sábado, 13 de maio de 2017

Basílio Lopes Pereira - 1ª parte
 
Iremos publicar a partir de hoje, em diversas partes, e com a periodicidade que nos for possível um conjunto de dados que fomos coligindo sobre a interessante figura de Basílio Lopes Pereira. algumas das informações que gostaríamos de dar estão carecidas de confirmação, pelo que nos iremos só até ao ano de 1919, ficando o resto para futuras comunicações. 
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Nasceu a 25 de Dezembro de 1893, no lugar de Marmeleira do Concelho de Mortágua. Era filho de Joaquim Lopes Pereira e de Maria da Encarnação Araújo, sendo o primeiro de quatro descendentes, os três primeiros de sexo masculino, e que viriam a ter o seu nome inscrito na história do movimento republicano e na resistência à Ditadura Militar e ao Salazarismo. Foram os outros irmãos Serafim Lopes Pereira e António Lopes de Araújo. Maria Idalina Lopes Araújo, a irmã mais nova, casou  e foi viver para o Brasil.
Fotografia dos pais de Basílio Lopes Pereira
 
 
 Joaquim Lopes Pereira
A paixão da política já não era palavra nova na família. O Codigo de Posturas da Camara Municipal e Tabella das Distancias Kilometricas do Concelho de Mortagua – Districto de Vizeu, publicado em 1901, transcreve a Postura de 9 de Agosto de 1899, que é assinada por Augusto Nunes Simões de Sousa, como Vice-Presidente da Câmara, e Basílio Lopes Pereira, tio do nosso personagem, como vereador.
Basilio Lopes Pereira, tio
A Marmeleira era uma terra que possuía escola primária desde a década de 60 do século 19, e desde cerca de 1870, tinha um dedicado professor, Francisco Nunes Cordeiro, que muito terá contribuído para o desenvolvimento local, segundo as palavras de Martins e Abreu.
No início do século XX já tinha um grupo de teatro amador, e em 1910 tinha o único Centro Republicano do Concelho de Mortágua e um dos dois existentes no Distrito de Viseu.
Em 1910, o pai de Basílio Lopes Pereira fazia parte da Comissão Paroquial do Partido Republicano na Marmeleira:
Efectivos:
Abílio Pereira de Souza
Joaquim Lopes Pereira
José de Mattos
José Caetano Ferreira
Júlio da Silva Neves
Substitutos:
António da Silva Neves
Bazílio Ferreira
Eduardo Ferreira
Joaquim Marques Victorio
Joaquim Lopes Pereira
 
Transcrição de “Annuario Democratico” , de Gomes de Carvalho e Jayme de Souza Sabrosa. Lisboa, 1910
 É neste ambiente que cresce Basílio Lopes Pereira, e muito cedo começa a participar das actividades culturais e políticas desenvolvidas na sua localidade. Participa no grupo de teatro amador, e já em 1908 faz parte de um grupo de pessoas que tentam fundar uma associação de instrução e educação popular, a que foi dado o nome de Biblioteca Popular, mas apesar do esforço e boa-vontade dos seus promotores foi votada ao insucesso.
 
A 25 de Setembro de 1912, reuniram-se em casa de, e com Joaquim Lopes Pereira,  Francisco Nunes Cordeiro, João Pereira de Sousa (da Marmeleira), Júlio Baptista dos Reis, Manuel Soares Oliveira, Serafim Lopes Pereira, Luciano Ferreira dos Reis, José Luiz Gonzaga e Basílio Lopes Pereira, tendo este secretariado a reunião. Foi discutida e aprovada por unanimidade a seguinte «Proposta» :
« Proponho, no interesse da Marmeleira e da sua região, que se empreenda a fundação d’uma sociedade que traduza, por uma forma mais ampla, a tentativa feita em 6 de janeiro de 1908 com o fim de instituir uma “Biblioteca Popular” e que essa sociedade, tomando a denominação de “Centro Democrático de Educação Popular” assente nos moldes seguintes:
) Como fim geral, propor-se promover o progresso moral, cívico e material do povo, desenvolvendo a instrução e a educação popular, e, como particular e especial, criar e sustentar uma “Biblioteca Popular”, desenvolver a instrução agrícola, como a mais útil aos seus futuros sócios, e procurar que todos os ex-alunos das escolas primarias, solicitando para isso o auxilio dos seus professores, garantindo, quanto possível, todos os ensinamentos ministrados por estes, continuem a sua cultura intelectual, frequentando a Biblioteca e assistindo às conferencias e palestras que se deverão realizar;
) O “Centro” envidará todos os esforços por que se funde um sindicato agrícola, uma caixa de credito agrícola e uma sociedade de seguros mútuos de gado;
3º) Realizará, além de conferências e palestras, passeios de estudo e festas de instrução, devendo merecer-lhe especial cuidado a festa da arvore para o que procurará a cooperação das escolas locais;
4º) O “Centro” também criará diversos cursos regulares, especialmente, um curso de instrução primária para analfabetos».
 De seguida foi eleita uma direcção  com a finalidade de tomar a seu cargo todos os trabalhos respeitantes á organização e funcionamento da nova sociedade, promova a aquisição de sócios e de livros e trate de elaborar uns estatutos para serem aprovados pela autoridade.
Foram eleitos João Pereira de Sousa, Júlio Baptista dos Reis, Francisco de Almeida e Silva, Manuel Soares de Oliveira e Basílio Lopes Pereira, este como secretario.
Livro de actas do “Centro Democratico de Educação Popular” da Marmeleira (Mortágua)1912
 Logo no mês seguinte, em 5 de Outubro de 1912, Basílio Lopes Pereira surge, juntamente com Alfredo Fernandes Martins,  como Director e Proprietário de um jornal comemorativo da implantação da República, e cujo produto líquido seria destinado a reverter a favor do Centro Democrático de Educação Popular. O jornal chamava-se Sól Nascente, e era editado por João Pereira de Sousa.
 

Contou com colaboração de muitas figuras republicanas prestigiadas – Augusto Simões de Sousa, Martins e Abreu, Lopes d’Oliveira, Gustaf Adolf Bergström, Afonso Costa, Tomás da Fonseca, além dos directores.
 
Em 9 de Fevereiro de 1913  realizou-se a primeira conferência do CDEP (Centro Democrático de Educação Popular), noticiada  no jornal  Sul da Beira” de 13 de Fevereiro de 1913, onde se saúda a iniciativa de  “Meia dúzia de denodados rapazes da Marmeleira, entre  os quais citaremos os nomes dos nossos ilustres amigos António Pereira de Souza, Basílio Lopes Pereira, distintíssimo aluno do 7º ano do liceu, João Pereira de Souza, Júlio Baptista dos Reis, José de Matos e David Araújo, no intuito mil vezes louvável de levantar a sua terra ao nível a que tem jus, prosseguem no simpático e patriótico programa de fomentar o seu progresso material e moral” .
A conferência foi no Teatro da Marmeleira e contou com a presença de muito público e das pessoas notáveis do Concelho de Mortágua.
O conferencista principal, António Campos de Carvalho, desenvolveu o tema “Educação”
Efectuou-se a primeira Festa da Arvore, bem ao gosto da tradição republicana.
De entre os participantes, encontramos  uma  referência interessante:  Por ultimo, o sr. Nuno Cruz, distinto aluno do 2º ano da Universidade,  lê uma brilhante alocução alusiva à arvore….”
Este Nuno Cruz que viria a ser uma figura importante da oposição nos primeiros anos da Ditadura e do Estado Novo, já era nesta altura uma figura próxima de Basílio Lopes Pereira.
Tanto que no jornal  Sol Nascente de 12 de Abril de 1914, agora tendo como único director Basílio Lopes Pereira, encontramos a notícia: “Encontra-se na Marmeleira a passar as ferias da Paschoa em nossa casa o académico do 3º ano de Direito da Universidade de Coimbra, Nuno Cruz.
No mesmo número do jornal noticia-se a eminente chegada de Africa  de António Pereira de Sousa de quem se diz: « É a ele que devemos indiscutivelmente, o Centro D. de Educação Popular, cuja acção educativa se vem afirmando cada vez mais nos últimos dois anos.
Tem promovido algumas festas e iniciou na sua sede uma série de conferências de estudo, não falando da sua bibliotecazinha que se encontra franqueada a toda a gente.
Têm sido conferentes os srs. António Campos de Carvalho, estudante de Direito; Martins e Abreu, dr. Aureliano Maia, e o digno director da Escola Normal de Lisboa Thomaz da Fonseca.»
Voltando um pouco atrás , Tomaz da Fonseca publicou um livro intitulado “O Pinheiro”, em 1949, no  qual relata uma palestra que fez “aos seus vizinhos da Montanha, na Primavera de 1913”, que teve lugar na povoação de Paredes, integrada numa campanha de promoção da florestação do concelho, nessa época com extensas zonas áridas.
“A fim de generalizar tão salutar medida, resolvi convidar um amigo, académico ainda, mas já caloroso defensor das regalias populares, para realizarmos palestras nas aldeias da serra…”, nada mais nada menos que Basílio Lopes Pereira.
Em Novembro de 1917, os monárquicos ganharam as eleições municipais em Mortágua, com uma lista de “conservadores sem filiação partidária,” que tomou posse a 2 de Janeiro de 1918:
Albano Abel Fernandes d’Abreu, presidente do Senado
Joaquim Tavares Festas, presidente da Comissão Executiva
Comissão Executiva: Carlos Lopes de Almeida, Bernardo Luís Nunes e António Bento Maurício.  (Beira Alta, nº 860 de 16.01.1918).
Em 2 de Novembro de 1918, alguns republicanos de Mortágua e Santa Comba Dão foram presos pelos militares sidonistas e conduzidos à Penitenciária de Coimbra. Eram eles:
“Alfredo Sousa, proprietário
Tomás da Fonseca, professor da Escola Normal de Lisboa
António José Gonçalves, farmacêutico
José Nunes Cordeiro, professor oficial
António Baptista, tesoureiro de finanças
Basílio Lopes Pereira, estudante do 5º ano de Direito
Serafim Lopes Pereira, estudante do 4º ano de Medicina
António Barbosa, decorador
Cesar Anjo, professor oficial
Aníbal Brito, sub-chefe fiscal dos impostos
Casimiro Neves, chefe da secretaria da Câmara.
 
( Tomás da Fonseca, Memorias do Carcere,1919)
Seriam libertados em 29 de Novembro os de Mortágua, e em 1 de Dezembro, os de Santa Comba Dão.

Basílio Lopes Pereira terminou o curso de Direito em 1918.
 
Em 19 de Janeiro de 1919, Paiva Couceiro restaura a Monarquia do Norte. Em Mortágua chega a ser hasteada a bandeira monárquica, por ordem do Governador Civil de Viseu, que enviou uma pequena força militar constituida por um sargento e dois soldados armados. Várias pessoas acorreram à Câmara, manifestando satisfação pela restauração da Monarquia.
No entanto, a  22 de Janeiro de 1919, a Junta de Defesa da República, de que fazia parte Alfredo Fernandes Martins,  assumiu a direção do Concelho, restaurando a República em sessão realizada no salão nobre da Câmara,  marcada  por grande entusiasmo.
Basílio e Serafim Lopes Pereira estavam em Coimbra e desde logo aderiram ao Batalhão Académico que se formou para combater a Monarquia do Norte. O irmão mais novo, António Lopes de Araújo já se encontrava na Escola de Guerra, em Lisboa, e trocava com eles correspondência. Vejamos alguma:
 Carta de Serafim Lopes Pereira para António Lopes de Araújo:
“António
Recebi a tua carta e no mesmo dia escrevi para a Marmeleira pelo Augusto de Caparrosa que veio cá.
Em Mortágua já esteve a bandeira monárquica mas que foi logo substituída pelo povo entre grandes manifestações. A respeito disto nada sabemos pormenorizado. Daqui já partiram contingentes para Aveiro e vão partir também sobre Vizeu. Uma das forças que já partiu era Infantaria 16 e o comandante era o capitão Gonzaga. Há grande entusiasmo e há um batalhão académico que conta já 70 inscritos. Não são muitos, mas numa academia reacionária, vamos lá…
Manda-nos notícias.
Sem mais, recebe um abraço dos teus irmãos e da Maria.
Coimbra, 24/1/1919                                                                                                Serafim “        
 
Bilhete-Postal de Basílio Lopes Pereira, em Coimbra, para António Lopes de Araújo, em Lisboa
« Coimbra, 29/I/1919
António
Recebi o teu postal. Contávamos partir agora à noite para o norte e se não vamos é por motivo de dificuldades puramente materiais.
Mas vamos amanhã sem falta. Logo que chegue a Aveiro te escreverei. Dá notícias e podes escrever para o Batalhão Académico em Aveiro, quando chegar a partir.
Do teu irmão                                                                                                                       Basílio
 
Bilhete Postal de Pires Miranda a A. Lopes Araújo:
“Coimbra
Amigo Araújo
Tem este postal o fim de te participar que o batalhão académico partiu hoje de manhã. Nele foram os teus irmãos, o meu, o Júlio, Aníbal etc.
E a respeito da bataria? Escreve para Condeixa e conta com o teu amigo
Pires Miranda
Bilhete-Postal de Adriana, em Coimbra, para António Lopes de Araújo, em Lisboa
« 1-2-919
Antoninho:
Hoje às 11,30 h. partiu o Batalhão para Águeda! Iam todos bem-dispostos. Oxalá eles assim voltem para alegria de todos.
O Basílio pediu-me para lhe dizer que, se d’ai o não mandassem, viesse para aqui apresentar-se, para ir ter com eles o mais depressa possível. Como porém, a cabeça do Basílio é um relógio avariado, e a sua um cronómetro, regule-se pela sua e obedeça ao seu bom senso porque ele é um guia seguro.
Foram 70 e tantos rapazes. O Zé Rodrigues e o Zé Costa foram também.
(…)
Se resolver vir, antes de mais nada venha por aqui, para lhe dar um recado que só tem cabimento se seguir os conselhos de seu Irmão.
Um abraço da sua mto. am.ª                                       Adriana »                                                  
 
Bilhete Postal de Basílio L. P. , já no Batalhão Académico, dirigido a  António L. Araújo:
“ Lamas do Vouga, 5 Fev.1919
António
Recebemos o teu postal. Sempre bem dispostos. O Sílvio 2º sargento da Escola *está connosco. Todos os rapazes conhecidos se recomendam. Esperamos-te em breve. Vai dando notícias. Viva a República!
Escreve para a Marmeleira a animar.    Teu irmão
Basílio “ 
*Trata-se de Manuel Silvio Pélico de Oliveira Neto
 
António Lopes de Araújo fez parte do grupo de alunos da Escola de Guerra, cerca de trinta, que em Janeiro de 1919, conseguiu forçar a actuação da bataria da Escola contra as forças monárquicas sublevadas em Monsanto,  como o recorda a carta de Manuel Sílvio Pélico, sessenta anos depois. Essa bataria seguiria depois para o norte onde permaneceu até 13 de Março.
 
Carta de Manuel Sílvio Pélico de Oliveira Neto a António Lopes Araújo
Viseu, 07-Set-977
Saudoso amigo Araújo
Ao encontrarmo-nos, por acaso, após cerca de sessenta anos de distância, achei imensamente interessantes as abertas que as nuvens do tempo ofereciam ou se prestavam às nossas recordações de meninos e moços!
Mais umas abertas e vejo os teus dois irmãos Basílio e Serafim, companheiros meus no “Bloco Republicano Académico” que se havia formado em Coimbra aquando do Sidónio em 1917, e companheiros meus no “Batalhão Académico” que se formou para combater os monárquicos no Norte; recordo a marcha da Bataria da Escola de Guerra a caminho de Monsanto, após a ida à Escola de Guerra do filho do Sidónio Pais e do Jorge Botelho Moniz, naquela manhã em que o povo de Lisboa gritava, junto aos portões da Escola, a pedir armas para combater os monárquicos de Monsanto; vejo como se fosse hoje a bandeira azul e branca tremulando na nossa frente em Monsanto e sobre a qual a nossa bataria fazia fogo desde Montes Claros. (…)
Seria também, para o irmão mais novo de Basílio Lopes Pereira, o início de uma vida aventurosa.

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