SANTUÁRIO MARIANO - 4
Continuando a divulgação da obra de Frei Agostinho de Santa Maria, transcrevemos hoje o que escreveu sobre a Senhora da Ribeira
TITULO XCL
Da Imagem milagrosa de nossa Senhora da Ribeira , na
Freguesia de São Miguel da Marmeleira.
Tem sobre o braço esquerdo ao doce fruto do seu puríssimo ventre, a quem a Santíssima Mãe está oferecendo um raminho de frutas , como ameixas, ou cerejas.
De sua origem, e princípios não sabem dizer nada aqueles moradores; mas a mim se me representa com muita probabilidade , (com a tradição que alguns tem ; porque em Penacova me certificou uma pessoa de boa suposição, que a Senhora aparecera naquele sitio ) que esta milagrosa Imagem apareceu naquele lugar, aonde se lhe fundou uma grande , e formosa Ermida , que se aumentou mais pelo decurso dos tempos , com as maravilhas, e milagres, que a Rainha dos Anjos obrava ; e como logo em sua manifestação se fez celebre pelas maravilhas , elas deram ocasião à fundação da sua Casa ; porque a não ser assim, nem o sitio era capaz, nem a gente tão abastada, que lhe pudesse erigir Casa tão grande ; mas o modo, e as circunstancias do seu aparecimento, não é fácil de se saber. Vê-se colocada sobre um trono de Serafins, que modernamente lhe dedicou uma pessoa em acção de graças dos favores, que da mesma Senhora recebeu; porque ateando-se em sua casa uma doença maligna, que andava no lugar da Marmeleira , e pegando-se a quatro dos da sua família, que se viram em grande perigo ,ela escapou por ir visitar todos os dias a Senhora; e porque entendeu que a Mãe de Deus a livrara, e à sua família toda, sem que nenhuma dela morresse, lhe fez aquela obra, e lha dedicou.
As maravilhas, que obra Deus pela invocação desta sagrada Imagem de sua Santíssima Mãe a Senhora da Ribeira, são inumeráveis, como se está experimentando todos os dias, e o testemunham os muitos sinais, e memórias delas, que se vem pender da sua Capela. Todos a invocam em suas aflições, doenças , trabalhos , pleitos duvidosos , e em inquirições escuras, aonde por falta de clareza , e de noticias, se temem alguns descréditos em famílias; recorrendo a esta Senhora, ela pela sua piedade a todos alcança alivio, saúde, descansos; e nos trabalhosos pleitos clarezas, para que a boa fama, e reputação não padeça detrimento- E deste argumento se referem notáveis casos , e sucessos , nos quais houve pessoas , que padeciam já alguns labéus , e como favor
da Senhora se reconheceu a limpeza do seu sangue. E como esta Senhora é o símbolo de toda a pureza ; porque, como diz São Jerónimo: Quidquid in Maria gestum est ,totum puritas, totum Veritas , totum gratia fuit , sempre foi pura, e Mãe da eterna verdade ; assim não sofre, que fiquem os seus devotos padecendo, sem que se aclare esta verdade, e sem que padeça detrimento a sua boa fama.
A pessoa que nos fez esta relação, que era honrado Eclesiástico de boas letras, e suposição, refere, que sendo moço de poucos anos lhe nasceram no rosto umas verrugas, ou empolas enfadonhas, e feias ; este pelo que ouvia referir das maravilhas, que obrava a Senhora da Ribeira, se foi à sua Casa a fazer-lhe umas breves deprecações, para que o livrasse daquele cuidado , e moléstia. A Senhora o fez de forte , que no seguinte dia amanheceu livre daquele trabalho; porque nem vestígios se viram da antiga queixa que padecia.
Não há muitos anos, que um António dos Santos Ribeiro , natural do mesmo lugar da Marmeleira ,e morador hoje em Lisboa, Mercador e administrador de uma fabrica de fitas, vindo do Brasil para Lisboa com sua mulher, e filhos ; porque havia casado naquele Estado ; na barra por onde o Piloto entrou com o seu navio, sem esperar Piloto da terra , que o fosse guiar , se viu perdido ,e encalhado, e sem algumas esperanças humanas de poder escapar daquele grande perigo, pela temeridade do seu Piloto. Lembrou-se António dos Santos das maravilhas da Senhora da Ribeira, no seu lugar da Marmeleira, e invocou-a em seu favor ; e foi a Senhora servida, que o navio saísse do perigo sem perda alguma , ou detrimento da gente. Obrigado deste grande favor, que da Senhora recebera António dos Santos, mandou fazer à Senhora a tribuna, em que hoje se vê colocada, e que brevemente mandará dourar ; e também lhe mandou fazer de pedraria lavrada o arco da Capela mor; a tribuna é de muito boa talha feita ao moderno.
Outra maravilha se refere da Senhora muito mais notável, e graciosa- No lugar da Benfeita que não dista muito do da Marmeleira , havia um homem, que ainda hoje vive, chamado Ignacio Luís; era este casado com uma boa mulher , e devota da Senhora da Ribeira, que se chamava Mariana Gomes, que já é defunta. Tinha Ignacio Luís um tonel de excelente vinho ; porque o havia feito das uvas escolhidas das suas vinhas. Começou o tonel a fazer vinho por uma das cabeças; e porque este se não perdesse, meteu a mulher debaixo hum alguidar. O marido, que era homem atroz, e impaciente, vendo que o vinho não cessava de correr, todo raivoso, e cheio de cólera, deu hum pontapé no tonel , e fez que se lhe metesse uma das travessas da cabeça dentro , e se derramou todo o vinho pela casa , ou adega, que como era térrea , ficou todo o pavimento feito um mar de vinho. Foi isto sanha de vilão , como diz o Adagio; mas esta sempre traz perda na bolsa. A mulher vendo o desatino do marido, como tinha medo das suas fúrias ,e da sua terribilidade, não se atreveu a dizer coisa alguma; mas saindo pela porta fora com este sentimento , se foi valer da Senhora da Ribeira , não para que lhe remediasse a perda do vinho , que já entendia , que pelo haver bebido a terra não tinha remédio; mas a má condição do rustico marido. Depois da sua oração se recolheu a sua casa sem cuidar de ir á adega, porque supunha que a terra havia bebido o vinho. Ao outro dia foi a mulher curiosamente à adega, e reparou que o pavimento da casa da adega estava tão seco , como se nunca nele houvesse humidade : reparou na cabeça do tonel, e o viu muito bem fundado, e concertado ; bateu , e pareceu-lhe que estava cheio; examinou-o, e achou que assim era; porque tirou vinho, que era excelentíssimo, e generoso. Vendeu o que quis , deu , e fez esmolas dele; e referia a mesma mulher, que do que vendera fizera mais de quinze mil reis. O marido não se dando por entendido nos primeiros dias, nem lhe sendo revelado o segredo, perguntou depois à mulher de donde era aquele vinho, que vendia ; mas a boa mulher conhecendo melhor os favores da misericordiosa Mãe dos pecadores respondeu que aquele vinho lho havia dado a Mãe de Deus , a Senhora da Ribeira, repreendendo-o da sua má condição, e impaciência , e que não tentasse a Deus, nem fosse tão temerário.
Verdadeiramente esta maravilha da Senhora parece, que foi maior que o milagre das bodas de Canaã; porque lá pela intercessão da Senhora converteu Cristo a agua em vinho; neste o tonel arruinado se compôs, e concertou, e fez capaz de receber em si o vinho , que se havia derramado, ou o que a Senhora lhe mandou novamente lançar , ou o que, a terra restituiu depois de o haver bebido , e incorporado em si; porque nas bodas estavam as hídrias cheias de água, e cá o tonel estava vazio, e roto. Nenhuma destas maravilhas se autenticou por incúria, e negligencia daqueles aldeões, e como eles não sabem avaliar estas maravilhas, assim também não sabem o quanto importa o autenticá-las ; para que assim se possa aumentar mais a devoção da Senhora entre os fiéis, e crescer com ela a veneração das santas Imagens.
Festeja-se a Senhora da Ribeira em oito de Setembro, dia de sua Natividade.
Todos aqueles povos circunvizinhos têm muito grande devoção com esta Santíssima
Imagem e lhe oferecem os seus dons , e ofertas. No dia da sua festividade é muito
grande o concurso da gente , que concorre, e ainda dos lugares mais distantes,
como é a Vila de Mortágua, a de Penacova, e outros povos. Em Quinta Feira Maior,
de tempo imemorial, costuma ir a procissão à noite , do lugar da Marmeleira à Casa
da Senhora.
Uma notável observação fazem os devotos da Senhora da Ribeira , e é, que
quando estão na sua presença , se se acham com as suas consciências maculadas,
lhes parece, que veem a Senhora como semblante carregado, e mostra tristeza,
e sentimento, e não acham nela aquele
agrado e alegria que experimentam quando
a sua consciência os não acusa.
Comunicando este pensamento uns aos outros, convêm todos a que assim é , como o tem experimentado muitas vezes. Também se observa,
que quando se lhe pede alguma coisa , que não pode ter despacho, { porque este não convirá aos que
pedem ) também reconhecem no rosto a repulsa; como quando o concede, os sinais
pela alegria que mostra.
Sem comentários:
Enviar um comentário