o MND é uma pequena minoria dissidente, que acusam de  «lançar a perturbação no eleitorado oposicionista».

 

 Norton de Matos, em Agosto de 1953, discursando em Aveiro afirma:

 o meu primeiro apelo será para que se combata o comunismo.

Quando foi da minha Candidatura e nos últimos tempos dela, quando indeciso, estava pesando os motivos de uma desistência ou de uma ida às urnas, alguém me perguntou o que faria eu no caso de ser eleito, em relação aos comunistas. Respondi que diligenciaria levar o Executivo a fazer-lhes a maior das oposições: -na Metrópole sem quaisquer violências, mas pela maior propaganda e a melhor organizada possível, ainda que para isso tivesse o Estado de gastar avultada quantia: no Ultramar por meio de uma lei que não permitisse que qualquer comunista se conservasse naquela parte dos territórios portugueses e que fossem mandados todos eles regressar à Metrópole para ouvirem a propaganda que contra eles estavam fazendo os brancos metropolitanos e para publicamente dizerem da sua razão. De modo algum, se pode consentir a propaganda comunista feita a pretos de civilização primitiva, que em consequência dela serão levados a uma única conclusão – a da necessidade de eliminar todos os brancos.”

(MATOS, Norton: Conferência em Aveiro. Edição dos candidatos democratas por Aveiro. Aveiro, 1953)

Basílio Lopes Pereira publica no jornal República de 18 de Outubro de 1953,  um «Comunicado da Oposição Republicana de Aveiro» , em que  acusa o MND de «não ser nacional nem democrático» e afirma que o comunicado do MND não passa de «uma farsa ignóbil e uma ofensa à inteligência dos portugueses». Afirma que o MND «não é nacional porque não visa os interesses nacionais dos portugueses. Visa simplesmente servir a causa do alargamento do imperialismo russo [...], é apenas mais uma nova alcunha dos chamados comunistas. Melhor lhe chamaríamos soviéticos».

Acrescenta que os ataques do MND ao general Norton de Matos se devem a que «... em 20 de Maio último, a Sr.a Eng.a D. Virgínia Moura pediu ao Sr. General Norton de Matos, numa carta, que a recebesse para trocarem impressões sobre estas eleições. O Sr. General, em carta datada do dia 22 a seguir, respondeu-lhe que não podia realizar, com ela, a entrevista que esta solicitava, acrescentando, textualmente, ‘tomei esta resolução por considerar o comunismo como inteiramente oposto à segurança, progresso e prestígio de Portugal’.»

Assim permaneceram, em total consonância, até ao falecimento de Norton de Matos em 2 de Janeiro de 1955.


Em 1956, faleceu a sua mãe de Basílio e na notícia publicada pelo jornal Républica no dia 14 de Junho, o correspondente que se identificava com “C.”  dizia que se tinha realizado o funeral em “Vila da Irmânia, Marmeleira, deste concelho”. A campanha pela adopção do nome, persistia.


Basílio Lopes Pereira faleceu na freguesia de São Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa a 25 de Maio de 1959. Foi a enterrar no cemitério da Marmeleira. O seu funeral foi vigiado por agentes da PIDE que elaboraram um relato das pessoas presentes, entre elas Carlos Cal Brandão, Vasco da Gama Fernandes, Mário Gomes da Silva, Tomás da Fonseca, e muitos outras personalidades conhecidas que quiseram marcar a sua presença


segunda-feira, 30 de agosto de 2021

 

Voltando à questão do padrinho de Lopes d’Oliveira

 

Há algum tempo demonstrei neste blog que eram erradas as afirmações feitas em muitas publicações, algumas com responsabilidades inerentes à sua condição, referentes ao padrinho de José Lopes de Oliveira. Utilizei para isso declarações feitas pelo próprio em artigos publicados no jornal Defesa da Beira.

Hoje volto ao assunto porque tive acesso ao assento de baptismo de José Lopes de Oliveira que confirma quem eram o seu padrinho e a sua madrinha. Para além disso informa-nos que a sua data de nascimento é 27 de Dezembro de 1881, e não 25 de Dezembro, como vem referido em muitas publicações.

Passemos à reprodução do documento, que transcrevemos para letra de imprensa para mais fácil leitura.


Neste livro, que numero e rubrico se devem lançar os assentos dos Baptismos que se fizerem na freguesia de Mortagua no futuro anno de 1882. Couto do Mosteiro, 24 de Dezembro de 1881 e um.

O Arcipreste Joaquim Ferreira de Mattos



Examinando e conferindo estes assentos, e não encontrando nelles falta que altere a essencia da lei, aprovo-os. Ventosa do Bairro, 15 de Janeiro de 1883

O Arcipreste Jose Maria da Conceição Leite


O Arquivo Distrital de Viseu dá-nos alguma informação adicional sobre o padrinho:


2.º Ofício Notarial de Mortágua

José Martins Pereira (escrivão e tabelião do Juízo ordinário do Julgado de Mortágua, na Comarca de Stª Comba Dão, carta de 1854-02-13 - 1854-02-13, Registo Geral de Mercês, D. Pedro V, liv.4, fl.24v).






O que condiz com as informações que nos dá Lopes de Oliveira num artigo intitulado Mortágua dos tempos idos -3, publicado a 7 de Dezembro de 1958 no jornal Defesa da Beira, em que descreve os moradores da vila de Mortágua por volta de 1890:

José Martins Pereira, tabelião e escrivão do Julgado, solteiro, que vivia com seu irmão, o velho marinheiro, com sua criada Constança e um sobrinho desta, que tinha então oito anos, o mesmo que é agora o nosso octogenário informador…



Da madrinha Constança Maria, nada mais encontramos para além da notícia do seu falecimento em 1930:





Da mãe de Lopes de Oliveira, e minha bisavó, Maria Adelaide Oliveira deixo aqui a fotografia que tirou no Brasil, quando esteve com as filhas. 





De João Lopes, não conheço fotografias e só o imagino pela descrição de Lopes de Oliveira no início do livro Rema Sempre


Rema Sempre, era o seu lema de vida.


 

segunda-feira, 23 de agosto de 2021

 

Mosteiro de Tresói

Deixamos aqui a transcrição de um texto referente à origem da povoação de Tresói, que consta do livro Jardim de Portugal, publicado em 1626. Tentamos manter o texto original, procurando que seja compreensível.

JARDIM DE PORTUGAL
Em que se dá notícia de algumas Santas, e outras mulheres ilustres em virtude, as quais nasceram, ou viveram, ou estão sepultadas neste Reino, e suas conquistas.

Recompilado novamente de vários, e graves autores, pelo Padre Doutor Frei Luís dos Anjos Religioso, e Cronista da Ordem de nosso Padre Santo Agostinho, natural da Cidade do Porto.

Contém boa lição para mulheres, exemplos para Pregadores, motivos para devotos, e para os amigos de histórias muito antigas e modernas.

Nicolao Carvalho, impressor d’el Rei. Coimbra, 1626

(Pg 155- 158)

58- Dona Sancha Virgem, pertence a Coimbra

Foi filha do Conde Dom Reimão de borgonha, 6a de sua mulher Dona Urraca, os quais governaram este Reino de Portugal, antes de ser dado ao Conde dom Henrique, pai d’el-rei Dom Afonso Henriques: como logo constar ade uma doação que fizeram á Sé de Coimbra.

Fazem menção desta mui ilustre serva de Deus certas memórias do real mosteiro de santa Cruz da mesma cidade, nesta forma: Dona Urraca foi casada com o Conde Dom Romão e houveram uma filha por nome Dona Sancha, a qual amando a virgindade nunca quis casar, e foi-se a Jerusalém em Romaria, e estando no hospital do templo, servindo os pobres com caridade, o Senhor lhe quis fazer tão alta mercê, que lhe deu fogo novo em sua lâmpada, em dia do Espírito Santo, e ficou alumiada pelas mão dos anjos. É necessário para maior declaração deste milagre, saber que os Cristãos em Jerusalém celebravam a mercê que nosso Senhor lhes tinha feito do sacramento do Batismo, que nos tempos antigos não se dava solene e geralmente, senão na véspera de Páscoa, e do Pentecostes; e assim eram estas vigílias muito solenizadas com lumes  significadores do lume da fé que recebemos pelo Batismo: por  esta  devoção vinham muitos com suas lâmpadas ou círios à igreja, onde se faziam ordinariamente  pregações em louvor do santo batismo, das quais estão algumas entre as de São Cirilo Jerosolimitano, e são chamadas dos santos lumes, e o mesmo titulo tem a que é trinta e nove  entre as de São Gregório Nazianzeno; não por respeito do batismo de Cristo senhor nosso, que se celebrava também com lumes, o que nota Baronio no Martirológio Romano, nem por respeito da festa de Nossa Senhora das Candeias, o que disse Bilio nas notas a São Gregório Naziazeno; senão por respeito dos lumes, com que os fiéis celebram o benefício do batismo, que nosso Senhor lhes fez nesta vida, como se colhe em algum modo das mesmas homilias, e claramente o escreve Dom José Vicente no livro que fez das cerimónias do batismo: esta devoção de celebrar um Cristão o dia do seu nascimento na igreja, é de grande mérito diante de Deus, que a confirmou com este notável milagre de se acender a lâmpada por ministério dos anjos enterrassem a virgem Dona Sancha, que contamos entre as nossas Portuguesas; por quanto seu pai, e mãe governaram nosso Portugal, e é muito possível, que a houvessem e criassem em Coimbra, onde achamos memória dela, e como deram à santa Sé da mesma cidade aquela doação da Vacariça, sendo Bispo Dom Crescónio, a qual está no arquivo da mesma Sé, com estas palavras: Em tempo deste Prelado governou o Reino de Portugal Dom Reimão Conde de Borgonha, irmão de Guido Arcebispo de Viena, que depois foi Arcebispo de Compostela, e Papa chamado Calisto, e com ele casou el Rei dom Afonso sua filha primogénita herdeira dos Reinos de Castela, e lhe deu o governo dos Reinos de Portugal, e Galiza, que teve muitos anos, o qual no tempo deste prelado Dom Crescónio, fez a doação à Sé de um Mosteiro de Frades que estava na Vacariça, da invocação de São Salvador, e São Vicente, e seus sócios Mártires, o qual tinha muitas igrejas, e outros mosteiros sufragâneos que estavam debaixo da sua obediência, como era um Mosteiro em Trasoy, e o Mosteiro de Lamedo, outro em Soule, e outro em Roças, outro em Leça, outro em Sever, da invocação de Santo André: e destes Mosteiros agora não há nenhuma memória. Era também deste Mosteiro da Vacariça a igreja de São Salvador desta cidade: tinha muitas vilas, e lugares muito ricos, como eram a vila de Monsarros, em que estava a igreja de São Cucufate, Sangalhos, Barrô, Morangos, Tamengos, Arsa, Aguira, Ventosa, Antes, Alfafar, Murtede, Freixenedo, Vimieira, Canelas, Luso, Castelãos, Ílhavo, e Recardães, Nespereira, Carvalhais, Seixazelo, Negrelos, Tarouquela, Ferariolos, Vilacide, Quintanela, salgueiro, Ricaredo, Crestelo, Aveiro: e no Bispado do Porto tinha a vila de Vilpilhares, Vilacide junto das terras de Santa Maria, os Casais, e terras de Sever, as vilas de Pedroso e Escapães, e a vila de Leça com sua foz. Eis aqui quão rico era antigamente o Mosteiro da Vacariça, de que fiz tão grande menção por duas causas, a principal porque a deu à Sé de Coimbra o pai da virgem Dona Sancha tão amiga dos pobres, que os foi servir ao hospital de Jerusalém, e tão excelente na fé, que viu milagrosamente acesa a lâmpada, com que a testificou entre muitos outros fiéis. A outra, por quanto agora este Mosteiro da Vacariça é um Priorado muito nobre, o qual pertence a este Real Colégio de Nossa Senhora da Graça de Coimbra, por benefício di ilustríssimo Bispo dela Dom João Soarez Religioso daa Ordem de nosso Padre Santo Agostinho, que no-lo deu com algumas obrigações, e neste mesmo Colégio fiz este jardim, para glória de Deus nosso senhor, que seja sempre louvado. Amen

sábado, 21 de agosto de 2021

 Basílio Lopes Pereira - 3ª parte

 

O ano de 1927 pode ser considerado o ano de transição para uma nova fase da vida de Basílio Lopes Pereira, que consideramos a mais aventurosa.

Aumenta desde logo a sua actividade maçónica  e é encarregado de dinamizar a fundação de várias novas lojas, geralmente com ligação a elementos que passaram por Coimbra como estudantes, alguns já iniciados em Coimbra na Loja “A Revolta”. As novas Lojas todas começavam a sua designação por R.

É assim que em 1928 funda em Lisboa a Loja República, e no ano de 1929 a Loja Rebeldia.

Mantém entretanto uma forte ligação ao grupo oposicionista designado pelos outros sectores da oposição por Budas, ligado a Bernardino Machado, Afonso Costa , José Domingos dos Santos, Jaime de Morais, Moura Pinto, Jaime Cortesão e o capitão Nuno Cruz, um amigo desde o tempo de estudante, em que passava férias na Marmeleira e escrevia no “Sol Nascente”. Este herói do Corpo Expedicionário Português, inicialmente apoiou a instauração da ditadura mas veio a tornar-se um dos seus opositores mais combativos entre os militares.

Em 25 de Abril de 1930, Basílio é preso no Porto pela Polícia de Informações, entretanto criada, acusado de ser o elemento de ligação entre os revolucionários de Coimbra, Porto, Aveiro e Viseu. Na sequência dessa prisão, em Julho de 1930 foi-lhe fixada residência fixa em Ponta Delgada.

Aí reata a sua ligação à maçonaria local, ascendendo ao grau de Cavaleiro Rosa Cruz do Rito Francês  em Fevereiro de 1931.

No dia 23 desse mesmo mês é decretado o divórcio de Hélia Ângela, por mútuo acordo, pela 2ª Vara Cível da Comarca do Porto.

Tinha entretanto surgido em Fevereiro um movimento de contestação na Madeira conhecido por revolta da farinha, que culminou numa verdadeira Revolta que se inicia a 4 de Abril de 1931. Em 7 de Abril desencadeia-se um pronunciamento em Angra do Heroísmo, que no dia seguinte se estendeu a Ponta Delgada e à Praia da Vitória, e à Graciosa no dia 10. Em 17 de Abril a insurreição chegou à Guiné.

Saliente-se que no dia 14 de Abril foi proclamada a república em Espanha, o que de algum modo contribuía para o ambiente insurrecional.

Com residência fixa em Ponta Delgada, onde exercia advogacia, Basílio Lopes Pereira logo se integrou no movimento  e foi nomeado Governador Civil  pelos revoltosos, e simultaneamente assumiu a direcção do jornal Correio dos Açores.

As forças do regime  responderam com o envio de forças militares que abafaram a insurreição na Madeira e a Junta Revolucionária  rendeu-se sem condições a 2 de Maio, sendo presos os seus chefes e elementos mais destacados.

Derrotada a revolta, Basílio conseguiu evadir-se e foi juntar-se ao grupo dos Budas em Espanha.

 Pouco tempo depois regressou a Portugal para preparar nova tentativa revolucionária, que viria a concretizar 26 de Agosto de 1931. Esta seria a tentativa derradeira de tomar o poder por meios revolucionários, até à queda da ditadura.

Ocorre no meio de grande discórdia dos meios da oposição, quanto à oportunidade, e grande desconfiança entre eles. A esquerda republicana, os militares radicais e alguma intelectualidade ligada ao grupo da Seara Nova foram os apoiantes da insurreição. Os efectivos militares que se insurgiram eram em número reduzido e foram rapidamente neutralizados.

 Na sequência desta tentativa, o conselho de Ministros afastou todos os funcionários do estado aderentes, reforçou  a censura à imprensa  e a actividade da Polícia Internacional Portuguesa.

Além dos 40 mortos e 200 feridos, foram presas cerca de 600 pessoas, a maior parte dos quais foi embarcada no navio Pedro Gomes e deportado para Timor, sem qualquer julgamento.

 

Basílio Lopes Pereira é preso em Lisboa em Novembro de 1931.

Em Dezembro beneficia de uma amnistia (decreto nº 21943 de 5/12/1932) e é libertado.

Entretanto continua a sua actividade na  organização da Maçonaria  e em 1932, fundou a Loja Revolução em Arganil e a Loja Revoltando, em Almada. No ano seguinte funda a Loja Revoltar, na Maia.

Em 11 de Março de 1933 é preso acusado de “manejos revolucionários”. Viria a ser libertado a 30 de Março, por falta de provas. Nessa data passou à clandestinidade.

Em Setembro de 1934, foi processado sob a acusação de fazer parte de uma organização revolucionária que actuava no norte do país.

Em 1935  continuava a sua actividade maçónica clandestina ao mesmo tempo que liderava uma organização que ele próprio criara – a Acção Anticlerical e Antifascista, na qual tentava enquadrar a juventude, que ele achava ser necessário desviar da influência dos comunistas, que nessa altura tinham ganho alguma implantação.

O seu empenhamento em preparativos revolucionários relacionados com o grupo dos Budas, e a iniciativa de criar e promover a Aliança Anticlerical e Antifascista (AAA), levaram a que fosse acusado de descurar as tarefas maçónicas.

Num relatório interno foi acusado de afirmar que a Maçonaria não fazia nada, quando não conseguia contribuições que pretendia para a compra de armamento para a acção revolucionária.

Nessa altura tinha-se constituído uma Frente Popular á qual pertenciam o PCP, a Maçonaria, a Acção Anticlerical e Antifascista (AAA), a Aliança Republicana, o Partido Socialista, o Bloco Académico Anti-Fascista (BAAF), a Federação das Juventudes Comunistas, o Socorro Vermelho Internacional e a Comissão Intersindical. A frente era dirigida por um Comité  Nacional  de que Basílio fazia parte.

Basílio Lopes Pereira era de opinião que estavam criadas as condições para o sucesso de um golpe militar e nesse sentido convence Jaime Morais, que estava em Espanha, a vir a Portugal verificar essas condições.

Jaime Morais acabaria por vir a Portugal acompanhado de uma figura extraordinária a quem posteriormente dedicaremos uma publicação – José Maria Ferreira, “o Silva da Madeira”.

Nessa altura existia uma casa na Rua do Zaire onde vivia um grupo de jovens, entre os quais Orlando Juncal e Alexandre Babo e que servia de casa de apoio da AAA.

Alexandre Babo, que esteve ligado à maçonaria e à AAA, deixou-nos um depoimento muito circunstanciado sobre Basílio Lopes Pereira no seu livro  RECORDAÇÕES DE UM CAMINHEIRO, I -Entre duas guerras, que transcrevo parcialmente:

“A nossa casa na Rua do Zaire ia-se animando inteiramente e o espaço vital diminuía cada vez mais. O Dr. Basílio Lopes Pereira passava ali algumas temporadas, vários outros fugidos à polícia lá encontravam asilo. Vinha gente de Trás-os-Montes, das Beiras, do Algarve, ficavam uns dias até arranjar local mais amplo e mais seguro.

Ainda não me referi ao Dr. Basílio Lopes Pereira, uma figura que, mais tarde, se tornou polémica e de tal modo modificada que alguns de nós cortamos relações com ele, mas que nessa altura foi para todos um homem estranho, contraditório, mas fascinante.

Era natural de Mortágua, formado em Direito, de família aristocrata1  e casado com uma senhora da aristocracia rural da região, estava condenado a onze ou doze anos de cadeia, havia sido preso várias vezes e tinha conseguido fugir.

Naquela altura, mesmo que decidisse abandonar a actividade política clandestina, tal lhe não seria possível, salvo optando pela prisão ou pelo exílio, duas coisas que ele odiava profundamente.

Portanto, ligado à Maçonaria, um dos grandes dinamizadores  dos AAA, pertencente ao grupo do Nuno Cruz, exercia uma actividade revolucionária intensa e a sua maior esperança residia , nos jovens que ele queria orientar ideologicamente e preparar para a República que idealizara e a que se aliara.

Um homem forte, desprendido com o vestuário, desmazelado consigo próprio – quantas vezes dias seguidos com a barba por fazer, o fato coçado e pouco limpo, um chapéu sebento que usava de qualquer maneira, às vezes por distracção posto ao contrário.

Tinha uma cabeça leonina, uma cabeleira grisalha ampla, a palavra fácil, clara, e a frase recheada de imagens cheias de humor e até brilhantes. Casmurro, nunca cedendo numa discussão, convencido da sua verdade e consciente também do sacrifício que fazia e da coragem com que lutava.

No entanto, nós todos, apesar de não muito preparados, salvo os casos de Marinho Dias e Sílvio Guimarães, dávamos conta da sua grande fragilidade política, da sua ignorância em relação  a muitos dos mais simples problemas do nosso tempo, com uma preparação literária e humanística que ia muito perto, muito mais perto que qualquer de nós, com soluções simplistas que nos faziam rir e que, para mais, agia dentro de uma desorganização mental e executiva de pôr os cabelos em pé.

Mas era inteligente, brilhante, mesmo quando dizia barbaridades, tinha um bom coração, e aquele grão de loucura que sempre entusiasma a juventude, mesmo a que pretende ser lúcida, serena, fria e racional.

E era por isso que o aceitávamos e às suas aventuras e pequenas loucuras que, diga-se a verdade, estiveram perto de quase nos liquidar, no mais concreto e verdadeiro sentido.

Tenho a certeza de que, à força de viver aquela vida de judeu errante no seu próprio país, acabara por se esquecer que andava fugido. Quantas vezes passeamos juntos na baixa, em pleno Rossio, embora na parte central, sem o menor cuidado.

…….

Estava na sapataria de uns amigos na rua de Santa Justa, perorando como sempre, não só com a voz mas também com as mãos, quando entraram suavemente dois cavalheiros, de ar seráfico, que se dirigiram polidamente e lhe perguntaram: - É o Dr. Basílio Lopes Pereira?

Ele, com o melhor dos sorrisos respondeu: - Sou. O que desejam? – Somos da polícia. E mostraram os cartões respectivos. 

Politicamente era um liberal, vagamente jacobino, anti-clerical ferrenho, mas com um certo respeito por um enigmático Criador, acreditava na boa vontade entre os homens, desconhecendo a luta de classes, advogava o regresso à terra e não sei se à indústria caseira, mas suponho que era a liberdade individual o seu grande lema, mas não há dúvida que se mandasse, imporia aos outros a sua vontade, embora tudo isso não fosse nada consciencializado.

Nessa altura não era anti-comunista, até afirmava alto e bom som que o homem que mais adorava era o Lenine, e via a Revolução russa como a maior vitória do homem até então, estava ao lado dos republicanos espanhóis, mesmo os mais á esquerda, mas internamente, embora não o afirmasse muito, até porque sabia das nossas inclinações, pelo menos de muitos de nós, na prática nacional, não conseguia entender os comunistas.

Contava-nos histórias verdadeiras e algo malucas, Por exemplo, uma vez tinha sido preso e levado para António Maria Cardoso e pesava-lhe no bolso um papel com umas dezenas de nomes e moradas de pessoas ligadas a uma daquelas habituais revoluções. Calcule-se a sua aflição, Era impossível comer um papel tão grande. Enquanto esperava, decidiu observar os agentes que ali estavam e viu um que se convenceu ter uns restos de sentimentos humanos. Pegou no papel, bem embrulhadinho, chegou-se ao pé dele e disse-lhe: - Guarde-me isto e dê-mo quando eu sair. O tipo pegou no papel, espantado, mas guardou-o e entregou-lho mais tarde.

Dizia-nos como devíamos agir na polícia e nos interrogatórios. Nunca olhar de frente para eles, Uma mentira não pega de olhos nos olhos.

A sua técnica era de falar, falar, de nunca se calar e de os convencer que era doido. E isso pegou muitas vezes. Na corporação tinha fama de maluco. Mas não durou sempre, é claro. “

 

A 8 de Maio de 1935, Basílio foi julgado à revelia pelo Tribunal Militar Especial, acusado  de actividades subversivas e revolucionárias. Foi condenado a sete anos de desterro e multa de 14 000 escudos.

Nessa época era dirigente da AAA , que integrava a Frente Popular Portuguesa.

 

Em 24 de Maio de 1936, o capitão António Augusto Franco, elemento importante da organização maçónica, é preso na mata do Buçaco juntamente com os responsáveis  dos Triângulos de Vila Nova de Poiares, Lousã, Vagos, Mortágua, Sangalhos e Pampilhosa da Serra, quando se preparavam para uma reunião clandestina. Estas detenções atingiram mortalmente a organização maçónica na região centro.

Em 21 de Janeiro de 1937 é publicada a portaria que dissolveu o Grémio Lusitano. A lei nº1950 entregou os bens do Grémio à Legião Portuguesa.

 

Nos dias 20 e 21 de Janeiro  1937  ocorrem vários rebentamentos bombistas em Lisboa e arredores, nomeadamente, explosões no Ministério da Guerra, Ministério da Educação, fabrica de pólvora da Barcarena e depósito de Beirolas, depósitos da Vacum Oil, Casa de Espanha, etc.. No Ministério do Interior, as bombas não explodiram.

A preparação dessas acções contou com o financiamento e o apoio das estruturas em que participava Basílio Lopes Pereira, com especial relevo para o operacional Silva da Madeira, acima referido. 

Ainda em 1937, desloca-se a Paris e a Barcelona, a fim de se encontrar, na qualidade de delegado da direcção do interior da FPP (Frente Popular Portuguesa), com o governo republicano espanhol e com os exilados portugueses.

Em 27 de Junho de 1938 é julgado, novamente à revelia, e o Tribunal Militar Especial diminuiu-lhe a pena anterior para 5 anos de desterro e perda de direitos políticos por 10 anos.

Basílio continuou a apoiar refugiados espanhóis e dirigiu  a Conjunção Republicana Pró-Democracia

Foi o responsável pela organização civil que devia revoltar-se para apoiar a operação «Lusitânia

 Em 28 de Junho 1938, Basílio assina uma credencial de apresentação internacional de um elemento da AAA com o pseudónimo de A. Madeira.
(Arquivo Histórico Militar)
i
n MADEIRA, Joâo: 1937- O Atentado a Salazar- A Frente Popular em Portugal.     A esfera dos livros , Lisboa 2013

Ainda em Agosto de 1938 é credenciado com o pseudónimo de Manuel José Luiz Afonso, como membro do Directório da Frente Popular Portuguesa.

(Arquivo Histórico Militar)
i
n MADEIRA, Joâo: 1937- O Atentado a SalazarA Frente Popular em Portugal.     A esfera dos livros , Lisboa 2013

Em 26 de Setembro de 1938 é preso pela PVDE, acusado de envolvimento num golpe preparado para derrubar o Estado Novo por meios revolucionários

É julgado a 27 de Junho de 1939 no Tribunal Militar Especial onde foi condenado  a 5 anos de desterro, multa de  quinhentos escudos e perda de direitos políticos por 10 anos.

Esteve preso em Peniche entre 29 de Junho de 1939 e 10 de Outubro de 1939, sendo então transferido.

Julgado a 18 de Outubro de 1939  pelo Tribunal Militar, foi condenado a seis anos de desterro, e dez anos de perda de direitos políticos.

A 30 de Outubro de 1939  foi transferido para o depósito de presos de Caxias como atesta esta carta dirigida a um conterrâneo.


Embarcaram-no em Fevereiro de 1940  com destino ao Tarrafal da ilha de Santiago, em Cabo Verde.


A 1 de Março de 1940  é conduzido para a Colónia Penal do Tarrafal, em Cabo Verde, onde permanece até 1 de Junho de 1942.


[Basílio Lopes Pereira || Advogado || 01-03-1940 a 01-06-1942]

In Silêncios e Memórias -Rostos e nomes de deportados para o Tarrafal  - João Esteves

Da sua permanência no campo do Tarrafal, temos o testemunho que nos é dado por Manuel Francisco Rodrigues no seu livro “ TARRAFALO DIÁRIO DA B5”

A propósito do velório ao prisioneiro falecido Vale Domingos:

“ O advogado Basílio Lopes Pereira, o santo fundador da Irmânia, o poeta da Democracia, já se moveu trinta vezes, em contraste com o imobilismo do Reboredo…Quer decerto esquecer este quadro, ter a impressão de que não está aqui, e no entanto é agora que a a sua fisionomia tem expressões de luz, relâmpagos de epopeia redentora. Miguel Ângelo poderia vir aqui buscar imagens para os seus quadros pintados com a claridade dos génios. Recordo-me que este Basílio amigo também não viu o cadáver…não levantou o lençol que o cobria…Porque seria?...Teria receio de se ter visto a si próprio, alucinadamente, naquela forma que já não é deste mundo?

….

A mistura confusa da promiscuidade sempre fez mal às almas que gostam da estética…Esta é a razão que obriga o anacoreta Manfraro sem lar a afastar-se das pessoas que deseja amar…E tanto se afastou que deixou de notar o lixo da aldeia para se fixar, apenas, na luz que dela se irradia e no heroísmo que a santifica, graças à conduta exemplaríssima do Dr. Basílio Lopes Pereira, do enfermeiro Virgílio, do José de Sousa Coelho, do Reboredo e de mais uma boa centena de idealistas devotados, compreensivos e tolerantes e bons, embora todos eles e o próprio Manfraro e o Oryam, já bastante doentes dos nervos e de tudo…Até o próprio amigo cavador não passa de uma alma boa. Falta-lhe apenas um pouco de ambiente cultural eclético para compreender que o facto de se ter nascido num berço de ouro ou numa manjedoura não significa grande coisa…porque o que vale é o homem, a obra, a acção, a bondade que irradiada sua alma…Pode muito bem suceder até que um proletário tenha alma de carcereiro e que um burguês seja um poeta encantador…um amigo desinteressado dos pobres, dos oprimidos.”

Sabemos que durante  a permanência no Tarrafal, as divergências com os comunistas se acentuaram de modo insanável. 

Diz-nos Alexandre Babo:….. a sua última prisão, a que o levou para o Tarrafal e que esteve na origem do anti-comunismo feroz e doentio que o dominou até morrer, instalado numa aldeia de Barcelos, casado com uma irmã do Nuno Cruz.

Em Junho de 1942 – Regressa do Tarrafal e é libertado.

Inicia actividade como advogado em Barcelos, onde permanecia vigiado pela PIDE.

Termina aqui uma importante etapa da sua vida e inicia-se uma nova fase em que, não deixando de lutar contra o salazarismo, modificou muito a sua atitude. Disso daremos conta numa próxima publicação.

 

Notas:

 1  “de família aristocrata”. Esta afirmação não tem fundamento. Será talvez confusão originada pela atribuída origem aristocrática da esposa.