Basílio Lopes Pereira - 3ª parte
O
ano de 1927 pode ser considerado o ano de transição para uma nova fase da vida
de Basílio Lopes Pereira, que consideramos a mais aventurosa.
Aumenta
desde logo a sua actividade maçónica e é
encarregado de dinamizar a fundação de várias novas lojas, geralmente com
ligação a elementos que passaram por Coimbra como estudantes, alguns já
iniciados em Coimbra na Loja “A Revolta”. As novas Lojas todas começavam a sua
designação por R.
É
assim que em 1928 funda em Lisboa a Loja República,
e no ano de 1929 a Loja Rebeldia.
Mantém entretanto uma forte ligação ao grupo
oposicionista designado pelos outros sectores da oposição por Budas,
ligado a Bernardino Machado, Afonso Costa , José Domingos dos Santos, Jaime de Morais,
Moura Pinto, Jaime Cortesão e o capitão Nuno Cruz, um amigo desde o tempo de
estudante, em que passava férias na Marmeleira e escrevia no “Sol Nascente”.
Este herói do Corpo Expedicionário Português, inicialmente apoiou a instauração
da ditadura mas veio a tornar-se um dos seus opositores mais combativos entre
os militares.
Em
25 de Abril de 1930, Basílio é preso no Porto pela Polícia de Informações,
entretanto criada, acusado de ser o elemento de ligação entre os
revolucionários de Coimbra, Porto, Aveiro e Viseu. Na sequência dessa prisão, em Julho de 1930 foi-lhe fixada
residência fixa em Ponta Delgada.
Aí reata a sua ligação à maçonaria local, ascendendo
ao grau de Cavaleiro Rosa Cruz do Rito Francês
em Fevereiro de 1931.
No dia 23 desse mesmo mês é decretado o divórcio
de Hélia Ângela, por mútuo acordo, pela 2ª Vara Cível da Comarca
do Porto.
Tinha entretanto surgido em Fevereiro um movimento de
contestação na Madeira conhecido por revolta da farinha, que culminou
numa verdadeira Revolta que se inicia a 4 de Abril de 1931. Em 7 de Abril
desencadeia-se um pronunciamento em Angra do Heroísmo, que no dia seguinte se
estendeu a Ponta Delgada e à Praia da Vitória, e à Graciosa no dia 10. Em 17 de
Abril a insurreição chegou à Guiné.
Saliente-se que no dia 14 de Abril foi proclamada a
república em Espanha, o que de algum modo contribuía para o ambiente
insurrecional.
Com residência fixa em Ponta Delgada, onde exercia
advogacia, Basílio Lopes Pereira logo se integrou no movimento e foi nomeado Governador Civil pelos revoltosos, e simultaneamente assumiu a
direcção do jornal Correio dos Açores.
As forças do regime
responderam com o envio de forças militares que abafaram a insurreição
na Madeira e a Junta Revolucionária
rendeu-se sem condições a 2 de Maio, sendo presos os seus chefes e
elementos mais destacados.
Derrotada
a revolta, Basílio conseguiu evadir-se e foi juntar-se ao grupo dos Budas em
Espanha.
Pouco tempo
depois regressou a Portugal para preparar nova tentativa revolucionária, que
viria a concretizar 26 de Agosto de 1931. Esta seria a tentativa
derradeira de tomar o poder por meios revolucionários, até à queda da ditadura.
Ocorre no meio de grande discórdia dos meios da
oposição, quanto à oportunidade, e grande desconfiança entre eles. A esquerda
republicana, os militares radicais e alguma intelectualidade ligada ao grupo da
Seara Nova foram os apoiantes da insurreição. Os efectivos militares que se
insurgiram eram em número reduzido e foram rapidamente neutralizados.
Na sequência desta tentativa, o conselho
de Ministros afastou todos os funcionários do estado aderentes, reforçou a censura à imprensa e a actividade da Polícia Internacional
Portuguesa.
Além
dos 40 mortos e 200 feridos, foram presas cerca de 600 pessoas, a maior parte
dos quais foi embarcada no navio Pedro Gomes e deportado para Timor, sem
qualquer julgamento.
Basílio
Lopes Pereira é preso em Lisboa em Novembro de 1931.
Em
Dezembro beneficia de uma amnistia (decreto
nº 21943 de 5/12/1932) e é libertado.
Entretanto
continua a sua actividade na organização
da Maçonaria e em 1932, fundou a Loja Revolução em Arganil e a Loja
Revoltando, em Almada. No ano
seguinte funda a Loja Revoltar, na Maia.
Em 11 de Março de 1933 é preso acusado de
“manejos revolucionários”. Viria a ser libertado a 30 de Março, por falta de
provas. Nessa data passou à clandestinidade.
Em Setembro de 1934, foi processado sob a acusação de fazer parte de uma organização
revolucionária que actuava no norte do país.
Em 1935
continuava a sua actividade maçónica
clandestina ao mesmo tempo que liderava uma organização que ele próprio criara
– a Acção Anticlerical e Antifascista, na qual tentava enquadrar a juventude,
que ele achava ser necessário desviar da influência dos comunistas, que nessa
altura tinham ganho alguma implantação.
O seu empenhamento em preparativos revolucionários
relacionados com o grupo dos Budas, e a iniciativa de criar e promover a
Aliança Anticlerical e Antifascista (AAA), levaram a que fosse acusado de
descurar as tarefas maçónicas.
Num relatório interno foi acusado de afirmar que a
Maçonaria não fazia nada, quando não conseguia contribuições que pretendia para
a compra de armamento para a acção revolucionária.
Nessa altura tinha-se constituído uma Frente
Popular á qual pertenciam o PCP, a Maçonaria, a Acção Anticlerical e
Antifascista (AAA), a Aliança Republicana, o Partido Socialista, o Bloco
Académico Anti-Fascista (BAAF), a Federação das Juventudes Comunistas, o
Socorro Vermelho Internacional e a Comissão Intersindical. A frente era
dirigida por um Comité Nacional de que Basílio fazia parte.
Basílio Lopes Pereira era de opinião que estavam
criadas as condições para o sucesso de um golpe militar e nesse sentido
convence Jaime Morais, que estava em Espanha, a vir a Portugal verificar essas
condições.
Jaime Morais acabaria por vir a Portugal acompanhado
de uma figura extraordinária a quem posteriormente dedicaremos uma publicação –
José Maria Ferreira, “o Silva da Madeira”.
Nessa altura existia uma casa na Rua do Zaire onde
vivia um grupo de jovens, entre os quais Orlando Juncal e Alexandre Babo e que
servia de casa de apoio da AAA.
Alexandre Babo, que esteve ligado à maçonaria e à AAA,
deixou-nos um depoimento muito circunstanciado sobre Basílio Lopes Pereira no
seu livro RECORDAÇÕES DE UM
CAMINHEIRO, I -Entre duas guerras, que transcrevo parcialmente:
“A nossa casa na Rua do Zaire ia-se
animando inteiramente e o espaço vital diminuía cada vez mais. O Dr. Basílio
Lopes Pereira passava ali algumas temporadas, vários outros fugidos à polícia
lá encontravam asilo. Vinha gente de Trás-os-Montes, das Beiras, do Algarve,
ficavam uns dias até arranjar local mais amplo e mais seguro.
Ainda não me referi ao Dr. Basílio Lopes
Pereira, uma figura que, mais tarde, se tornou polémica e de tal modo
modificada que alguns de nós cortamos relações com ele, mas que nessa altura
foi para todos um homem estranho, contraditório, mas fascinante.
Era natural de Mortágua, formado em
Direito, de família aristocrata1 e casado com uma senhora da aristocracia
rural da região, estava condenado a onze ou doze anos de cadeia, havia sido
preso várias vezes e tinha conseguido fugir.
Naquela altura, mesmo que decidisse
abandonar a actividade política clandestina, tal lhe não seria possível, salvo
optando pela prisão ou pelo exílio, duas coisas que ele odiava profundamente.
Portanto, ligado à Maçonaria, um dos
grandes dinamizadores dos AAA,
pertencente ao grupo do Nuno Cruz, exercia uma actividade revolucionária
intensa e a sua maior esperança residia , nos jovens que ele queria orientar
ideologicamente e preparar para a República que idealizara e a que se aliara.
Um homem forte, desprendido com o
vestuário, desmazelado consigo próprio – quantas vezes dias seguidos com a barba
por fazer, o fato coçado e pouco limpo, um chapéu sebento que usava de qualquer
maneira, às vezes por distracção posto ao contrário.
Tinha uma cabeça leonina, uma cabeleira
grisalha ampla, a palavra fácil, clara, e a frase recheada de imagens cheias de
humor e até brilhantes. Casmurro, nunca cedendo numa discussão, convencido da
sua verdade e consciente também do sacrifício que fazia e da coragem com que
lutava.
No entanto, nós todos, apesar de não muito
preparados, salvo os casos de Marinho Dias e Sílvio Guimarães, dávamos conta da
sua grande fragilidade política, da sua ignorância em relação a muitos dos mais simples problemas do nosso
tempo, com uma preparação literária e humanística que ia muito perto, muito mais
perto que qualquer de nós, com soluções simplistas que nos faziam rir e que,
para mais, agia dentro de uma desorganização mental e executiva de pôr os
cabelos em pé.
Mas era inteligente, brilhante, mesmo
quando dizia barbaridades, tinha um bom coração, e aquele grão de loucura que
sempre entusiasma a juventude, mesmo a que pretende ser lúcida, serena, fria e
racional.
E era por isso que o aceitávamos e às suas
aventuras e pequenas loucuras que, diga-se a verdade, estiveram perto de quase
nos liquidar, no mais concreto e verdadeiro sentido.
Tenho a certeza de que, à força de viver
aquela vida de judeu errante no seu próprio país, acabara por se esquecer que
andava fugido. Quantas vezes passeamos juntos na baixa, em pleno Rossio, embora
na parte central, sem o menor cuidado.
…….
Estava na sapataria de uns amigos na rua
de Santa Justa, perorando como sempre, não só com a voz mas também com as mãos,
quando entraram suavemente dois cavalheiros, de ar seráfico, que se dirigiram
polidamente e lhe perguntaram: - É o Dr. Basílio Lopes Pereira?
Ele, com o melhor dos sorrisos respondeu:
- Sou. O que desejam? – Somos da polícia. E mostraram os cartões
respectivos.
Politicamente era um liberal, vagamente
jacobino, anti-clerical ferrenho, mas com um certo respeito por um enigmático
Criador, acreditava na boa vontade entre os homens, desconhecendo a luta de
classes, advogava o regresso à terra e não sei se à indústria caseira, mas
suponho que era a liberdade individual o seu grande lema, mas não há dúvida que
se mandasse, imporia aos outros a sua vontade, embora tudo isso não fosse nada
consciencializado.
Nessa altura não era anti-comunista, até
afirmava alto e bom som que o homem que mais adorava era o Lenine, e via a
Revolução russa como a maior vitória do homem até então, estava ao lado dos
republicanos espanhóis, mesmo os mais á esquerda, mas internamente, embora não
o afirmasse muito, até porque sabia das nossas inclinações, pelo menos de
muitos de nós, na prática nacional, não conseguia entender os comunistas.
Contava-nos histórias verdadeiras e algo
malucas, Por exemplo, uma vez tinha sido preso e levado para António Maria
Cardoso e pesava-lhe no bolso um papel com umas dezenas de nomes e moradas de
pessoas ligadas a uma daquelas habituais revoluções. Calcule-se a sua aflição,
Era impossível comer um papel tão grande. Enquanto esperava, decidiu observar
os agentes que ali estavam e viu um que se convenceu ter uns restos de
sentimentos humanos. Pegou no papel, bem embrulhadinho, chegou-se ao pé dele e
disse-lhe: - Guarde-me isto e dê-mo quando eu sair. O tipo pegou no papel,
espantado, mas guardou-o e entregou-lho mais tarde.
Dizia-nos como devíamos agir na polícia e
nos interrogatórios. Nunca olhar de frente para eles, Uma mentira não pega de
olhos nos olhos.
A sua técnica era de falar, falar, de
nunca se calar e de os convencer que era doido. E isso pegou muitas vezes. Na
corporação tinha fama de maluco. Mas não durou sempre, é claro.
“
A 8 de Maio de 1935, Basílio foi
julgado à revelia pelo Tribunal Militar Especial, acusado de actividades subversivas e revolucionárias.
Foi condenado a sete anos de desterro e multa de 14 000 escudos.
Nessa época era dirigente da AAA , que
integrava a Frente Popular Portuguesa.
Em 24 de Maio de 1936, o capitão
António Augusto Franco, elemento importante da organização maçónica, é preso na
mata do Buçaco juntamente com os responsáveis dos Triângulos de Vila Nova de Poiares, Lousã,
Vagos, Mortágua, Sangalhos e Pampilhosa da Serra, quando se preparavam para uma
reunião clandestina. Estas detenções atingiram mortalmente a organização
maçónica na região centro.
Em 21 de Janeiro de 1937 é publicada a
portaria que dissolveu o Grémio Lusitano. A lei nº1950 entregou os bens do Grémio
à Legião Portuguesa.
Nos dias 20 e 21 de Janeiro 1937 ocorrem vários rebentamentos bombistas em
Lisboa e arredores, nomeadamente, explosões no Ministério da Guerra, Ministério
da Educação, fabrica de pólvora da Barcarena e depósito de Beirolas, depósitos
da Vacum Oil, Casa de Espanha, etc.. No Ministério do Interior, as bombas não
explodiram.
A preparação dessas acções contou com o financiamento
e o apoio das estruturas em que participava Basílio Lopes Pereira, com especial
relevo para o operacional Silva da Madeira, acima referido.
Ainda em 1937, desloca-se a Paris e a
Barcelona, a fim de se encontrar, na qualidade de delegado da direcção do
interior da FPP (Frente Popular Portuguesa), com o governo republicano espanhol
e com os exilados portugueses.
Em 27 de Junho de 1938 é julgado, novamente à
revelia, e o Tribunal Militar Especial diminuiu-lhe a pena anterior para 5 anos
de desterro e perda de direitos políticos por 10 anos.
Basílio continuou a apoiar refugiados espanhóis e
dirigiu a Conjunção Republicana
Pró-Democracia
Foi o responsável pela organização civil que devia
revoltar-se para apoiar a operação «Lusitânia
Ainda em Agosto de 1938 é credenciado com o pseudónimo de Manuel José Luiz Afonso, como membro do Directório da Frente Popular Portuguesa.
Em 26 de Setembro de 1938 é preso pela PVDE,
acusado de envolvimento num golpe preparado para derrubar o Estado Novo por
meios revolucionários
É julgado a 27 de Junho de 1939 no Tribunal Militar Especial onde foi condenado a 5 anos de desterro, multa de quinhentos escudos e perda de direitos políticos por 10 anos.
Esteve preso em Peniche entre 29 de Junho de 1939 e 10 de Outubro de 1939, sendo então transferido.Julgado a 18 de Outubro de 1939 pelo Tribunal Militar, foi condenado a seis anos de desterro, e dez anos de perda de direitos políticos.
A 30 de Outubro de 1939 foi transferido para o depósito de presos de Caxias como atesta esta carta dirigida a um conterrâneo.
Embarcaram-no em Fevereiro de 1940 com destino ao Tarrafal da ilha de Santiago, em Cabo Verde.
A 1 de Março de 1940 é conduzido para a
Colónia Penal do Tarrafal, em Cabo Verde, onde permanece até 1 de Junho de
1942.
[Basílio Lopes Pereira || Advogado || 01-03-1940 a 01-06-1942]
In Silêncios e Memórias -Rostos e nomes de deportados para o Tarrafal - João Esteves
Da sua permanência no campo do Tarrafal, temos o
testemunho que nos é dado por Manuel Francisco Rodrigues no seu livro “ TARRAFAL
– O
DIÁRIO DA B5”
A propósito do velório ao prisioneiro falecido Vale
Domingos:
“ O advogado Basílio Lopes Pereira, o
santo fundador da Irmânia, o poeta da Democracia, já se moveu trinta vezes, em
contraste com o imobilismo do Reboredo…Quer decerto esquecer este quadro, ter a
impressão de que não está aqui, e no entanto é agora que a a sua fisionomia tem
expressões de luz, relâmpagos de epopeia redentora. Miguel Ângelo poderia vir
aqui buscar imagens para os seus quadros pintados com a claridade dos génios.
Recordo-me que este Basílio amigo também não viu o cadáver…não levantou o
lençol que o cobria…Porque seria?...Teria receio de se ter visto a si próprio,
alucinadamente, naquela forma que já não é deste mundo?
….
A mistura confusa da promiscuidade sempre
fez mal às almas que gostam da estética…Esta é a razão que obriga o anacoreta
Manfraro sem lar a afastar-se das pessoas que deseja amar…E tanto se afastou
que deixou de notar o lixo da aldeia para se fixar, apenas, na luz que dela se
irradia e no heroísmo que a santifica, graças à conduta exemplaríssima do Dr.
Basílio Lopes Pereira, do enfermeiro Virgílio, do José de Sousa Coelho, do
Reboredo e de mais uma boa centena de idealistas devotados, compreensivos e
tolerantes e bons, embora todos eles e o próprio Manfraro e o Oryam, já
bastante doentes dos nervos e de tudo…Até o próprio amigo cavador não passa de
uma alma boa. Falta-lhe apenas um pouco de ambiente cultural eclético para
compreender que o facto de se ter nascido num berço de ouro ou numa manjedoura
não significa grande coisa…porque o que vale é o homem, a obra, a acção, a
bondade que irradiada sua alma…Pode muito bem suceder até que um proletário
tenha alma de carcereiro e que um burguês seja um poeta encantador…um amigo
desinteressado dos pobres, dos oprimidos.”
Sabemos que durante
a permanência no Tarrafal, as divergências com os comunistas se acentuaram
de modo insanável.
Diz-nos Alexandre Babo:….. a sua última prisão, a
que o levou para o Tarrafal e que esteve na origem do anti-comunismo feroz e
doentio que o dominou até morrer, instalado numa aldeia de Barcelos, casado com
uma irmã do Nuno Cruz.
Em Junho de 1942 – Regressa do Tarrafal e é
libertado.
Inicia actividade como advogado em Barcelos, onde
permanecia vigiado pela PIDE.
Termina aqui uma importante etapa da sua vida e
inicia-se uma nova fase em que, não deixando de lutar contra o salazarismo,
modificou muito a sua atitude. Disso daremos conta numa próxima publicação.
Notas:
1 “de família aristocrata”. Esta
afirmação não tem fundamento. Será talvez confusão originada pela atribuída origem
aristocrática da esposa.
Sem comentários:
Enviar um comentário