segunda-feira, 8 de maio de 2017

A campanha das eleições
 
presidenciais de 1949
 
Em 1949, na ressaca da derrota de Hitler, de que o Estado Novo era um apoiante encapotado, surgiu pela primeira vez a hipótese de alguma propaganda da oposição, embora condicionada, e com  grandes entraves à possibilidade de discutir eleitoralmente a legitimidade do regime, tanto que a Oposição acabou por não  ir às urnas. 
Em Mortágua, a Oposição não deixou de marcar a sua posição política, realizando sessões de propaganda. Por sua vez, as forças do regime também
defenderam aguerridamente o seu candidato e a política que vinha sendo desenvolvida.
Temos ainda o anúncio da sessão promovida pela Oposição:
 



Mas pensamos que é interessante ler a reportagem feita pela Defesa da Beira,  das duas sessões de propaganda, que transcrevemos:

Defesa da Beira,  6 de Fevereiro de 1949

O actual momento político

As eleições estão à porta.
A propaganda eleitoral a favor das candidaturas dos srs. Marechal Carmona, candidato da União Nacional e General Norton de Matos, candidato da oposição, à presidência da República, tem sido intensíssima nos dois sectores da vida política.
A luta continua acesa nos dois campos diametralmente opostos, até à vitoria final. Por todo o país se têm realizado sessões de propaganda  a favor de cada um dos ilustres candidatos.
Chegou também a vez a Mortágua de se manifestar acerca desse momento político da vida nacional.

Promovida pela Comissão concelhia de propaganda da candidatura do General sr. Norton de Matos, a qual, como dissemos é constituída pelos srs. : Abel de Oliveira, Anacleto Fernandes, dr. António Ferreira Gonçalves, Augusto de Morais Lobo, José Ferreira de Gouveia, Dr. Manuel Afonso e Tomaz da Fonseca, promoveu, também, como noticiamos no último número, uma dessas sessões de propaganda, que se realizou na tarde do último domingo, no Teatro Clube desta vila. Sala completamente cheia, notando-se a presença de algumas senhoras.
Representava a autoridade o ilustre presidente do Município, Sr. José Abreu.
A mesa constitui-se sob a presidência do sr. Tomaz da Fonseca, em substituição do ilustre democrata viseense, sr. dr. Bernardo Pais de Almeida, que o seu precário estado de saúde não permitiu que comparecesse.
É dada em primeiro lugar a palavra ao ilustre avogado de Viseu, sr. dr. Álvaro Monteiro, que a assistência acolheu com uma estridente salva de palmas.
O dr. Álvaro Monteiro, que no foro marca um papel preponderante, proferiu um brilhante discurso cheio de arrebatamento e cheio de conceitos e argumentos que não podem ser rebatidos.
Terminou por dizer que a oposição está tão unida e forte que vencerá as eleições.
O sr. dr. Vítor Hugo, que a seguir usa da palavra, profere, também, um discurso arrebatador, vibrante de entusiasmo e de confiança na vitória da Democracia, terminando por dizer:
- Nós venceremos porque somos mais e somos melhores.
Fala em seguida o dr. Mário Gomes da Silva, orador fluente e arrebatador.
Nas suas afirmações acerca do estado de decadência em que se encontra a povoação onde, pelo matrimónio, é forçado a permanecer por vezes, sofreu um aparte do ilustre representante da autoridade que ele rebateu de modo a receber da assistência uma estridente salva de palmas.
Falou ainda o capitão sr. António Correia, também de Viseu, que liga à palavra Mortágua, a palavra República. Fala em Lopes de Oliveira, nome que foi acolhido com verdadeiro entusiasmo pela assistência. Espraia-se em considerações apesar do seu bem manifesto precário estado de saúde.
O tenente sr. Anastácio José dos Santos, ainda de Viseu, é portador de alguns documentos muito curiosos, cuja doutrina nos mesmos expandida escalpela com aquela graça e chiste que são seu apanágio.
Nesta altura foi lida pelo membro da Comissão, sr. Augusto Lobo, uma carta do sr. dr. Bazílio Lopes Pereira, alegando a sua falta àquela sessão por motivo de, na mesma cruzada, se encontrar em Ponte de Lima, terra do candidato, sr. Norton de Matos.
A assembleia manifestou-se num saudação à família Lopes Pereira.
Tomaz da Fonseca levanta-se para falar, sendo substituído na presidência da Mesa, pelo sr. dr. Álvaro Monteiro. Faz várias considerações acerca do Estado Novo e cita um caso interessante passado numa carruagem do caminho de ferro, no seu recente regresso de Lisboa, entre alguns passageiros.
Refere-se a algumas passagens da sua vida política, inclusivamente àquela em que, com outros correligionários seus, foi levado à Penitenciária e mais tarde ao Aljube, como criminoso político.
Refere-se ao que, antes do 28 de Maio, o concelho havia sido dotado, citando para isso vários números do antigo semanário «Sul da Beira», que são o verdadeiro testemunho do que havia sido feito.
Por fim, o sr. dr. António Lopes Araújo, da Marmeleira, lê um vasto trabalho seu sobre estatísticas, preços antigos e preços actuais, etc., que elucidaram a assistência sobre o aumento de preços que têm sofrido todos os géneros.
A sessão foi encerrada com a leitura, pelo sr. Augusto Lobo, da seguinte

Moção :

«Os democratas e liberais do concelho de Mortágua, reunidos em sessão pública de propaganda da candidatura do sr. General Norton de Matos, manifestando a sua profunda fé nos destinos da República e na Democracia e interpretando os sentimentos da população do concelho, saúdam o sr. General Norton de Matos, afirmando-lhe a sua plena solidariedade até à vitória final.
Convidam o povo deste concelho a unir-se à voltado candidato da oposição, afim de reconquistar as liberdades perdidas e o prestígio que é devido a Portugal independente, e apoia, por digno.»

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Agora o reverso da medalha:

Como também oportunamente tínhamos anunciado, realizou-se, na quarta-feira, na mesma casa de espectáculos, uma sessão de propaganda a favor da candidatura do sr. Marechal Carmona, que foi presidida pelo ilustre presidente da Assembleia Nacional, sr. dr. Albino dos Reis, e promovida pela União Nacional.

Tanto a sala que comporta cerca de 400 pessoas, como o palco e salas contíguas, onde estavam instalados altos-falantes, se encontravam apinhadas de gente.

Na sala, muitas senhoras.

Encontravam-se presentes os srs.: Governador Civil do Distrito, Director Escolar e outras entidades, que tomaram lugar no palco, onde uma bandeira Nacional, a todo o fundo, se ostentava.

A verdade – é justo que se diga e nós não sabemos mentir – é que aquela sessão foi uma grandiosa manifestação de fé nacionalista.

A ela assistimos, para esse fim convidados, na qualidade de correspondente deste jornal.

O primeiro orador a usar da palavra foi o presidente da União Nacional concelhia e gerente do Grémio da Lavoura, sr. Artur Leitão, que dirigiu uma saudação ao presidente da Mesa.

O sr. Artur Leitão, num bem burilado discurso, no qual demonstrou as suas qualidades de inteligência, defendeu os Grémios da Lavoura das injustas acusações de que têm sido alvo, fazendo uma acusação cerrada àqueles que procuram desprestigiar a sua acção.

Falou o professor aposentado, sr. Júlio Simões de Jesus e Cunha, que disse o que pensava do próximo acto eleitoral, espraiando-se depois em considerações de carácter internacional.

O sr. José Simões Cordeiro, sócio da firma bancária «Abreu, Filho e Cª.», cujas palavras provocaram ruidosas manifestações na assistência, prestou homenagem aos dirigentes dos Grémios e declarou que se orgulha de ser republicano.

Ouviram-se vivas ao Estado Novo, a Carmona e Salazar.

Segue-se o professor, sr. António Tomaz da Conceição, que fez a apologia do Governo, aconselhando todos a votarem no sr. Marechal Carmona.

O sr. dr. Abel Festas Cancela de Abreu, ligado a Mortágua por laços de família, faz também judiciosas considerações sobre o próximo acto eleitoral, propondo que fosse enviado um telegrama de saudação ao sr. Presidente da República, terminando por erguer um viva ao concelho de Mortágua.

O Sub-delegado de Saúde, sr. dr. Assis e Santos, fez uma larga dissertação acerca da situação política actual, manifestando a sua crença inabalável na vitória do sr. Marechal Carmona, aconselhando o eleitorado do concelho a votar nesse ilustre candidato.

Falou também o estudante de Medicina, do 4º ano da Universidade, sr. dr. Nicolau de Castro, e por fim o presidente do Município, sr. José Abreu, a quem não são negados os seus esforços desenvolvidos em prol do concelho, que rebateu afirmações feitas pelos oradores oposicionistas na sessão de propaganda que foi realizada no último domingo, e à qual nos referimos também.

Falou ainda o sr. Igrejas Bastos, Delegado do Instituto Nacional do Trabalho, em Coimbra, e o ilustre presidente da Mesa encerrou a sessão com algumas palavras que provocaram uma geral ovação, repetindo-se os vivas a Carmona e a Salazar.

 

 

 

 

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