Já
aqui falamos de Nuno Cruz e das sua ligações à Marmeleira e a Basílio Lopes
Pereira. Referimos que esteve presente na
Marmeleira em 9 de Fevereiro de 1913, quando se realizou a primeira
conferência do CDEP (Centro Democrático de Educação Popular); O jornal “Sul da Beira” de 13 de Fevereiro de 1913
descreve o acontecimento, e assinala que se efectuou a primeira Festa da
Árvore, ao gosto da tradição republicana , onde “Por ultimo, o sr. Nuno Cruz, distinto aluno do 2º ano da
Universidade, lê uma brilhante alocução
alusiva à arvore….”
O
jornal Sol Nascente de 12 de Abril de 1914, noticia: “Encontra-se na Marmeleira a passar as ferias da Paschoa em nossa casa o
académico do 3º ano de Direito da Universidade de Coimbra, Nuno Cruz. “
Finalmente o nº 10 do Sol Nascente, de 29 de Novembro de 1914, publica um soneto, Missa Pagã, e um conto O carvalho dos Franceses, ambos da autoria de Nuno Cruz.
Pois este
jovem republicano que passava férias na Marmeleira viria a ser uma figura
importante da resistência armada ao Estado Novo, mas começaremos alguns anos
atrás.
Pela
documentação existente no Arquivo Histórico Militar, sobre o 1º Corpo
Expedicionário Português ficamos a saber que, como Alferes miliciano, embarcou de
Lisboa a 14 de Março de 1914, e desembarcou
em Lisboa a 3 de Abril de 1919.
Foi
gazeado em combate no dia 6 de Janeiro
de 1918, e “Louvado , em 15 do mesmo mês , pelo comandante de Artilharia da 2ª
Guarnição, pelo zelo, interesse e dedicação pelo serviço que manifestou
persistindo em não abandonar a sua Bataria, apesar de visíveis sintomas de ter
sido intoxicado pelos gases em 6 do corrente pondo acima da sua saúde o
interesse pelo serviço que pela sua baixa a ambulância seria bem prejudicado.”
No
mesmo ano seria “Louvado em 28/6/1918
pelo General Comandante da 2ª D. porque no combate de 9 de Abril do corrente
ano pela coragem de que dá provas não abandonando a sua peça mesmo quando ela
se encravou e auxiliando o serviço da guarnição quando devido ao intenso
bombardeamento de gases algum pessoal conseguindo com o seu exemplo insuflar
nova energia na sua guarnição O.S. da 2ª D. nº174”
PT
AHM-DIV-1-35A-1-05-1412
***
Não sabemos da
sua actividade até 1926, mas certamente que permaneceu na vida militar porque
nesse ano é como capitão que apoia o Golpe Militar de 28 de Maio, acreditando que traria uma
moralização da política nacional.
Nesse apoio
convergiram agentes muito diversos, além das figuras de proa mais conhecidas.
Irene
Pimentel resume-os, de forma exemplar na sua comunicação intitulada “A Ditadura Militar: a tomada de poder e os
instrumentos de repressão”:
“Entre os militares que apoiaram inicialmente o golpe
de Estado, contaram-se os do «tenentismo» fascizante, que incluía os oficiais
Assis Gonçalves, futuro secretário de Salazar, Humberto Delgado, Henrique
Galvão, David Neto e Pereira de Carvalho.
– Outros dos que aderiram ao golpe foram os militares
de alta patente Quintão Meireles, Nuno Cruz, Alfredo Chaves, Tudela Vasconcelos
e Pedro Almeida, que mais tarde alinhariam na oposição ao regime.
Apoiantes do golpe foram ainda os
elementos da direita republicana, em particular da União Liberal Republicana,
de Cunha Leal. O golpe contou ainda com a
neutralidade de quase todas as outras forças políticas, todas adversárias do
Partido Democrático de António Maria da Silva.
Por seu lado, o presidente da República Bernardino Machado decidiu-se
pela «transferência
legal» dos poderes ao almirante Mendes Cabeçadas, em troca do respeito pela
«legalidade constitucional».
O mesmo jornal apresenta uma entrevista com o título “O
movimento é nacional e republicano dizem-nos
dois oficiais revoltosos.”
« Os
capitães srs. Cruz e Galhardo com quem falámos no Governo Civil disseram-nos: -
O movimento é nacional e retintamente republicano. Só entramos no movimento
depois de ter sido tomado o compromisso solene de que ele não teria caracter
partidário, mas seria republicano.
-
Fins?
-
Sanear, pela moralização, a administração publica, governando por forma a ser
dada solução aos mais instantes problemas nacionais.
Nesta
ocasião entrou um coronel reformado que depois de felicitar os seus camaradas
pela sua atitude disse:
-
Digam depois que o exército o que quer é dinheiro?!
-
Não há duvida – responderam os nossos entrevistados.
- A
ocasião saiu propícia… Não faltava já quem insinuasse que nós nos não
pronunciaríamos porque nos aumentaram as gratificações. Os factos porém falam
por si.
E
com esta frase despedimo-nos dos capitães Cruz e Galhardo.»
Este entusiasmo
inicial não duraria muito. Cedo começaram a perceber que as suas expectativas
nada tinham a ver com o rumo que as coisas levavam. Os sectores monárquicos e
de extrema direita logo começaram a apoderar-se
do aparelho de Estado, afastando, prendendo e exilando alguns dos iniciais aderentes ao
golpe.
E assim começou
uma série de revoltas que se iniciaram logo em 1927 com a chamada Revolução de
Fevereiro, que decorreu entre 3 e 9 de Fevereiro, em Lisboa e no Porto.
Diz-nos António
Ventura, no livro Uma História da
Maçonaria em Portugal:
« A sublevação de dia 3 de fevereiro, no Porto, foi chefiada
pelo general Adalberto Gastão de Sousa Dias, que não era maçom, contrariamente
a outros destacados protagonistas da revolta: o capitão de fragata Jaime
Alberto de Castro Morais, os capitães Nuno Cerqueira Machado Cruz e Inácio
Severino, Jaime Cortesão e José Domingues dos Santos.»
Logo no ano
seguinte em 20 Julho de 1928, houve novo movimento revolucionário, que ficou
conhecido por Revolta do Castelo, devido ao facto de aí se situar o regimento
de Caçadores 7, de onde partiu a revolta, que foi rapidamente desmantelada.
Estas derrotas,
seguidas de medidas repressivas, levaram a um certo refluxo durante 1929 e
1930.
Mas no jornal Correio da Manhã de 13 de Dezembro de
1930, encontramos a seguinte notícia:
«UM COMPLOT EM PORTUGAL
Lisboa
, 12(Associated Press) – A polícia prendeu Victor da Conceição, funcionário do
Departamento de Comércio, que havia escondido três caixas de bombas.
Eduardo
Augusto Costa, entregador de registrados de uma secção do Ministério do
Comércio, António Joaquim Pires e António Lima Ribeiro, funcionários daquele
Ministério, foram declarados responsáveis pela existência de material bélico,
do mesmo modo apreendido em poder deles.
A
polícia também apanhou grande quantidade de munições, cujo dono é desconhecido,
mas que se presume pertencer ao ex-capitão Nuno Cruz. »
Em 1931
ressurgiu a revolta, inicialmente na Madeira, em Abril, e que depois se estendeu
aos Açores, onde o Basílio Lopes Pereira participou activamente. Ficou
conhecida por Revolta das Ilhas e acabou esmagada como as anteriores.
A 26 de Agosto
de 1931 é desencadeado um novo movimento
revolucionário que tem como figura central o coronel Hélder Ribeiro, com o
apoio da Liga de Paris e a implicação de muitos oficiais superiores e quadros
políticos civis, que não chegaram ao conhecimento
público.
Segundo
afirma Francisco Lopes Melo no artigo 1931:
O ano de todas as revoltas, foi deixada
de fora “uma importante rede
conspirativa do centro do país, centrada sobre as unidades militares da III
Região (Tomar, Abrantes, Torres Novas, Santarém, Castelo Branco), liderada
pelos tenentes Alexandrino dos Santos e Oliveira Pio”, e
“
no norte do país a rede revolucionária parece ter sido apanhada de surpresa com
o movimento de 26 de Agosto, tendo reunido já no dia da revolta o Comité
Revolucionário do Norte, com a participação de Basílio Lopes Pereira, há pouco
chegado da Madeira, o capitão Nuno Cruz, o professor António Ferreira da Costa
entre outros.”
Mais uma vez
mal sucedidas, estas rebeliões pouco interesse ou simpatia despertaram na
população urbana, cansada de conflitos,
mortes e perseguições, e a braços com a crise económica.
No início
do ano de 1933, A Polícia de Defesa Política e Social conseguiu decapitar toda a resistência, a
atuar a centro e norte do país, prendendo
o capitão Nuno Cruz e outros
reviralhistas e apreendendo armamento abundante, procedente de Espanha. Pouco depois
desarticulava a rede civil e militar, composta de antigos sindicalistas e
funcionários públicos. Também em Lisboa , é apreendido armamento, composto por
milhares de granadas, morteiros, armas e cartuchos.
O capitão
Nuno Cruz, o Tenente Pio, o comerciante Barreto Monteiro foram julgados em Maio
de 1933 pelo Tribunal Militar Especial e condenados a desterro a fixar pelo
Governo, ficando entretanto presos na Cadeia da Relação do Porto, com o aviso
da polícia política de serem “elementos perigosos”.
Basílio Lopes Pereira terá
concebido um plano de fuga, que resultou em pleno. O famoso “Silva da Madeira”,
operacional ligado à organização de Basílio (AAA), acompanhado de outros
elementos apresentou-se na Cadeia da Relação munido de documentos falsificados,
entre os quais um “mandado de condução” para levarem os citados presos para prestar
declarações. E foram de tal modo convincentes que não levantaram qualquer
suspeita durante várias horas.
O capitão Nuno Cruz foi para o
exílio em Madrid, onde faleceu no dia 29 de Dezembro de 1934.
***
A sua lucidez leva-o a
produzir declarações um tanto imprevisíveis, como nos relata Luís Manuel do
Carmo Farinha no livro O Reviralho: revoltas republicanas contra a
ditadura e o Estado Novo (1926-1940) :
« Já numa altura bastante tardia e numa atitude que nem
sequer parece ter sido muito comum entre os Reviralhistas, o capitão Nuno Cruz,
reconhecendo que apesar do maior empenhamento " nunca fora possível juntar forças militares bastantes para
vencer ", inquietava-se ainda com "
a dolorosa verdade em que muitos se recusam a crer, sendo sempre mais fácil
procurar as causas do insucesso nas fraquezas do nosso campo, que gostosamente
se espiolham, do que na força do inimigo, que sempre ao nosso orgulho custam a
reconhecer “( ANTT, Proc.127/33,f.50 ).»
***
Para finalizar, informamos que a segunda esposa de Basílio Lopes Pereira,
Delfina Cerqueira Machado Cruz, era irmã do capitão Nuno Cruz.
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