Basílio Lopes
Pereira
– Final
Em Junho de 1942, regressado do Tarrafal, é libertado.
Inicia assim uma nova fase da sua vida.
Instala-se como advogado em Barcelos, continuando a
ser vigiado pela polícia política.
Em 1945 casa com Delfina Cerqueira Machado da Cruz,
irmã do seu velho companheiro de muitas lutas, capitão Nuno Cruz, falecido em
Madrid em 1934.
Nesse mesmo ano aderiu ao MUD,
Movimento de Unidade Democrática, que se formou a 8 de Outubro de 1945, com
autorização do Governo. O MUD foi criado com o objectivo de reorganizar a
oposição, debater publicamente a questão eleitoral e preparar eleições.
Este movimento despertou grande
adesão de intelectuais, profissões liberais e população em geral, tornando-se
uma potencial ameaça ao regime.
A pretexto das suas ligações ao
PCP, o movimento foi ilegalizado, logo em 1946. Manteria no entanto actividade
até ao apoio da candidatura de Norton de Matos à presidência da República
Em 1948 Basílio
Lopes Pereira apoiou a candidatura do general Norton de Matos à Presidência da
República. Participou em sessões públicas em S. João da Madeira, Estarreja,
Ponte de Lima e Viana do Castelo.
No dia 6 de Fevereiro de 1949 num comício na cidade de Viana do Castelo, com a
participação de todos os concelhos, Basílio Lopes Pereira apresentou uma
moção que foi aprovada por aclamação.
MOÇÃO
Considerando que a democracia, com
liberdade de expressão e consequente direito de livre crítica, é ainda a melhor
garantia para a paz da sociedade portuguesa e para ao socêgo da família;
Considerando que é evidente que o povo
português está, na sua grande maioria, com S. Exa.o Sr. General Norton de Matos
e com o seu programa de liberdade e democracia, expresso no seu manifesto de 9
de Julho de 1949 – “À Nação” ;
Considerando que a nenhum português servirá lançar a nossa querida pátria em
desespero por nem se poder confiar nas leis do próprio estado-polícia que
oprime a Nação há 22 anos;
Considerando mais o significado profundo
da cordura e serenidade impressionantes que tem havido por parte de todos os
que confiam no valor, na energia, no prestígio e na honra de S. Exa. o Sr.
General Norton de Matos – atitude que é o nosso belo, nobre e legítimo orgulho;
O povo republicano do districto de Viana
do Castelo, reunido em comício público, e seguramente todo o povo republicano
de Portugal de aquém e de além mar, pede licença a S. Exa. o Sr. Presidente do
Ministério para lhe sugerir a imperativa e urgente necessidade de:
1º) Adiar as eleições marcadas para o
próximo dia 13 e mandar já fazer um recenseamento eleitoral são;
2º) E, entretanto, aconselhar honradamente
S Exa. o Sr. Marechal Carmona a que mande delegados seus entenderem-se com S.
Exa. o Sr. General Norton de Matos com o
fim de se constituir um governo que mereça a confiança de ambas as partes em litígio e que dê
garantia de manter a verdadeira ordem e a indispensável imparcialidade para
presidir ao acto eleiroral.
Finalmente o povo republicano apela para o
patriotismo do Sr. Presidente do Ministério no sentido de que promova uma
relação incruenta para este pleito que interessa à Nação inteira, à pacificação
da família portuguesa e ao futuro de nossos filhos.
Viana do Castelo, 6 de Fevereiro de 1949
(as.) António de Castro
Rodrigo de Abreu
Basílio Lopes Pereira
Em Mortágua também a situação política se agita.
Basílio Lopes Pereira não participa directamente, mas não deixa de transmitir o
seu apoio, enviando um telegrama de solidariedade, justificando a sua ausência.
A Defesa da Beira, de 6
de Fevereiro de 1949 faz um relato pormenorizado da sessão de propaganda
eleitoral em Mortágua:
“O
actual momento político
As eleições estão à porta.
A propaganda eleitoral a favor das candidaturas dos srs.
Marechal Carmona, candidato da União Nacional e General Norton de Matos,
candidato da oposição, à presidência da República, tem sido intensíssima nos
dois sectores da vida política.
A luta continua acesa nos dois campos diametralmente
opostos, até à vitoria final. Por todo o país se têm realizado sessões de
propaganda a favor de cada um dos
ilustres candidatos.
Chegou também a vez a Mortágua de se manifestar acerca desse
momento político da vida nacional.
Promovida pela Comissão concelhia de propaganda da
candidatura do General sr. Norton de Matos, a qual, como dissemos é constituída
pelos srs. : Abel de Oliveira, Anacleto Fernandes, dr. António Ferreira
Gonçalves, Augusto de Morais Lobo, José Ferreira de Gouveia, Dr. Manuel Afonso
e Tomaz da Fonseca, promoveu, também, como noticiamos no último número, uma
dessas sessões de propaganda, que se realizou na tarde do último domingo, no
Teatro Clube desta vila. Sala completamente cheia, notando-se a presença de
algumas senhoras.
Representava a autoridade o ilustre presidente do Município,
Sr. José Abreu.
A mesa constitui-se sob a presidência do sr. Tomaz da
Fonseca, em substituição do ilustre democrata viseense, sr. dr. Bernardo Pais
de Almeida, que o seu precário estado de saúde não permitiu que comparecesse.
É dada em primeiro lugar a palavra ao ilustre advogado de
Viseu, sr. dr. Álvaro Monteiro, que a assistência acolheu com uma estridente
salva de palmas.
O dr. Álvaro Monteiro, que no foro marca um papel
preponderante, proferiu um brilhante discurso cheio de arrebatamento e cheio de
conceitos e argumentos que não podem ser rebatidos.
Terminou por dizer que a oposição está tão unida e forte que
vencerá as eleições.
O sr. dr. Vítor Hugo, que a seguir usa da palavra, profere,
também, um discurso arrebatador, vibrante de entusiasmo e de confiança na
vitória da Democracia, terminando por dizer:
- Nós venceremos porque somos mais e somos melhores.
Fala em seguida o dr. Mário Gomes da Silva, orador fluente e
arrebatador.
Nas suas afirmações acerca do estado de decadência em que se
encontra a povoação onde, pelo matrimónio, é forçado a permanecer por vezes,
sofreu um aparte do ilustre representante da autoridade que ele rebateu de modo
a receber da assistência uma estridente salva de palmas.
Falou ainda o capitão sr. António Correia, também de Viseu,
que liga à palavra Mortágua, a palavra República. Fala em Lopes de Oliveira,
nome que foi acolhido com verdadeiro entusiasmo pela assistência. Espraia-se em
considerações apesar do seu bem manifesto precário estado de saúde.
O tenente sr. Anastácio José dos Santos, ainda de Viseu, é
portador de alguns documentos muito curiosos, cuja doutrina nos mesmos
expandida escalpela com aquela graça e chiste que são seu apanágio.
Nesta altura foi lida pelo membro da Comissão, sr. Augusto
Lobo, uma carta do sr. dr. Bazílio Lopes Pereira, alegando a sua falta àquela
sessão por motivo de, na mesma cruzada, se encontrar em Ponte de Lima, terra do
candidato, sr. Norton de Matos.
A assembleia manifestou-se numa saudação à família Lopes
Pereira.
Tomaz da Fonseca levanta-se para falar, sendo substituído na
presidência da Mesa, pelo sr. dr. Álvaro Monteiro. Faz várias considerações
acerca do Estado Novo e cita um caso interessante passado numa carruagem do
caminho de ferro, no seu recente regresso de Lisboa, entre alguns passageiros.
Refere-se a algumas passagens da sua vida política,
inclusivamente àquela em que, com outros correligionários seus, foi levado à
Penitenciária e mais tarde ao Aljube, como criminoso político.
Refere-se ao que, antes do 28 de Maio, o concelho havia sido
dotado, citando para isso vários números do antigo semanário «Sul da Beira»,
que são o verdadeiro testemunho do que havia sido feito.
Por fim, o sr. dr. António Lopes Araújo, da Marmeleira, lê
um vasto trabalho seu sobre estatísticas, preços antigos e preços actuais,
etc., que elucidaram a assistência sobre o aumento de preços que têm sofrido
todos os géneros.
A sessão foi encerrada com a leitura, pelo sr. Augusto Lobo,
da seguinte
Moção :
«Os democratas e liberais do concelho de Mortágua, reunidos
em sessão pública de propaganda da candidatura do sr. General Norton de Matos,
manifestando a sua profunda fé nos destinos da República e na Democracia e
interpretando os sentimentos da população do concelho, saúdam o sr. General
Norton de Matos, afirmando-lhe a sua plena solidariedade até à vitória final.
Convidam o povo deste concelho a unir-se à voltado candidato
da oposição, afim de reconquistar as liberdades perdidas e o prestígio que é
devido a Portugal independente, e apoia, por digno.»”
A campanha conseguiu grandes apoios a nível
nacional, em particular no Porto onde chegou a realizar comícios com cerca de
cem mil pessoas.
Mas teve de enfrentar todo tipo de contrariedades e
entraves á sua campanha, desde proibições a prisões, sabotagens, etc.
A propaganda do regime explorou intensamente as sua
relações anteriores com a República e a Maçonaria e o perigo da sua aliança com
os comunistas, podendo resultar no caos
político e social, no anticlericalismo, e mesmo na possibilidade de se
concretizar a “ameaça vermelha”. A
campanha do regime teve alguma repercussão, tendo chegado a levar Norton de
Matos a pensar fazer uma declaração pública demarcando-se dos comunistas, no
que foi travado pelas estruturas da
candidatura.
Entretanto, não foram criadas as condições para que
o processo eleitoral decorresse com seriedade. Dentro das estruturas da candidatura
estremaram-se as posições entre os que propunham a desistência, para não
legitimar uma farsa eleitoral (comunistas), e os que defendiam a continuidade
até às eleições, para depois denunciarem o “roubo eleitoral” (sector liberal).
A 7 de Fevereiro (seis dias antes das eleições),
foi decidida a desistência numa reunião de delegados, contra a vontade do
general Norton de Matos
Em 24 de Novembro de 1949 é preso por “crimes contra a segurança do
Estado”, mas foi solto 2 dias depois por terem prescrito os crimes que lhe
imputavam.
Em 1951 apoiou a candidatura à
Presidência da República do almirante Quintão Meireles, um anterior apoiante da
ditadura. O candidato veio a desistir, por considerar
que não concorria em condições de igualdade.
Pouco tempo antes, um outro
candidato, apoiado pelo Movimento Nacional Democrático, o Professor Ruy Luis
Gomes tinha sido interditado pelo Governo.
Pela carta de Quintão Meireles dirigida a Craveiro Lopes é fácil
perceber que não se tratava de uma candidatura de verdadeira oposição, mas de
uma opção dentro da situação :
…. Não se trata, por outro lado, duma contenda entre
partidários e adversários da actual situação política. O que explica o
aparecimento das nossas duas candidaturas é a existência, dentro
do situacionismo, de duas correntes de opinião – a dos homens que fizeram o
«28 de Maio» com o objectivo de destruir o monopólio do Poder por um Partido
Único, de tornar eficiente e moral a actividade governativa e de elevar o baixo
nível material e espiritual da vida portuguesa, e a dos homens que,
aproveitando-se da isenção dos primeiros, se alcandoraram no Poder e acabaram
por deturpar e mesmo inverter as intenções iniciais do «28 de Maio»
….Tendo em vista o exposto, a
eleição presidencial representará o acto político que há-de permitir verificar
qual das duas orientações do situacionismo pode e deve triunfar, e
qual dos dois tipos de Unidade Nacional se pretende atingir nesta época caótica
da vida universal.
As
relações de Basílio Lopes Pereira com os
comunistas, se eram desde sempre complexas, a partir da sua passagem pelo
Tarrafal passaram a ser de confronto crescente, aliás à semelhança de Norton de
Matos, seu anterior Grão Mestre na Maçonaria e mentor ideológico. É possível
estabelecer um paralelo entre as posições defendidas por ambos ao longo do
tempo.
Norton de Matos chegou a escrever que o capitalismo
era um verdadeiro
cancro social, pior que o comunismo: Os comunistas, desde que deixem de ser ateus
e fujam do capitalismo de Estado, serão recebidos pela Europa cristã de braços
abertos.
Alexandre Babo que conviveu
bastante com Basílio Lopes Pereira sobre ele escreveu no livro Recordações de um Caminheiro; I -Entre
duas guerras:
“Nessa
altura não era anti-comunista, até afirmava alto e bom som que o homem que mais
adorava era o Lenine, e via a Revolução russa como a maior vitória do homem até
então, estava ao lado dos republicanos espanhóis, mesmo os mais à esquerda…”
A conflitualidade crescente
de ambos em relação aos comunistas atingiu o seu auge nas eleições para a
Assembleia Nacional de 1953.
Basílio Lopes Pereira foi candidato da Oposição à
Assembleia Nacional pelo círculo de Aveiro.
A lista era constituída por Manuel Luís da Costa Figueiredo; Alberto Ferreira Vidal; Manuel
Martins das Neves; Basílio Lopes Pereira; Alcides Strecht Monteiro e Virgílio
Pereira da Silva
O Movimento Nacional
Democrático (MND) de que participavam os comunistas defendia a abstenção, considerando que participar
na eleição era colaborar com o regime.
No dia 9 de Outubro 1953,
o MND publica um comunicado afirmando que «não estão satisfeitas as
condições mínimas (recenseamento honesto, liberdade de propaganda, fiscalização
do acto eleitoral) que justifiquem concorrer ao acto eleitoral ».
«..sente-se no dever de proclamar
publicamente o seguinte:
a)
a Oposição Democrática não
apresenta quaisquer candidaturas;
b)
a apresentação de candidaturas, nas actuais
condições, mesmo que não provenham directamente da União Nacional, é um acto de
colaboração com o actual regime e de abdicação relativamente às reivindicações
da Oposição Democrática portuguesa, sempre formuladas desde 1945».
Os candidatos republicanos de Lisboa respondem
que o MND é uma pequena minoria dissidente, que acusam de «lançar a perturbação no eleitorado
oposicionista».
Norton de Matos, em
Agosto de 1953, discursando em Aveiro afirma:
“… o meu primeiro apelo será para que se combata
o comunismo.
Quando
foi da minha Candidatura e nos últimos tempos dela, quando indeciso, estava
pesando os motivos de uma desistência ou de uma ida às urnas, alguém me perguntou
o que faria eu no caso de ser eleito, em relação aos comunistas. Respondi que
diligenciaria levar o Executivo a fazer-lhes a maior das oposições: -na
Metrópole sem quaisquer violências, mas pela maior propaganda e a melhor
organizada possível, ainda que para isso tivesse o Estado de gastar avultada
quantia: no Ultramar por meio de uma lei que não permitisse que qualquer
comunista se conservasse naquela parte dos territórios portugueses e que fossem
mandados todos eles regressar à Metrópole para ouvirem a propaganda que contra
eles estavam fazendo os brancos metropolitanos e para publicamente dizerem da
sua razão. De modo algum, se pode consentir a propaganda comunista feita a
pretos de civilização primitiva, que em consequência dela serão levados a uma
única conclusão – a da necessidade de eliminar todos os brancos.”
(MATOS, Norton: Conferência em Aveiro. Edição dos candidatos democratas por
Aveiro. Aveiro, 1953)
Basílio
Lopes Pereira publica no jornal República de 18 de Outubro de 1953, um «Comunicado da Oposição Republicana de
Aveiro» , em que acusa o MND de «não
ser nacional nem democrático» e afirma que o comunicado do MND não passa de
«uma farsa ignóbil e uma ofensa à inteligência dos portugueses». Afirma
que o MND «não é nacional porque não visa os interesses nacionais dos
portugueses. Visa simplesmente servir a causa do alargamento do
imperialismo russo [...], é apenas mais uma nova alcunha dos chamados
comunistas. Melhor lhe chamaríamos soviéticos».
Acrescenta que os ataques do MND ao general Norton de Matos se devem a que «... em 20 de Maio último, a Sr.a Eng.a D. Virgínia Moura pediu ao Sr. General Norton de Matos, numa carta, que a recebesse para trocarem impressões sobre estas eleições. O Sr. General, em carta datada do dia 22 a seguir, respondeu-lhe que não podia realizar, com ela, a entrevista que esta solicitava, acrescentando, textualmente, ‘tomei esta resolução por considerar o comunismo como inteiramente oposto à segurança, progresso e prestígio de Portugal’.»
Assim permaneceram, em total consonância, até ao falecimento de Norton de Matos em 2 de Janeiro de 1955.
Em 1956, faleceu a sua mãe de Basílio e na notícia
publicada pelo jornal Républica no dia 14 de Junho, o correspondente que
se identificava com “C.” dizia que se
tinha realizado o funeral em “Vila da Irmânia, Marmeleira, deste concelho”. A
campanha pela adopção do nome, persistia.
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