A campanha das eleições
presidenciais de 1949
Em 1949, na ressaca da derrota de Hitler, de que o Estado Novo era um apoiante encapotado, surgiu pela primeira vez a hipótese de alguma propaganda da oposição, embora condicionada, e com grandes entraves à possibilidade de discutir eleitoralmente a legitimidade do regime, tanto que a Oposição acabou por não ir às urnas.
Em Mortágua, a Oposição não deixou de marcar a sua posição política, realizando sessões de propaganda. Por sua vez, as forças do regime também
defenderam aguerridamente o seu candidato e a política que vinha sendo desenvolvida.
Temos ainda o anúncio da sessão promovida pela Oposição:
Mas pensamos que é interessante ler a reportagem feita pela Defesa da Beira, das duas sessões de propaganda, que transcrevemos:
Defesa da Beira, 6 de
Fevereiro de 1949
O
actual momento político
As
eleições estão à porta.
A
propaganda eleitoral a favor das candidaturas dos srs. Marechal Carmona,
candidato da União Nacional e General Norton de Matos, candidato da oposição, à
presidência da República, tem sido intensíssima nos dois sectores da vida
política.
A luta
continua acesa nos dois campos diametralmente opostos, até à vitoria final. Por
todo o país se têm realizado sessões de propaganda a favor de cada um dos ilustres candidatos.
Chegou
também a vez a Mortágua de se manifestar acerca desse momento político da vida
nacional.
Promovida
pela Comissão concelhia de propaganda da candidatura do General sr. Norton de
Matos, a qual, como dissemos é constituída pelos srs. : Abel de Oliveira,
Anacleto Fernandes, dr. António Ferreira Gonçalves, Augusto de Morais Lobo,
José Ferreira de Gouveia, Dr. Manuel Afonso e Tomaz da Fonseca, promoveu,
também, como noticiamos no último número, uma dessas sessões de propaganda, que
se realizou na tarde do último domingo, no Teatro Clube desta vila. Sala
completamente cheia, notando-se a presença de algumas senhoras.
Representava
a autoridade o ilustre presidente do Município, Sr. José Abreu.
A mesa
constitui-se sob a presidência do sr. Tomaz da Fonseca, em substituição do
ilustre democrata viseense, sr. dr. Bernardo Pais de Almeida, que o seu
precário estado de saúde não permitiu que comparecesse.
É dada
em primeiro lugar a palavra ao ilustre avogado de Viseu, sr. dr. Álvaro
Monteiro, que a assistência acolheu com uma estridente salva de palmas.
O dr.
Álvaro Monteiro, que no foro marca um papel preponderante, proferiu um
brilhante discurso cheio de arrebatamento e cheio de conceitos e argumentos que
não podem ser rebatidos.
Terminou
por dizer que a oposição está tão unida e forte que vencerá as eleições.
O sr.
dr. Vítor Hugo, que a seguir usa da palavra, profere, também, um discurso
arrebatador, vibrante de entusiasmo e de confiança na vitória da Democracia,
terminando por dizer:
- Nós
venceremos porque somos mais e somos melhores.
Fala em
seguida o dr. Mário Gomes da Silva, orador fluente e arrebatador.
Nas
suas afirmações acerca do estado de decadência em que se encontra a povoação
onde, pelo matrimónio, é forçado a permanecer por vezes, sofreu um aparte do
ilustre representante da autoridade que ele rebateu de modo a receber da
assistência uma estridente salva de palmas.
Falou
ainda o capitão sr. António Correia, também de Viseu, que liga à palavra
Mortágua, a palavra República. Fala em Lopes de Oliveira, nome que foi acolhido
com verdadeiro entusiasmo pela assistência. Espraia-se em considerações apesar
do seu bem manifesto precário estado de saúde.
O
tenente sr. Anastácio José dos Santos, ainda de Viseu, é portador de alguns
documentos muito curiosos, cuja doutrina nos mesmos expandida escalpela com
aquela graça e chiste que são seu apanágio.
Nesta
altura foi lida pelo membro da Comissão, sr. Augusto Lobo, uma carta do sr. dr.
Bazílio Lopes Pereira, alegando a sua falta àquela sessão por motivo de, na mesma
cruzada, se encontrar em Ponte de Lima, terra do candidato, sr. Norton de
Matos.
A
assembleia manifestou-se num saudação à família Lopes Pereira.
Tomaz
da Fonseca levanta-se para falar, sendo substituído na presidência da Mesa,
pelo sr. dr. Álvaro Monteiro. Faz várias considerações acerca do Estado Novo e
cita um caso interessante passado numa carruagem do caminho de ferro, no seu
recente regresso de Lisboa, entre alguns passageiros.
Refere-se
a algumas passagens da sua vida política, inclusivamente àquela em que, com
outros correligionários seus, foi levado à Penitenciária e mais tarde ao
Aljube, como criminoso político.
Refere-se
ao que, antes do 28 de Maio, o concelho havia sido dotado, citando para isso
vários números do antigo semanário «Sul da Beira», que são o verdadeiro
testemunho do que havia sido feito.
Por fim,
o sr. dr. António Lopes Araújo, da Marmeleira, lê um vasto trabalho seu sobre
estatísticas, preços antigos e preços actuais, etc., que elucidaram a
assistência sobre o aumento de preços que têm sofrido todos os géneros.
A
sessão foi encerrada com a leitura, pelo sr. Augusto Lobo, da seguinte
Moção :
«Os
democratas e liberais do concelho de Mortágua, reunidos em sessão pública de
propaganda da candidatura do sr. General Norton de Matos, manifestando a sua
profunda fé nos destinos da República e na Democracia e interpretando os
sentimentos da população do concelho, saúdam o sr. General Norton de Matos,
afirmando-lhe a sua plena solidariedade até à vitória final.
Convidam
o povo deste concelho a unir-se à voltado candidato da oposição, afim de
reconquistar as liberdades perdidas e o prestígio que é devido a Portugal
independente, e apoia, por digno.»
*
* *
Agora o
reverso da medalha:
Como também oportunamente tínhamos
anunciado, realizou-se, na quarta-feira, na mesma casa de espectáculos, uma
sessão de propaganda a favor da candidatura do sr. Marechal Carmona, que foi
presidida pelo ilustre presidente da Assembleia Nacional, sr. dr. Albino dos
Reis, e promovida pela União Nacional.
Tanto a sala que comporta cerca de 400
pessoas, como o palco e salas contíguas, onde estavam instalados
altos-falantes, se encontravam apinhadas de gente.
Na sala, muitas senhoras.
Encontravam-se presentes os srs.:
Governador Civil do Distrito, Director Escolar e outras entidades, que tomaram
lugar no palco, onde uma bandeira Nacional, a todo o fundo, se ostentava.
A verdade – é justo que se diga e nós não
sabemos mentir – é que aquela sessão foi uma grandiosa manifestação de fé
nacionalista.
A ela assistimos, para esse fim convidados,
na qualidade de correspondente deste jornal.
O primeiro orador a usar da palavra foi o
presidente da União Nacional concelhia e gerente do Grémio da Lavoura, sr.
Artur Leitão, que dirigiu uma saudação ao presidente da Mesa.
O sr. Artur Leitão, num bem burilado
discurso, no qual demonstrou as suas qualidades de inteligência, defendeu os
Grémios da Lavoura das injustas acusações de que têm sido alvo, fazendo uma
acusação cerrada àqueles que procuram desprestigiar a sua acção.
Falou o professor aposentado, sr. Júlio
Simões de Jesus e Cunha, que disse o que pensava do próximo acto eleitoral,
espraiando-se depois em considerações de carácter internacional.
O sr. José Simões Cordeiro, sócio da firma
bancária «Abreu, Filho e Cª.», cujas palavras provocaram ruidosas manifestações
na assistência, prestou homenagem aos dirigentes dos Grémios e declarou que se
orgulha de ser republicano.
Ouviram-se vivas ao Estado Novo, a Carmona
e Salazar.
Segue-se o professor, sr. António Tomaz da
Conceição, que fez a apologia do Governo, aconselhando todos a votarem no sr.
Marechal Carmona.
O sr. dr. Abel Festas Cancela de Abreu,
ligado a Mortágua por laços de família, faz também judiciosas considerações
sobre o próximo acto eleitoral, propondo que fosse enviado um telegrama de
saudação ao sr. Presidente da República, terminando por erguer um viva ao
concelho de Mortágua.
O Sub-delegado de Saúde, sr. dr. Assis e
Santos, fez uma larga dissertação acerca da situação política actual,
manifestando a sua crença inabalável na vitória do sr. Marechal Carmona,
aconselhando o eleitorado do concelho a votar nesse ilustre candidato.
Falou também o estudante de Medicina, do 4º
ano da Universidade, sr. dr. Nicolau de Castro, e por fim o presidente do
Município, sr. José Abreu, a quem não são negados os seus esforços
desenvolvidos em prol do concelho, que rebateu afirmações feitas pelos oradores
oposicionistas na sessão de propaganda que foi realizada no último domingo, e à
qual nos referimos também.
Falou ainda o sr. Igrejas Bastos, Delegado
do Instituto Nacional do Trabalho, em Coimbra, e o ilustre presidente da Mesa
encerrou a sessão com algumas palavras que provocaram uma geral ovação,
repetindo-se os vivas a Carmona e a Salazar.
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