quarta-feira, 17 de maio de 2017


Nuno Cerqueira Machado Cruz -2

Já aqui falamos de Nuno Cruz e das sua ligações à Marmeleira e a Basílio Lopes Pereira. Referimos que  esteve presente na Marmeleira em 9 de Fevereiro de 1913, quando se  realizou a primeira conferência do CDEP (Centro Democrático de Educação Popular); O jornal “Sul da Beira” de 13 de Fevereiro de 1913 descreve o acontecimento, e assinala que se efectuou a primeira Festa da Árvore, ao gosto da tradição republicana , onde  Por ultimo, o sr. Nuno Cruz, distinto aluno do 2º ano da Universidade,  lê uma brilhante alocução alusiva à arvore….”

O jornal Sol Nascente de 12 de Abril de 1914, noticia:  Encontra-se na Marmeleira a passar as ferias da Paschoa em nossa casa o académico do 3º ano de Direito da Universidade de Coimbra, Nuno Cruz.          

Finalmente o nº 10 do Sol Nascente, de 29 de Novembro de 1914, publica um soneto, Missa Pagã,  e um conto O carvalho dos Franceses, ambos da autoria de Nuno Cruz.

Pois este jovem republicano que passava férias na Marmeleira viria a ser uma figura importante da resistência armada ao Estado Novo, mas começaremos alguns anos atrás.

Pela documentação existente no Arquivo Histórico Militar, sobre o 1º Corpo Expedicionário Português ficamos a saber que, como Alferes miliciano, embarcou de Lisboa a 14 de Março de 1914, e desembarcou em Lisboa a 3 de Abril de 1919.

Foi  gazeado em combate no dia 6 de Janeiro de 1918, e  “Louvado , em 15 do mesmo mês , pelo comandante de Artilharia da 2ª Guarnição, pelo zelo, interesse e dedicação pelo serviço que manifestou persistindo em não abandonar a sua Bataria, apesar de visíveis sintomas de ter sido intoxicado pelos gases em 6 do corrente pondo acima da sua saúde o interesse pelo serviço que pela sua baixa a ambulância seria bem prejudicado.”

No mesmo ano seria “Louvado em 28/6/1918 pelo General Comandante da 2ª D. porque no combate de 9 de Abril do corrente ano pela coragem de que dá provas não abandonando a sua peça mesmo quando ela se encravou e auxiliando o serviço da guarnição quando devido ao intenso bombardeamento de gases algum pessoal conseguindo com o seu exemplo insuflar nova energia na sua guarnição O.S. da 2ª D. nº174”

PT AHM-DIV-1-35A-1-05-1412

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Não sabemos da sua actividade até 1926, mas certamente que permaneceu na vida militar porque nesse ano é como capitão que apoia o Golpe Militar  de 28 de Maio,  acreditando que traria uma moralização da política nacional.

Nesse apoio convergiram agentes muito diversos, além das figuras de proa mais conhecidas.

Irene Pimentel resume-os, de forma exemplar na sua comunicação intitulada “A Ditadura Militar: a tomada de poder e os instrumentos de repressão”:

Entre os militares que apoiaram inicialmente o golpe de Estado, contaram-se os do «tenentismo» fascizante, que incluía os oficiais Assis Gonçalves, futuro secretário de Salazar, Humberto Delgado, Henrique Galvão, David Neto e Pereira de Carvalho.

– Outros dos que aderiram ao golpe foram os militares de alta patente Quintão Meireles, Nuno Cruz, Alfredo Chaves, Tudela Vasconcelos e Pedro Almeida, que mais tarde alinhariam na oposição ao regime.

Apoiantes do golpe foram ainda os elementos da direita republicana, em particular da União Liberal Republicana, de Cunha Leal. O golpe contou ainda com a neutralidade de quase todas as outras forças políticas, todas adversárias do Partido Democrático de António Maria da Silva.

Por seu lado, o presidente da República Bernardino Machado decidiu-se pela «transferência legal» dos poderes ao almirante Mendes Cabeçadas, em troca do respeito pela «legalidade constitucional».


 
A Gazeta de Coimbra de 29 de Maio de 1926 relata as movimentações militares “ Às 2 horas, duas forças de infantaria 35, vindo pelas ruas Direita e da Moeda, sob o comando do capitão Cruz, pararam na Praça 8 de maio, tomando a estação telegráfica.”. E mais adiante “O capitão Cruz retrocedeu, seguindo pela rua Ferreira Borges e dirigindo-se para o governo civil do qual tomou conta, ocupando também a 1ª esquadra de polícia.”

O mesmo jornal apresenta uma entrevista com o título “O movimento é nacional e republicano dizem-nos dois oficiais revoltosos.”

« Os capitães srs. Cruz e Galhardo com quem falámos no Governo Civil disseram-nos: - O movimento é nacional e retintamente republicano. Só entramos no movimento depois de ter sido tomado o compromisso solene de que ele não teria caracter partidário, mas seria republicano.

- Fins?

- Sanear, pela moralização, a administração publica, governando por forma a ser dada solução aos mais instantes problemas nacionais.

Nesta ocasião entrou um coronel reformado que depois de felicitar os seus camaradas pela sua atitude disse:

- Digam depois que o exército o que quer é dinheiro?!

- Não há duvida – responderam os nossos entrevistados.

- A ocasião saiu propícia… Não faltava já quem insinuasse que nós nos não pronunciaríamos porque nos aumentaram as gratificações. Os factos porém falam por si.

E com esta frase despedimo-nos dos capitães Cruz e Galhardo.»

 

Este entusiasmo inicial não duraria muito. Cedo começaram a perceber que as suas expectativas nada tinham a ver com o rumo que as coisas levavam. Os sectores monárquicos e de extrema direita logo começaram a apoderar-se  do aparelho de Estado, afastando, prendendo e  exilando alguns dos iniciais aderentes ao golpe.

E assim começou uma série de revoltas que se iniciaram logo em 1927 com a chamada Revolução de Fevereiro, que decorreu entre 3 e 9 de Fevereiro, em Lisboa e no Porto.

Diz-nos António Ventura, no livro Uma História da Maçonaria em Portugal:

« A sublevação de dia 3 de fevereiro, no Porto, foi chefiada pelo general Adalberto Gastão de Sousa Dias, que não era maçom, contrariamente a outros destacados protagonistas da revolta: o capitão de fragata Jaime Alberto de Castro Morais, os capitães Nuno Cerqueira Machado Cruz e Inácio Severino, Jaime Cortesão e José Domingues dos Santos

 

Logo no ano seguinte em 20 Julho de 1928, houve novo movimento revolucionário, que ficou conhecido por Revolta do Castelo, devido ao facto de aí se situar o regimento de Caçadores 7, de onde partiu a revolta, que foi rapidamente desmantelada.

Estas derrotas, seguidas de medidas repressivas, levaram a um certo refluxo durante 1929 e 1930.

Mas no jornal Correio da Manhã de 13 de Dezembro de 1930, encontramos a seguinte notícia:

«UM COMPLOT EM PORTUGAL

Lisboa , 12(Associated Press) – A polícia prendeu Victor da Conceição, funcionário do Departamento de Comércio, que havia escondido três caixas de bombas.

Eduardo Augusto Costa, entregador de registrados de uma secção do Ministério do Comércio, António Joaquim Pires e António Lima Ribeiro, funcionários daquele Ministério, foram declarados responsáveis pela existência de material bélico, do mesmo modo apreendido em poder deles.
A polícia também apanhou grande quantidade de munições, cujo dono é desconhecido, mas que se presume pertencer ao ex-capitão Nuno Cruz. »

Em 1931 ressurgiu a revolta, inicialmente na Madeira, em Abril, e que depois se estendeu aos Açores, onde o Basílio Lopes Pereira participou activamente. Ficou conhecida por Revolta das Ilhas e acabou esmagada como as anteriores.

A 26 de Agosto de 1931  é desencadeado um novo movimento revolucionário que tem como figura central o coronel Hélder Ribeiro, com o apoio da Liga de Paris e a implicação de muitos oficiais superiores e quadros políticos civis, que  não chegaram ao conhecimento público. Segundo afirma Francisco Lopes Melo no artigo 1931: O ano de todas as revoltas, foi deixada  de fora “uma importante rede conspirativa do centro do país, centrada sobre as unidades militares da III Região (Tomar, Abrantes, Torres Novas, Santarém, Castelo Branco), liderada pelos tenentes Alexandrino dos Santos e Oliveira Pio”, e

“ no norte do país a rede revolucionária parece ter sido apanhada de surpresa com o movimento de 26 de Agosto, tendo reunido já no dia da revolta o Comité Revolucionário do Norte, com a participação de Basílio Lopes Pereira, há pouco chegado da Madeira, o capitão Nuno Cruz, o professor António Ferreira da Costa entre outros.”

Mais uma vez mal sucedidas, estas rebeliões pouco interesse ou simpatia despertaram na população urbana, cansada de  conflitos, mortes e perseguições, e a braços com a crise económica.

No início do ano de 1933, A Polícia de Defesa Política e Social  conseguiu decapitar toda a resistência, a atuar a centro e norte do país, prendendo o capitão Nuno Cruz e outros reviralhistas e apreendendo armamento abundante, procedente de Espanha. Pouco depois desarticulava a rede civil e militar, composta de antigos sindicalistas e funcionários públicos. Também em Lisboa , é apreendido armamento, composto por milhares de granadas, morteiros, armas e cartuchos.

O capitão Nuno Cruz, o Tenente Pio, o comerciante Barreto Monteiro foram julgados em Maio de 1933 pelo Tribunal Militar Especial e condenados a desterro a fixar pelo Governo, ficando entretanto presos na Cadeia da Relação do Porto, com o aviso da polícia política de serem “elementos perigosos”. 

Basílio Lopes Pereira terá concebido um plano de fuga, que resultou em pleno. O famoso “Silva da Madeira”, operacional ligado à organização de Basílio (AAA), acompanhado de outros elementos apresentou-se na Cadeia da Relação munido de documentos falsificados, entre os quais um “mandado de condução” para levarem os citados presos para prestar declarações. E foram de tal modo convincentes que não levantaram qualquer suspeita durante várias horas.

O capitão Nuno Cruz foi para o exílio em Madrid, onde faleceu no dia 29 de Dezembro de 1934.


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A sua lucidez leva-o a produzir declarações um tanto imprevisíveis, como nos relata Luís Manuel do Carmo Farinha  no livro O Reviralho: revoltas republicanas contra a ditadura e o Estado Novo (1926-1940) :
« Já numa altura bastante tardia e numa atitude que nem sequer parece ter sido muito comum entre os Reviralhistas, o capitão Nuno Cruz, reconhecendo que apesar do maior empenhamento " nunca fora possível juntar forças militares bastantes para vencer ", inquietava-se ainda com " a dolorosa verdade em que muitos se recusam a crer, sendo sempre mais fácil procurar as causas do insucesso nas fraquezas do nosso campo, que gostosamente se espiolham, do que na força do inimigo, que sempre ao nosso orgulho custam a reconhecer “( ANTT, Proc.127/33,f.50 ).»


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Para finalizar, informamos que a segunda esposa de Basílio Lopes Pereira, Delfina Cerqueira Machado Cruz, era irmã do capitão Nuno Cruz.

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