Basílio Lopes Pereira - 1ª parte
Iremos publicar a partir de hoje, em diversas partes, e com a periodicidade que nos for possível um conjunto de dados que fomos coligindo sobre a interessante figura de Basílio Lopes Pereira. algumas das informações que gostaríamos de dar estão carecidas de confirmação, pelo que nos iremos só até ao ano de 1919, ficando o resto para futuras comunicações.
Nasceu
a 25 de Dezembro de 1893, no lugar de Marmeleira do Concelho de Mortágua. Era
filho de Joaquim Lopes Pereira e de Maria da Encarnação Araújo, sendo o
primeiro de quatro descendentes, os três primeiros de sexo masculino, e que viriam
a ter o seu nome inscrito na história do movimento republicano e na resistência
à Ditadura Militar e ao Salazarismo. Foram os outros irmãos Serafim Lopes
Pereira e António Lopes de Araújo. Maria Idalina Lopes Araújo, a irmã mais
nova, casou e foi viver para o Brasil.
A
paixão da política já não era palavra nova na família. O Codigo de Posturas da Camara Municipal e Tabella das Distancias
Kilometricas do Concelho de Mortagua – Districto de Vizeu, publicado em
1901, transcreve a Postura de 9 de Agosto
de 1899, que é assinada por Augusto Nunes Simões de Sousa, como
Vice-Presidente da Câmara, e Basílio Lopes Pereira, tio do nosso personagem,
como vereador.
Basilio
Lopes Pereira, tio
A
Marmeleira era uma terra que possuía escola primária desde a década de 60 do
século 19, e desde cerca de 1870, tinha um dedicado professor, Francisco Nunes
Cordeiro, que muito terá contribuído para o desenvolvimento local, segundo as
palavras de Martins e Abreu.
No
início do século XX já tinha um grupo de teatro amador, e em 1910 tinha o único
Centro Republicano do Concelho de Mortágua e um dos dois existentes no Distrito
de Viseu.
Em
1910, o pai de Basílio Lopes Pereira fazia parte da Comissão Paroquial do
Partido Republicano na Marmeleira:
Efectivos:
Abílio
Pereira de Souza
Joaquim
Lopes Pereira
José de
Mattos
José
Caetano Ferreira
Júlio da
Silva Neves
Substitutos:
António da
Silva Neves
Bazílio
Ferreira
Eduardo
Ferreira
Joaquim Marques Victorio
Joaquim Marques Victorio
Joaquim
Lopes Pereira
Transcrição
de “Annuario Democratico” , de Gomes
de Carvalho e Jayme de Souza Sabrosa. Lisboa, 1910
É neste
ambiente que cresce Basílio Lopes Pereira, e muito cedo começa a participar das
actividades culturais e políticas desenvolvidas na sua localidade. Participa no
grupo de teatro amador, e já em 1908 faz parte de um grupo de pessoas que
tentam fundar uma associação de instrução
e educação popular, a que foi dado o nome de Biblioteca Popular, mas apesar do esforço e boa-vontade dos seus
promotores foi votada ao insucesso.
A 25 de
Setembro de 1912, reuniram-se em casa de, e com Joaquim Lopes Pereira, Francisco Nunes Cordeiro, João
Pereira de Sousa (da Marmeleira), Júlio Baptista dos Reis, Manuel Soares
Oliveira, Serafim Lopes Pereira, Luciano Ferreira dos Reis, José Luiz Gonzaga e
Basílio Lopes Pereira, tendo este secretariado a reunião. Foi discutida e
aprovada por unanimidade a seguinte «Proposta»
:
« Proponho, no interesse da Marmeleira
e da sua região, que se empreenda a fundação d’uma sociedade que traduza, por
uma forma mais ampla, a tentativa feita em 6 de janeiro de 1908 com o fim de
instituir uma “Biblioteca Popular” e que essa sociedade, tomando a denominação
de “Centro Democrático de Educação Popular” assente nos moldes seguintes:
1º)
Como fim geral, propor-se promover o progresso moral, cívico e material do
povo, desenvolvendo a instrução e a educação popular, e, como particular e
especial, criar e sustentar uma “Biblioteca Popular”, desenvolver a instrução
agrícola, como a mais útil aos seus futuros sócios, e procurar que todos os
ex-alunos das escolas primarias, solicitando para isso o auxilio dos seus
professores, garantindo, quanto possível, todos os ensinamentos ministrados por
estes, continuem a sua cultura intelectual, frequentando a Biblioteca e
assistindo às conferencias e palestras que se deverão realizar;
2º) O “Centro” envidará
todos os esforços por que se funde um sindicato agrícola, uma caixa de credito
agrícola e uma sociedade de seguros mútuos de gado;
3º) Realizará, além de conferências e
palestras, passeios de estudo e festas de instrução, devendo merecer-lhe
especial cuidado a festa da arvore para o que procurará a cooperação das
escolas locais;
4º) O “Centro” também criará diversos
cursos regulares, especialmente, um curso de instrução primária para
analfabetos».
De seguida foi eleita uma
direcção com a finalidade de tomar a seu
cargo todos os trabalhos respeitantes á
organização e funcionamento da nova sociedade, promova a aquisição de sócios e
de livros e trate de elaborar uns estatutos para serem aprovados pela
autoridade.
Foram eleitos João Pereira de
Sousa, Júlio Baptista dos Reis, Francisco de Almeida e Silva, Manuel Soares de
Oliveira e Basílio Lopes Pereira, este como secretario.
Livro de actas do
“Centro Democratico de Educação Popular” da Marmeleira (Mortágua)1912
Logo no mês seguinte, em 5 de Outubro de 1912,
Basílio Lopes Pereira surge, juntamente com Alfredo Fernandes Martins, como Director e Proprietário de um jornal
comemorativo da implantação da República, e cujo produto líquido seria
destinado a reverter a favor do Centro Democrático de Educação Popular. O
jornal chamava-se Sól Nascente, e era
editado por João Pereira de Sousa.
Contou com colaboração de muitas figuras republicanas prestigiadas – Augusto Simões de Sousa, Martins e Abreu, Lopes d’Oliveira, Gustaf Adolf Bergström, Afonso Costa, Tomás da Fonseca, além dos directores.
Em 9 de Fevereiro de
1913 realizou-se a primeira conferência
do CDEP (Centro Democrático de Educação Popular), noticiada no jornal “Sul da Beira” de 13 de Fevereiro de
1913, onde se saúda a iniciativa
de “Meia
dúzia de denodados rapazes da Marmeleira, entre
os quais citaremos os nomes dos nossos ilustres amigos António Pereira
de Souza, Basílio Lopes Pereira, distintíssimo aluno do 7º ano do liceu, João
Pereira de Souza, Júlio Baptista dos Reis, José de Matos e David Araújo, no
intuito mil vezes louvável de levantar a sua terra ao nível a que tem jus,
prosseguem no simpático e patriótico programa de fomentar o seu progresso
material e moral” .
A conferência foi no Teatro da
Marmeleira e contou com a presença de muito público e das pessoas notáveis do
Concelho de Mortágua.
O conferencista principal,
António Campos de Carvalho, desenvolveu o tema “Educação”
Efectuou-se a primeira Festa da
Arvore, bem ao gosto da tradição republicana.
De entre os participantes,
encontramos uma referência interessante: “Por
ultimo, o sr. Nuno Cruz, distinto aluno do 2º ano da Universidade, lê uma brilhante alocução alusiva à arvore….”
Este Nuno Cruz que viria a ser
uma figura importante da oposição nos primeiros anos da Ditadura e do Estado
Novo, já era nesta altura uma figura próxima de Basílio Lopes Pereira.
Tanto que no jornal Sol
Nascente de 12 de Abril de 1914, agora
tendo como único director Basílio Lopes Pereira, encontramos a notícia: “Encontra-se na Marmeleira a passar as ferias
da Paschoa em nossa casa o académico do 3º ano de Direito da Universidade de
Coimbra, Nuno Cruz. “
No mesmo
número do jornal noticia-se a eminente chegada de Africa de António Pereira de Sousa de quem se diz: «
É a ele que devemos indiscutivelmente, o
Centro D. de Educação Popular, cuja acção educativa se vem afirmando cada vez
mais nos últimos dois anos.
Tem promovido algumas festas e iniciou na sua sede uma série de
conferências de estudo, não falando da sua bibliotecazinha que se encontra
franqueada a toda a gente.
Têm sido conferentes os srs. António Campos de Carvalho, estudante
de Direito; Martins e Abreu, dr. Aureliano Maia, e o digno director da Escola
Normal de Lisboa Thomaz da Fonseca.»
Voltando um
pouco atrás , Tomaz da Fonseca publicou um livro intitulado “O Pinheiro”, em 1949, no qual relata uma palestra que fez “aos seus vizinhos da Montanha, na Primavera
de 1913”, que teve lugar na povoação de Paredes, integrada numa campanha de
promoção da florestação do concelho, nessa época com extensas zonas áridas.
“A fim de generalizar tão salutar medida,
resolvi convidar um amigo, académico ainda, mas já caloroso defensor das regalias
populares, para realizarmos
palestras nas aldeias da serra…”, nada mais nada menos que
Basílio Lopes Pereira.
Em Novembro de 1917, os monárquicos
ganharam as eleições municipais em Mortágua, com uma lista de “conservadores sem filiação partidária,”
que tomou posse a 2 de Janeiro de 1918:
Albano Abel Fernandes d’Abreu, presidente do Senado
Joaquim Tavares Festas, presidente da Comissão Executiva
Comissão
Executiva: Carlos Lopes de Almeida,
Bernardo Luís Nunes e António Bento Maurício.
(Beira Alta, nº 860 de 16.01.1918).
Em 2 de Novembro de 1918, alguns
republicanos de Mortágua e Santa Comba Dão foram presos pelos militares
sidonistas e conduzidos à Penitenciária de Coimbra. Eram eles:
“Alfredo Sousa, proprietário
“Alfredo Sousa, proprietário
Tomás da
Fonseca, professor
da Escola Normal de Lisboa
António José
Gonçalves,
farmacêutico
José Nunes
Cordeiro, professor
oficial
António
Baptista, tesoureiro
de finanças
Basílio
Lopes Pereira, estudante
do 5º ano de Direito
Serafim
Lopes Pereira, estudante
do 4º ano de Medicina
António Barbosa, decorador
Cesar Anjo, professor oficial
Aníbal Brito, sub-chefe fiscal dos impostos
Casimiro
Neves, chefe da
secretaria da Câmara. “
( Tomás da Fonseca, Memorias do
Carcere,1919)
Seriam
libertados em 29 de Novembro os de Mortágua, e em 1 de Dezembro, os de Santa
Comba Dão.
Basílio Lopes Pereira terminou o curso de Direito em 1918.
Basílio Lopes Pereira terminou o curso de Direito em 1918.
Em 19 de Janeiro de 1919, Paiva
Couceiro restaura a Monarquia do Norte. Em Mortágua chega a ser hasteada a
bandeira monárquica, por ordem do Governador Civil de Viseu, que enviou uma
pequena força militar constituida por um sargento e dois soldados armados.
Várias pessoas acorreram à Câmara, manifestando satisfação pela restauração da
Monarquia.
No entanto,
a 22 de Janeiro de 1919, a Junta
de Defesa da República, de que fazia parte Alfredo Fernandes Martins, assumiu a direção do Concelho, restaurando a
República em sessão realizada no salão nobre da Câmara, marcada
por grande entusiasmo.
Basílio e Serafim Lopes Pereira estavam em
Coimbra e desde logo aderiram ao Batalhão Académico que se formou para combater
a Monarquia do Norte. O irmão mais novo, António Lopes de Araújo já se
encontrava na Escola de Guerra, em Lisboa, e trocava com eles correspondência. Vejamos
alguma:
“António
Recebi a tua carta e no mesmo dia escrevi para a Marmeleira pelo
Augusto de Caparrosa que veio cá.
Em Mortágua já esteve a bandeira monárquica mas que foi logo
substituída pelo povo entre grandes manifestações. A respeito disto nada
sabemos pormenorizado. Daqui já partiram contingentes para Aveiro e vão partir
também sobre Vizeu. Uma das forças que já partiu era Infantaria 16 e o
comandante era o capitão Gonzaga. Há grande entusiasmo e há um batalhão
académico que conta já 70 inscritos. Não são muitos, mas numa academia
reacionária, vamos lá…
Manda-nos notícias.
Sem mais, recebe um abraço dos teus irmãos e da Maria.
Coimbra, 24/1/1919 Serafim
“
Bilhete-Postal de Basílio Lopes Pereira, em Coimbra, para António Lopes de Araújo, em Lisboa
« Coimbra, 29/I/1919
António
Recebi o teu postal. Contávamos partir agora à noite para o norte
e se não vamos é por motivo de dificuldades puramente materiais.
Mas vamos amanhã sem falta. Logo que chegue a Aveiro te
escreverei. Dá notícias e podes escrever para o Batalhão Académico em Aveiro,
quando chegar a partir.
Do teu irmão
Basílio
Bilhete Postal de Pires Miranda a A. Lopes Araújo:
“Coimbra
Amigo Araújo
Tem este postal o fim de te participar que o batalhão académico
partiu hoje de manhã. Nele foram os teus irmãos, o meu, o Júlio, Aníbal etc.
E a respeito da bataria? Escreve para Condeixa e conta com o teu
amigo
Pires Miranda
Bilhete-Postal de Adriana, em Coimbra, para António Lopes de Araújo, em Lisboa
« 1-2-919
Antoninho:
Hoje às 11,30 h. partiu o Batalhão para Águeda! Iam todos
bem-dispostos. Oxalá eles assim voltem para alegria de todos.
O Basílio pediu-me para lhe dizer que, se d’ai o não mandassem,
viesse para aqui apresentar-se, para ir ter com eles o mais depressa possível.
Como porém, a cabeça do Basílio é um relógio avariado, e a sua um cronómetro,
regule-se pela sua e obedeça ao seu bom senso porque ele é um guia seguro.
Foram 70 e tantos rapazes. O Zé Rodrigues e o Zé Costa foram
também.
(…)
Se resolver vir, antes de mais nada venha por aqui, para lhe dar
um recado que só tem cabimento se seguir os conselhos de seu Irmão.
Um abraço da sua mto.
am.ª Adriana »
Bilhete Postal de Basílio L. P. ,
já no Batalhão Académico, dirigido a
António L. Araújo:
“ Lamas do Vouga, 5 Fev.1919
António
Recebemos o teu postal. Sempre bem dispostos. O Sílvio 2º sargento
da Escola *está connosco. Todos os rapazes conhecidos se recomendam.
Esperamos-te em breve. Vai dando notícias. Viva a República!
Escreve para a Marmeleira a animar. Teu irmão
Basílio “
*Trata-se de Manuel Silvio Pélico de Oliveira Neto
António Lopes de Araújo fez parte do
grupo de alunos da Escola de Guerra, cerca de trinta, que em Janeiro de 1919,
conseguiu forçar a actuação da bataria da Escola contra as forças monárquicas
sublevadas em Monsanto, como o recorda a
carta de Manuel Sílvio Pélico, sessenta anos depois. Essa bataria seguiria
depois para o norte onde permaneceu até 13 de Março.
Carta de Manuel Sílvio Pélico de Oliveira Neto a António Lopes Araújo
Viseu,
07-Set-977
Saudoso amigo Araújo
Ao encontrarmo-nos, por acaso, após cerca
de sessenta anos de distância, achei imensamente interessantes as abertas que
as nuvens do tempo ofereciam ou se prestavam às nossas recordações de meninos e
moços!
Mais umas abertas e vejo os teus dois
irmãos Basílio e Serafim, companheiros meus no “Bloco Republicano Académico”
que se havia formado em Coimbra aquando do Sidónio em 1917, e companheiros meus
no “Batalhão Académico” que se formou para combater os monárquicos no Norte;
recordo a marcha da Bataria
da Escola de Guerra a caminho de Monsanto, após a ida à Escola de Guerra do
filho do Sidónio Pais e do Jorge Botelho Moniz, naquela manhã em que o povo de
Lisboa gritava, junto aos portões da Escola, a pedir armas para combater os
monárquicos de Monsanto; vejo como se fosse hoje a bandeira azul e branca
tremulando na nossa frente em Monsanto e sobre a qual a nossa bataria fazia fogo desde Montes Claros. (…)
Seria
também, para o irmão mais novo de Basílio Lopes Pereira, o início de uma vida
aventurosa.
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