Alguma
Poesia de Tomás da Fonseca
Não temos
conhecimento de nenhum livro de poesia de Tomás da Fonseca, nem de nenhuma colectânea
dos seus poemas dispersos pela pelos jornais da época.
Hoje pretendemos
dar um modesto contributo para quem quiser levar a cabo essa tarefa- reunir em
livro a poesia de Tomás da Fonseca, ou, quem sabe, dos poetas relacionados com
Mortágua.
Os poemas que
transcrevo em seguida serão talvez uma pequena parte, mas aqui ficam para que
não se percam.
Conta agora
aqui ao teu menino, ó Mãe,
Noites de
amargura que por ele velaste.
Deus te valha,
ó santa pela vida além,
E te dê
ventura que para ele sonhaste.
Compôs ela um
hino para me embalar,
E a sua voz
cantava-o, que me lembro bem.
«Minha mãe não
cantes, oiço-te chorar!
Mas, ó Mãe,
não chores, vou chorar também!»
Noite e dia
olhava para o seu tesouro,
Seu menino que
era alívio no cansaço;
Meigo e puro
como aquele anjinho louro
Que Maria
Virgem tem no seu regaço.
E meu Pai no
campo, quer chovesse ou não,
Trabalhava
sempre todo esfarrapado,
Como um velho
mouro, a fabricar o pão
Para o dia d’ouro do meu batizado.
Revista Nova, I Anno, Num.III, 20
de Maio de 1901
Ao Lopes d’Oliveira
Casas erguidas para a desgraça,
Tumulo e carcere, lar e caverna !
Treme de medo quem alli passa ...
Vcrgonha eterna da nossa raça,
D’um povo livre vergonha eterna !
Dia de gala, dia de
festa,
E os miseraveis na escuridão ...
O' tu, que passas na vida
honesta,
Abre um sorriso que inda te resta
Aos condemnados d'essa prisão.
Antes de andarem pelas cadeias .
Uns foram livres, foram já nobres
;
Outros viviam em alcateias
Pedindo esmolas pelas aldeias,
Moços de cegos, filhos de pobres.
Outros na guerra foram
soldados,
Amando a Patria. do coracão ...
Passada a lucta foram olvidados ;
Depois, já velhos, foram
algemados
Quando nas ruas pediam pão !
Na
vida
heroica da juventude,
Cavando a terra, foram gigantes;
Da primavera na plenitude,
Braços de ferro na vida rude,
Sonharam patrias como houve
d'antes.
E agora mortos p' rá vida honrada
Morta a ventura que um sonho foi
! ..
Não mais o ferro de velha enxada
Cavará montes desde a alvorada
...
Foram-se as glorias do antigo
heroe !
E os condemnados dízem comsigo :
- Que vida amarga ! Que negra
sorte !
De tanto amigo nem um amigo
Que este calvario suba commigo
...
Benvinda a hora da nossa morte !
Cabeças loucas de indignação,
Rugem na sombra como leões :
O' tu, que passas, dá-lhe o teu
pão,
Dá-lhe um bocado do coração,
Que elles tem mortos os corações.
Casas soturnas ! mettem-me medo
Estas cadeias que o sol não vê
...
Ouvem-se passos sobre o lagedo
De condemnados para o degredo,
Porque fizeram, - sabe Deus quê !
Gritos na sombra, - quem é que os
dá ?
Tiros de bala, -- quem matarão?
O' reis, cautella, que o sol vem
já
Subindo, e os gritos ouvem-se cá
:
Ha boccas hiantes de indignação
...
A nós, que somos os desherdados?
Abreviaremos a nossa sorte ...
Nossa cabeça; Que ella se corte,
Mas que se arranquem os
algcmados!
E a treva longe dos corações,
Sobre as cabeças ha o ceu aberto
...
Que importam balas, se já vem perto
O peito d'aço das multidões !
Povo em revolta - guilhotinae-o !
Onda que passa - vão agarral-a !
Povo em revolta ... loucos,
dcixae-o !
Que valem armas? Força de raio
Não se aniquilla com uma bala.
Sob as algemas: cobrir-lhes d'aço
Os frios gonzos d'essa prizão,
Que as negras furnas abrir-se-hão
Quando o meu Povo mover um braço
.Se ámanhã cedo se apresentar,
Punhos erguidos, olhos em fogo,
As grossas portas hão-de estalar,
Serão abertas de par em par
E essas cadeias desertas logo !
Que a vida anceia, que o mar se
agita ...
Exploram minas, veios perdidos,
E são lançados, como bandidos
Para esses antros que a morte
habita.
Almas velhinhas, encarceradas,
Que eu amo tanto como a Verdade,
Andam ardendo mais alvoradas
Nas vossas crenças apunhaladas
Do que ha de estrellas na
immensidade.
E quantas vidas alli paradas,
E
quantos,
quantos trabalhadôrcs !
O' pão, ó vida, que é das
enxadas,
Que é das choupanas
desmanteladas,
Onde viviam teus bemfeítorcs?
Nessas cabeças de revoltados
Fermentam genios, dormem ideias.
São operarios acorrentados ...
Eis o progresso d'olhos vendados !
Eis o trabalho prezo
em cadeias!
Se a raiva e odio, postos em
foco,
Incendiassem, nada mais queria !
Serieis livres. O odio é louco,
E o meu é tanto que posto em fóco
Essas muralhas incendiaria !
Nem
um
só raio de claridade:
Vos chega nunca na vida toda
Nem ceu, nem terra, nem liberdade
:
Sois como netos na orphandade,
Sois como noivos mortos na boda!
Mora a desgraça n'aquellas casas,
Tumulo e carcere dos desherdados
...
- Cortava os braços p'ra lhes dar
azas;
la descalço por sobre brazas
Para não vel-os encarcerados !
Thomaz da
Fonseca.
Revista Nova, I Anno, Num.VIII,
31 de Janeiro de 1902
AOS QUE AINDA DORMEM
Erguei as frontes para a luz que
nasce,
Vós todos, meus irmãos, que
andaes na lida.
Que importa que ella vos escalde
a face,
Se ella vos abre os olhos para a
vida ?
Quantos nasceram e quantos já morreram
Sem o beijo sagrado d essa mãe !
Mas esqueçamos : novos tempos
vieram
E com elles a fé no eterno Bem.
Temos o céo aberto em nossa
frente
E o desejo bastante p'ra ganhal-o
.. .
Se nós subirmos continuadamente,
Hoje, ámanhã, havemos de tocal-o.
Eu não venho enganar a vossa fé;
Amo-vos muito para ser cobarde.
Venho dizer-vos como a Vida é,
Mostrar o bom caminho, embora
tarde.
E por
isso
vos grito : camaradas !
Uni-vos todos, porque a união é
força.
Que o futuro se abra a enxadadas
E o braço, embora quebre, que não
torça.
Somos a legião dos esquecidos,
Os filhos d'uma terra condemnada.
Temos na lucta o premio dos
vencidos
E uma vida que é morte
continuada.
Por este valle de lagrimas
errante,
Ninguem nos abre a porta nem dá
um pão!
E démos vida aos campos
verdejantes
E volvemos na dôr o arido chão .
..
E inda falam de patria á mocidade,
Esses que nos fizeram desgracados
1
Mas a patria é uma só : a
Humanidade,
E tudo o mais povos sacrificados.
Patria p'ra quê, se a patria é um
egoismo
E uma falta d'amôr aos
estrangeiros?
Homens, deixae o vosso
patriotismo,
Porque nós somos todos
companheiros.
Amae, amae, sem distincção de
raça :
O amôr á patria é odio á
Humanidade !
... ,
Ah ! que o bom sol em noite se me faça,
Antes que eu minta em nome da
Verdade !
Bem sei que ergo palavras para o
vento,
E muitos dizem que trabalho em
vão ...
Mas fogachos que deita o
pensamento
Ou cedo ou tarde hão de formar
clarão.
Quem sabe se este grito que
levanto
Não vae encontrar echo n'outros
peitos?
O mundo é largo : e a lucta que
hoje canto
Hade tornar os homens mais
perfeitos.
Depois eu não me enfado de o
dizer :
O Bem não morre, ó meus amigos! e
hade
A fama de Alexandre inda esquecer
Sem que se esqueça nunca uma
verdade.
O que nos fala á alma não se
apaga,
Nem se mistura ao que deslumbra a
vista.
Homens, ao mar! e embora cresça a
vaga
Onde ha força a que a fome não
résista ?
Nós tambem somos como os
marinheiros,
Cada dia lancamos nossa rêde.
O amor do Bem faz-nos
aventureiros,
A ancia de justiça traz-nos sêde.
Eu por mim sigo d'olhos no
futuro,
Em demanda do Reino da Verdade.
Para viver basta-me o veio puro
Que emana da tua fonte, ó
Liberdade!
Embora o sangue tombe gota a gota
Seguirei sempre e heide alcançar
a luz.
Tambem se alguem me vir a farda
rota
Não dirá que matei, mas vesti
nus.
Siga cada um de vós este caminho,
Fite cada um de vós este clarão,
E inda que todos vão devagarinho,
Acharão terra que dê vinho e pão
Palmo a palmo acabarão os
espaços,
Pedra a pedra as montanhas serão
razas ...
-Assim, por tanto erguerdes
vossos braços,
Um dia chegará que tereis azas
l...
Chamamos a atenção para o director desta revista, Ângelo Jorge, o autor da novela "Irmânia", publicada em 1912, onde Basílio Lopes Pereira deverá ter ido buscar a ideia da chamar esse nome à sua aldeia, e até ao seu filho.
NAS BARRICADAS
A Marcellino Correia
Minha patria qual é, quem sou e o que procuro ...
Homens! venho buscar aquilo que não tenho,
Alargar eu tambem a estrada do futuro!
Ha quanto tempo que eu, viseira desprendida,
Venho correndo atraz desta miragem linda,
Miragem que talvez não tocarei na vida,
E meus filhos depois mal gosarão ainda.
Desherdado da vida, olhos no céu distante,
Resei, cantei, chorei, cavando a terra exangue,Mineiro e cavador, soldado e navegante,
Minha estrada reguei com lagrimas de sangue.
Uma manhã, sentindo a fome no meu lar,
Peguei n'uma sacola ao hombro e fui pedir,A vêr se alguem me dava um pão para jantar,
A vêr se alguem me dava um leito onde dormir.
E do mundo atravez, sofrendo e mendigando,
A dor no coração, tal qual a sinto agora,Aos palacios bati, a vida suplicando,
Mas lançavam-me os cães para me porem fora.
O' sonho virginal d'essa existencia pura,
Em que eu sonhava o mundo e os homens irmanados:Nossa vida afinal é como a noite - escura -
Onde ha feras mordendo e uivando aos desherdados.
Ah! antes tu, ó luz do sol, nunca me visses!
Pois que vale eu viver n'esta miseria, quandoOutros comem meu pão, como ao guerreiro Ullisses
Do seu proprio palacio ás portas esmolando ?
A vida! o que é p'ra mim, sem norma e sem direito,
Pobre filho da terra, obscuro, acutilado?Os assassinos tem-me engatilhada ao peito
Uma espingarda, - eu vou morrer assassinado ...
Embora! hão de encontrar-me alerta, no meu posto,
E hade descer a noite e a aurora hade subir,E quando o sol divino iluminar meu rosto,
Os que me vem seguindo hão de depois fugir.
No emtanto pesa a dor e eu vivo subjugado
Ao peso d'essa dor, a dor que ninguem tem ...O' morte entrando á noite ao quarto do noivado!
O' lágrima d'um fi lho ao colo d'uma mãe!
Na rua choram mães e os
filhos pedem pão,
Operarios sem lar vão maldizendo a vida ...O´ meu povo, onde está quem te estendia a mão,
E te enganou, falando em Terra Prometida?
Conheço bem que a nossa independencia é morta,
E que
só um sangue bom pode ressuscital-a.Que se derrame, pois! Morrer: viver que importa
Se os que ficam depois de nós vão alcançal-a?
O ferro já lampeja ao lume das fornalhas;
Nas vigornas estão-se amalgamando enxadas ...E' isto a que se chama o sopro das batalhas,
Companheiros, é assim que se fabricam espadas.
Temos já os pés em sangue e
esfarrapada a farda,
O' terra, nossas mãos, vida não podem dar-ta.Mas sabemos pegar inda n'uma espingarda
Saberemos morrer como um soldado em Esparta.
Mas ai! onde é que estás, luz da felicidade,
Quando te mostrarás, Terra da Promissão?Que eu por mim só desejo o sol da liberdade,
E o teu amor, mulher, onde meus sonhos vão.
Poema de Tomás da Fonseca (1877 - 1968), publicado
na Ilustração Portuguesa , 2ª. série, nº459, 7 de Dez. de 1914, p. 712. A ilustração é de Stuart Carvalhais
Canção do
Soldado
I
Tremula ao vento a bandeira
E soa ao largo o clarim,
A Pátria chama por mim,
Eu vou entrar na fileira.
Sofrerei a vida inteira,
Tudo quanto a dôr encerra,
Contamto que a minha terra,
Meu Portugal seja amado,
E o portuguez, que é soldado,
Nunca teve medo a guerra.
II
Minha enxada abandonei-a,
Meu alvião lá ficou,
Coração, que tanto amou,
Outra estrela hoje o norteia,
Deixo, alegre, a minha aldeia,
Os meus amores, o meu lar,
Vou p’rá França batalhar
A’ luz viva desta espada,
Que a honra da Pátria amada,
A’ vitoria ha de levar.
III
Meu braço, que á neve e ao vento,
As duras terras volveu,
Sabe que é sob este céu
Que fica o meu pensamento.
Se, portanto, fôr sangrento
E rude o seu combater,
Não estranheis que o dever
Assim lh’o ordene, ó teutões:
Vai defender corações,
Salvar a Pátria ou morrer.
IV
Soldado, vamos marchar
Unidos como um só corpo.
Que importa que fiques morto
Se vais mundos resgatar?
Ou nas terras d’além-mar,
Ou n’essa França querida,
Não me importa dar a vida
Tremula ao vento a bandeira
E soa ao largo o clarim,
A Pátria chama por mim,
Eu vou entrar na fileira.
Sofrerei a vida inteira,
Tudo quanto a dôr encerra,
Contamto que a minha terra,
Meu Portugal seja amado,
E o portuguez, que é soldado,
Nunca teve medo a guerra.
II
Minha enxada abandonei-a,
Meu alvião lá ficou,
Coração, que tanto amou,
Outra estrela hoje o norteia,
Deixo, alegre, a minha aldeia,
Os meus amores, o meu lar,
Vou p’rá França batalhar
A’ luz viva desta espada,
Que a honra da Pátria amada,
A’ vitoria ha de levar.
III
Meu braço, que á neve e ao vento,
As duras terras volveu,
Sabe que é sob este céu
Que fica o meu pensamento.
Se, portanto, fôr sangrento
E rude o seu combater,
Não estranheis que o dever
Assim lh’o ordene, ó teutões:
Vai defender corações,
Salvar a Pátria ou morrer.
IV
Soldado, vamos marchar
Unidos como um só corpo.
Que importa que fiques morto
Se vais mundos resgatar?
Ou nas terras d’além-mar,
Ou n’essa França querida,
Não me importa dar a vida
***
E finalmente um papel volante distribuído na Festa da Vitória, realizada na Marmeleira em 10 de Agosto de 1919, em honra dos soldados do Concelho que participaram na 1ª Grande Guerra.
E por hoje, é tudo. Quando encontrarmos outros poemas, deles daremos conta.
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