Mosteiro de Tresói
Deixamos aqui a transcrição de um texto referente à origem da povoação de Tresói, que consta do livro Jardim de Portugal, publicado em 1626. Tentamos manter o texto original, procurando que seja compreensível.
Recompilado novamente de vários, e graves autores, pelo
Padre Doutor Frei Luís dos Anjos Religioso,
e Cronista da Ordem de nosso Padre Santo Agostinho, natural da Cidade do Porto.
Contém boa
lição para mulheres, exemplos para Pregadores, motivos para devotos, e para os
amigos de histórias muito antigas e modernas.
Nicolao Carvalho,
impressor d’el Rei. Coimbra, 1626
(Pg 155- 158)
58- Dona Sancha Virgem, pertence a Coimbra
Foi filha do Conde Dom Reimão de borgonha,
6a de sua mulher Dona Urraca, os quais governaram este Reino de Portugal, antes
de ser dado ao Conde dom Henrique, pai d’el-rei Dom Afonso Henriques: como logo
constar ade uma doação que fizeram á Sé de Coimbra.
Fazem menção desta mui ilustre serva de
Deus certas memórias do real mosteiro de santa Cruz da mesma cidade, nesta
forma: Dona Urraca foi casada com o Conde Dom Romão e houveram uma filha por
nome Dona Sancha, a qual amando a virgindade nunca quis casar, e foi-se a
Jerusalém em Romaria, e estando no hospital do templo, servindo os pobres com
caridade, o Senhor lhe quis fazer tão alta mercê, que lhe deu fogo novo em sua
lâmpada, em dia do Espírito Santo, e ficou alumiada pelas mão dos anjos. É
necessário para maior declaração deste milagre, saber que os Cristãos em
Jerusalém celebravam a mercê que nosso Senhor lhes tinha feito do sacramento do
Batismo, que nos tempos antigos não se dava solene e geralmente, senão na
véspera de Páscoa, e do Pentecostes; e assim eram estas vigílias muito
solenizadas com lumes significadores do
lume da fé que recebemos pelo Batismo: por
esta devoção vinham muitos com
suas lâmpadas ou círios à igreja, onde se faziam ordinariamente pregações em louvor do santo batismo, das
quais estão algumas entre as de São Cirilo Jerosolimitano, e são chamadas dos
santos lumes, e o mesmo titulo tem a que é trinta e nove entre as de São Gregório Nazianzeno; não por
respeito do batismo de Cristo senhor nosso, que se celebrava também com lumes,
o que nota Baronio no Martirológio Romano, nem por respeito da festa de Nossa
Senhora das Candeias, o que disse Bilio nas notas a São Gregório Naziazeno;
senão por respeito dos lumes, com que os fiéis celebram o benefício do batismo,
que nosso Senhor lhes fez nesta vida, como se colhe em algum modo das mesmas
homilias, e claramente o escreve Dom José Vicente no livro que fez das
cerimónias do batismo: esta devoção de celebrar um Cristão o dia do seu
nascimento na igreja, é de grande mérito diante de Deus, que a confirmou com este
notável milagre de se acender a lâmpada por ministério dos anjos enterrassem a
virgem Dona Sancha, que contamos entre as nossas Portuguesas; por quanto seu
pai, e mãe governaram nosso Portugal, e é muito possível, que a houvessem e
criassem em Coimbra, onde achamos memória dela, e como deram à santa Sé da
mesma cidade aquela doação da Vacariça, sendo Bispo Dom Crescónio, a qual está
no arquivo da mesma Sé, com estas palavras: Em tempo deste Prelado governou o
Reino de Portugal Dom Reimão Conde de Borgonha, irmão de Guido Arcebispo de
Viena, que depois foi Arcebispo de Compostela, e Papa chamado Calisto, e com
ele casou el Rei dom Afonso sua filha primogénita herdeira dos Reinos de
Castela, e lhe deu o governo dos Reinos de Portugal, e Galiza, que teve muitos
anos, o qual no tempo deste prelado Dom Crescónio, fez a doação à Sé de um
Mosteiro de Frades que estava na Vacariça, da invocação de São Salvador, e São
Vicente, e seus sócios Mártires, o qual tinha muitas igrejas, e outros
mosteiros sufragâneos que estavam debaixo da sua obediência, como era um Mosteiro em Trasoy, e o Mosteiro de
Lamedo, outro em Soule, e outro em Roças, outro em Leça, outro em Sever, da
invocação de Santo André: e destes Mosteiros agora não há nenhuma memória. Era
também deste Mosteiro da Vacariça a igreja de São Salvador desta cidade: tinha
muitas vilas, e lugares muito ricos, como eram a vila de Monsarros, em que
estava a igreja de São Cucufate, Sangalhos, Barrô, Morangos, Tamengos, Arsa,
Aguira, Ventosa, Antes, Alfafar, Murtede, Freixenedo, Vimieira, Canelas, Luso,
Castelãos, Ílhavo, e Recardães, Nespereira, Carvalhais, Seixazelo, Negrelos,
Tarouquela, Ferariolos, Vilacide, Quintanela, salgueiro, Ricaredo, Crestelo,
Aveiro: e no Bispado do Porto tinha a vila de Vilpilhares, Vilacide junto das
terras de Santa Maria, os Casais, e terras de Sever, as vilas de Pedroso e
Escapães, e a vila de Leça com sua foz. Eis aqui quão rico era antigamente o
Mosteiro da Vacariça, de que fiz tão grande menção por duas causas, a principal
porque a deu à Sé de Coimbra o pai da virgem Dona Sancha tão amiga dos pobres,
que os foi servir ao hospital de Jerusalém, e tão excelente na fé, que viu
milagrosamente acesa a lâmpada, com que a testificou entre muitos outros fiéis.
A outra, por quanto agora este Mosteiro da Vacariça é um Priorado muito nobre,
o qual pertence a este Real Colégio de Nossa Senhora da Graça de Coimbra, por
benefício di ilustríssimo Bispo dela Dom João Soarez Religioso daa Ordem de
nosso Padre Santo Agostinho, que no-lo deu com algumas obrigações, e neste
mesmo Colégio fiz este jardim, para glória de Deus nosso senhor, que seja
sempre louvado. Amen
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