terça-feira, 31 de agosto de 2021

 

Basílio Lopes PereiraFinal

Em Junho de 1942, regressado do Tarrafal, é libertado.

Inicia assim uma nova fase da sua vida.

Instala-se como advogado em Barcelos, continuando a ser vigiado pela polícia política.

Em 1945 casa com Delfina Cerqueira Machado da Cruz, irmã do seu velho companheiro de muitas lutas, capitão Nuno Cruz, falecido em Madrid em 1934.

Nesse mesmo ano aderiu ao MUD, Movimento de Unidade Democrática, que se formou a 8 de Outubro de 1945, com autorização do Governo. O MUD foi criado com o objectivo de reorganizar a oposição, debater publicamente a questão eleitoral e preparar eleições.

Este movimento despertou grande adesão de intelectuais, profissões liberais e população em geral, tornando-se uma potencial ameaça ao regime.

A pretexto das suas ligações ao PCP, o movimento foi ilegalizado, logo em 1946. Manteria no entanto actividade até ao apoio da candidatura de Norton de Matos à presidência da República

 
Cartaz do MUD

Em 1948  Basílio Lopes Pereira apoiou a candidatura do general Norton de Matos à Presidência da República. Participou em sessões públicas em S. João da Madeira, Estarreja, Ponte de Lima e Viana do Castelo.


No dia 6 de Fevereiro de 1949 num comício  na cidade de Viana do Castelo, com a participação de todos os concelhos, Basílio Lopes Pereira apresentou uma moção  que foi aprovada por aclamação.

MOÇÃO

Considerando que a democracia, com liberdade de expressão e consequente direito de livre crítica, é ainda a melhor garantia para a paz da sociedade portuguesa e para ao socêgo da família;

Considerando que é evidente que o povo português está, na sua grande maioria, com S. Exa.o Sr. General Norton de Matos e com o seu programa de liberdade e democracia, expresso no seu manifesto de 9 de Julho de 1949 – “À Nação” ;

Considerando que a nenhum português  servirá lançar a nossa querida pátria em desespero por nem se poder confiar nas leis do próprio estado-polícia que oprime a Nação há 22 anos;

Considerando mais o significado profundo da cordura e serenidade impressionantes que tem havido por parte de todos os que confiam no valor, na energia, no prestígio e na honra de S. Exa. o Sr. General Norton de Matos – atitude que é o nosso belo, nobre e legítimo orgulho;

O povo republicano do districto de Viana do Castelo, reunido em comício público, e seguramente todo o povo republicano de Portugal de aquém e de além mar, pede licença a S. Exa. o Sr. Presidente do Ministério para lhe sugerir a imperativa e urgente necessidade de:

1º) Adiar as eleições marcadas para o próximo dia 13 e mandar já fazer um recenseamento eleitoral são;

2º) E, entretanto, aconselhar honradamente S Exa. o Sr. Marechal Carmona a que mande delegados seus entenderem-se com S. Exa. o Sr. General Norton de Matos  com o fim de se constituir um governo que mereça a confiança  de ambas as partes em litígio e que dê garantia de manter a verdadeira ordem e a indispensável imparcialidade para presidir ao acto eleiroral.

Finalmente o povo republicano apela para o patriotismo do Sr. Presidente do Ministério no sentido de que promova uma relação incruenta para este pleito que interessa à Nação inteira, à pacificação da família portuguesa e ao futuro de nossos filhos.

        Viana do Castelo, 6 de Fevereiro de 1949

         (as.) António de Castro

                Rodrigo de Abreu

                 Basílio Lopes Pereira

 

Em Mortágua também a situação política se agita. Basílio Lopes Pereira não participa directamente, mas não deixa de transmitir o seu apoio, enviando um telegrama de solidariedade, justificando a sua ausência.

 A Defesa da Beira,  de 6 de Fevereiro de 1949 faz um relato pormenorizado da sessão de propaganda eleitoral em Mortágua:

“O actual momento político

As eleições estão à porta.

A propaganda eleitoral a favor das candidaturas dos srs. Marechal Carmona, candidato da União Nacional e General Norton de Matos, candidato da oposição, à presidência da República, tem sido intensíssima nos dois sectores da vida política.

A luta continua acesa nos dois campos diametralmente opostos, até à vitoria final. Por todo o país se têm realizado sessões de propaganda  a favor de cada um dos ilustres candidatos.

Chegou também a vez a Mortágua de se manifestar acerca desse momento político da vida nacional.

Promovida pela Comissão concelhia de propaganda da candidatura do General sr. Norton de Matos, a qual, como dissemos é constituída pelos srs. : Abel de Oliveira, Anacleto Fernandes, dr. António Ferreira Gonçalves, Augusto de Morais Lobo, José Ferreira de Gouveia, Dr. Manuel Afonso e Tomaz da Fonseca, promoveu, também, como noticiamos no último número, uma dessas sessões de propaganda, que se realizou na tarde do último domingo, no Teatro Clube desta vila. Sala completamente cheia, notando-se a presença de algumas senhoras.

Representava a autoridade o ilustre presidente do Município, Sr. José Abreu.

A mesa constitui-se sob a presidência do sr. Tomaz da Fonseca, em substituição do ilustre democrata viseense, sr. dr. Bernardo Pais de Almeida, que o seu precário estado de saúde não permitiu que comparecesse.

É dada em primeiro lugar a palavra ao ilustre advogado de Viseu, sr. dr. Álvaro Monteiro, que a assistência acolheu com uma estridente salva de palmas.

O dr. Álvaro Monteiro, que no foro marca um papel preponderante, proferiu um brilhante discurso cheio de arrebatamento e cheio de conceitos e argumentos que não podem ser rebatidos.

Terminou por dizer que a oposição está tão unida e forte que vencerá as eleições.

O sr. dr. Vítor Hugo, que a seguir usa da palavra, profere, também, um discurso arrebatador, vibrante de entusiasmo e de confiança na vitória da Democracia, terminando por dizer:

- Nós venceremos porque somos mais e somos melhores.

Fala em seguida o dr. Mário Gomes da Silva, orador fluente e arrebatador.

Nas suas afirmações acerca do estado de decadência em que se encontra a povoação onde, pelo matrimónio, é forçado a permanecer por vezes, sofreu um aparte do ilustre representante da autoridade que ele rebateu de modo a receber da assistência uma estridente salva de palmas.

Falou ainda o capitão sr. António Correia, também de Viseu, que liga à palavra Mortágua, a palavra República. Fala em Lopes de Oliveira, nome que foi acolhido com verdadeiro entusiasmo pela assistência. Espraia-se em considerações apesar do seu bem manifesto precário estado de saúde.

O tenente sr. Anastácio José dos Santos, ainda de Viseu, é portador de alguns documentos muito curiosos, cuja doutrina nos mesmos expandida escalpela com aquela graça e chiste que são seu apanágio.

Nesta altura foi lida pelo membro da Comissão, sr. Augusto Lobo, uma carta do sr. dr. Bazílio Lopes Pereira, alegando a sua falta àquela sessão por motivo de, na mesma cruzada, se encontrar em Ponte de Lima, terra do candidato, sr. Norton de Matos.

A assembleia manifestou-se numa saudação à família Lopes Pereira.

Tomaz da Fonseca levanta-se para falar, sendo substituído na presidência da Mesa, pelo sr. dr. Álvaro Monteiro. Faz várias considerações acerca do Estado Novo e cita um caso interessante passado numa carruagem do caminho de ferro, no seu recente regresso de Lisboa, entre alguns passageiros.

Refere-se a algumas passagens da sua vida política, inclusivamente àquela em que, com outros correligionários seus, foi levado à Penitenciária e mais tarde ao Aljube, como criminoso político.

Refere-se ao que, antes do 28 de Maio, o concelho havia sido dotado, citando para isso vários números do antigo semanário «Sul da Beira», que são o verdadeiro testemunho do que havia sido feito.

Por fim, o sr. dr. António Lopes Araújo, da Marmeleira, lê um vasto trabalho seu sobre estatísticas, preços antigos e preços actuais, etc., que elucidaram a assistência sobre o aumento de preços que têm sofrido todos os géneros.

A sessão foi encerrada com a leitura, pelo sr. Augusto Lobo, da seguinte

Moção :

«Os democratas e liberais do concelho de Mortágua, reunidos em sessão pública de propaganda da candidatura do sr. General Norton de Matos, manifestando a sua profunda fé nos destinos da República e na Democracia e interpretando os sentimentos da população do concelho, saúdam o sr. General Norton de Matos, afirmando-lhe a sua plena solidariedade até à vitória final.

Convidam o povo deste concelho a unir-se à voltado candidato da oposição, afim de reconquistar as liberdades perdidas e o prestígio que é devido a Portugal independente, e apoia, por digno.»”

A campanha conseguiu grandes apoios a nível nacional, em particular no Porto onde chegou a realizar comícios com cerca de cem mil pessoas.

Mas teve de enfrentar todo tipo de contrariedades e entraves á sua campanha, desde proibições a prisões, sabotagens, etc.

A propaganda do regime explorou intensamente as sua relações anteriores com a República e a Maçonaria e o perigo da sua aliança com os comunistas, podendo resultar  no caos político e social, no anticlericalismo, e mesmo na possibilidade de se concretizar a “ameaça vermelha”.  A campanha do regime teve alguma repercussão, tendo chegado a levar Norton de Matos a pensar fazer uma declaração pública demarcando-se dos comunistas, no que foi travado pelas estruturas  da candidatura.

Entretanto, não foram criadas as condições para que o processo eleitoral decorresse com seriedade. Dentro das estruturas da candidatura estremaram-se as posições entre os que propunham a desistência, para não legitimar uma farsa eleitoral (comunistas), e os que defendiam a continuidade até às eleições, para depois denunciarem o “roubo eleitoral” (sector liberal).

A 7 de Fevereiro (seis dias antes das eleições), foi decidida a desistência numa reunião de delegados, contra a vontade do general Norton de Matos

 

Em 24 de Novembro de 1949  é preso por “crimes contra a segurança do Estado”, mas foi solto 2 dias depois por terem prescrito os crimes que lhe imputavam.



Em 1951 apoiou a candidatura à Presidência da República do almirante Quintão Meireles, um anterior apoiante da ditadura. O candidato veio a  desistir, por considerar que não concorria em condições de igualdade.

Pouco tempo antes, um  outro candidato, apoiado pelo Movimento Nacional Democrático, o Professor Ruy Luis Gomes tinha sido interditado pelo Governo.

Pela carta de Quintão Meireles dirigida a Craveiro Lopes é fácil perceber que não se tratava de uma candidatura de verdadeira oposição, mas de uma opção dentro da situação :

…. Não se trata, por outro lado, duma contenda entre partidários e adversários da actual situação política. O que explica o aparecimento das nossas duas candidaturas é a existência, dentro do situacionismo, de duas correntes de opinião – a dos homens que fizeram o «28 de Maio» com o objectivo de destruir o monopólio do Poder por um Partido Único, de tornar eficiente e moral a actividade governativa e de elevar o baixo nível material e espiritual da vida portuguesa, e a dos homens que, aproveitando-se da isenção dos primeiros, se alcandoraram no Poder e acabaram por deturpar e mesmo inverter as intenções iniciais do «28 de Maio»

….Tendo em vista o exposto, a eleição presidencial representará o acto político que há-de permitir verificar qual das duas orientações do situacionismo pode e deve triunfar, e qual dos dois tipos de Unidade Nacional se pretende atingir nesta época caótica da vida universal.

As relações de Basílio Lopes Pereira  com os comunistas, se eram desde sempre complexas, a partir da sua passagem pelo Tarrafal passaram a ser de confronto crescente, aliás à semelhança de Norton de Matos, seu anterior Grão Mestre na Maçonaria e mentor ideológico. É possível estabelecer um paralelo entre as posições defendidas por ambos ao longo do tempo.

 

Norton de Matos chegou a escrever que o capitalismo era um verdadeiro cancro social, pior que o comunismo: Os comunistas, desde que deixem de ser ateus e fujam do capitalismo de Estado, serão recebidos pela Europa cristã de braços abertos.

Alexandre Babo que conviveu bastante com Basílio Lopes Pereira sobre ele escreveu no livro Recordações de um Caminheiro; I -Entre duas guerras:

“Nessa altura não era anti-comunista, até afirmava alto e bom som que o homem que mais adorava era o Lenine, e via a Revolução russa como a maior vitória do homem até então, estava ao lado dos republicanos espanhóis, mesmo os mais à esquerda…”

A conflitualidade crescente de ambos em relação aos comunistas atingiu o seu auge nas eleições para a Assembleia Nacional de 1953.

Basílio Lopes Pereira foi candidato da Oposição à Assembleia Nacional pelo círculo de Aveiro.

A lista era constituída por Manuel Luís da Costa Figueiredo; Alberto Ferreira Vidal; Manuel Martins das Neves; Basílio Lopes Pereira; Alcides Strecht Monteiro e Virgílio Pereira da Silva

 

O  Movimento Nacional Democrático (MND) de que participavam os comunistas defendia a abstenção, considerando que participar na eleição era colaborar com o regime.

 

No dia 9 de Outubro 1953, o MND publica um comunicado afirmando que «não estão satisfeitas as condições mínimas (recenseamento honesto, liberdade de propaganda, fiscalização do acto eleitoral) que justifiquem concorrer ao acto eleitoral ».

«..sente-se no dever de proclamar publicamente o seguinte:

a)  a Oposição Democrática não apresenta quaisquer candidaturas;

b)   a apresentação de candidaturas, nas actuais condições, mesmo que não provenham directamente da União Nacional, é um acto de colaboração com o actual regime e de abdicação relativamente às reivindicações da Oposição Democrática portuguesa, sempre formuladas desde 1945».

 

Os candidatos republicanos de Lisboa respondem que o MND é uma pequena minoria dissidente, que acusam de  «lançar a perturbação no eleitorado oposicionista».

 

 Norton de Matos, em Agosto de 1953, discursando em Aveiro afirma:

 o meu primeiro apelo será para que se combata o comunismo.

Quando foi da minha Candidatura e nos últimos tempos dela, quando indeciso, estava pesando os motivos de uma desistência ou de uma ida às urnas, alguém me perguntou o que faria eu no caso de ser eleito, em relação aos comunistas. Respondi que diligenciaria levar o Executivo a fazer-lhes a maior das oposições: -na Metrópole sem quaisquer violências, mas pela maior propaganda e a melhor organizada possível, ainda que para isso tivesse o Estado de gastar avultada quantia: no Ultramar por meio de uma lei que não permitisse que qualquer comunista se conservasse naquela parte dos territórios portugueses e que fossem mandados todos eles regressar à Metrópole para ouvirem a propaganda que contra eles estavam fazendo os brancos metropolitanos e para publicamente dizerem da sua razão. De modo algum, se pode consentir a propaganda comunista feita a pretos de civilização primitiva, que em consequência dela serão levados a uma única conclusão – a da necessidade de eliminar todos os brancos.”

(MATOS, Norton: Conferência em Aveiro. Edição dos candidatos democratas por Aveiro. Aveiro, 1953)

Basílio Lopes Pereira publica no jornal República de 18 de Outubro de 1953,  um «Comunicado da Oposição Republicana de Aveiro» , em que  acusa o MND de «não ser nacional nem democrático» e afirma que o comunicado do MND não passa de «uma farsa ignóbil e uma ofensa à inteligência dos portugueses». Afirma que o MND «não é nacional porque não visa os interesses nacionais dos portugueses. Visa simplesmente servir a causa do alargamento do imperialismo russo [...], é apenas mais uma nova alcunha dos chamados comunistas. Melhor lhe chamaríamos soviéticos».

Acrescenta que os ataques do MND ao general Norton de Matos se devem a que «... em 20 de Maio último, a Sr.a Eng.a D. Virgínia Moura pediu ao Sr. General Norton de Matos, numa carta, que a recebesse para trocarem impressões sobre estas eleições. O Sr. General, em carta datada do dia 22 a seguir, respondeu-lhe que não podia realizar, com ela, a entrevista que esta solicitava, acrescentando, textualmente, ‘tomei esta resolução por considerar o comunismo como inteiramente oposto à segurança, progresso e prestígio de Portugal’.»

Assim permaneceram, em total consonância, até ao falecimento de Norton de Matos em 2 de Janeiro de 1955.


Em 1956, faleceu a sua mãe de Basílio e na notícia publicada pelo jornal Républica no dia 14 de Junho, o correspondente que se identificava com “C.”  dizia que se tinha realizado o funeral em “Vila da Irmânia, Marmeleira, deste concelho”. A campanha pela adopção do nome, persistia.


Basílio Lopes Pereira faleceu na freguesia de São Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa a 25 de Maio de 1959. Foi a enterrar no cemitério da Marmeleira. O seu funeral foi vigiado por agentes da PIDE que elaboraram um relato das pessoas presentes, entre elas Carlos Cal Brandão, Vasco da Gama Fernandes, Mário Gomes da Silva, Tomás da Fonseca, e muitos outras personalidades conhecidas que quiseram marcar a sua presença


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