segunda-feira, 27 de junho de 2016

Alfredo Fernandes Martins ( 1893 -1965 )
 
 
O número único  do Jornal Sol Nascente, que foi publicado em 5 de Outubro de 1912 apresenta como directores e proprietários, Basílio Lopes Pereira e Alfredo Fernandes Martins. Quando fomos ler os números seguintes, publicados a partir de 1913, o nome de Alfredo Fernandes Martins já não aparecia no cabeçalho do jornal. Isso despertou-nos alguma curiosidade quanto ao personagem, mas não conseguimos nenhuma informação oral sobre o assunto, provavelmente por já terem falecido as pessoas que tinham algum conhecimento sobre o assunto.
Nesse número único, Alfredo Fernandes Martins assina um artigo intitulado "Emancipação d'um Povo", que termina com o endereço de Cerdeira- Mortágua. Isso leva-nos a pensar que deveria ter alguma ligação com essa aldeia, ou aí residia.
 
 
Pouco mais de um ano depois, vamos encontrar o jornal Sol Nascente em plena guerra com o jornal Sul da Beira, e não conseguimos entender  qual o tipo de ligação de Fernandes Martins a esse jornal.
 

 
*** 
 
No dia 9/03/1916, há cem anos,  o governo alemão declarou guerra a Portugal. A reacção  no meio estudantil fez-se sentir de várias maneiras, entre as quais na música. António Menano  compôs e cantou um Fado Patriótico (Ninguém me diga que morre), com letra de Alfredo Fernandes Martins que aqui transcrevemos da DISCOGRAFIA DE JOSÉ DIAS E RESPECTIVAS LETRAS , de José Anjos de Carvalho e António M. Nunes, in guitarradecoimbra.blogspot.com/2006 :
 
Já se ouviu de serra em serra
A voz da Pátria, a gritar:
Tomai as armas, meus filhos,
Que temos de batalhar.

Erguei-vos novos e velhos,
A pé todos em geral!
Erguei-vos todos à uma
Para salvar Portugal.

Ninguém me diga que morre
A minha Pátria… ninguém!
Que primeiro que ela morra
Hemos nós morrer também!

Ó Pátria da minha mãe,
Ó minha mãe duas vezes:
São barreiras invencíveis
Os peitos dos portugueses!
 
 
Seria autor  de outras letras cantadas por António Menano.
Da mesma fonte, que atrás referimos, consta a letra original de A Maior Dor  na primeira edição musical, constituída por quatro quadras de autoria de Alfredo Fernandes Martins:
 
Quando me vires passar
D’olhos pregados no chão,
Não me perguntes que trago
Dentro do meu coração.

Que a minha dor é tão grande,
Que, se eu a fosse contar,
Não haveria ninguém
Que não rompesse a chorar.

Pois, mal nasci – Ai de mim!
Leu-me a desgraça o meu fado.
Era negro, só dizia:
Hás-de ser um desgraçado.

E pra eu ser mais desgraçado
No mundo do que ninguém,
Basta nunca ter andado
Ao colo de minha mãe!

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Em 1919, na sequência da tentativa de restauração da monarquia, levada a cabo por Paiva Couceiro, e que ficou conhecida por Monarquia do Norte, a revista Ilustração Portugueza publica uma notícia sobre Fernandes Martins.
 
 
" O quintanista de Direito sr. Fernandes Martins, membro da junta republicana de Mortágua e chefe do grupo civil «Legião da Beira», que restaurou a Republica naquele concelho e tem prestado assinalados serviços na defeza das instituições vigentes."
 
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 Consultamos o Annuário da Universidade de Coimbra. - 1918-1919
e confirmamos que só existia um estudante com esse nome:
 "— Alfredo Fernandes Martins,  filho de José Fernandes Martins, natural do Pôrto" , e que efectivamente era aluno do 5º ano de Direito.
 
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José de Araújo Coutinho em Histórias para os meus netos - A Monarquia de Mortágua -  Lisboa, 2010, publica um depoimento de Alfredo Fernandes Martins, ouvido como testemunha indicada por Joaquim Tavares Festas, no Auto de Corpo de Delito contra o Dr. Joaquim Tavares Festas, João Tavares Festas, Albano Abel Fernandes de Abreu e padres Abel José Paulo, Francisco Diniz de Abreu, Cipriano Rodrigues Coimbra e António Maria Gomes Pires, presos e acusados de terem  proclamado a monarquia e hasteado a bandeira azul e branca, nos Paços do Concelho de Mortágua, em 19 de Janeiro de 1019, obtido do Arquivo Histórico Militar:

« AOS QUINZE DIAS DO MÊS DE MARÇO DE MIL NOVECENTOS E DEZANOVE:
 (…) ALFREDO FERNANDES MARTINS, solteiro, estudante do quinto ano de Direito, de vinte e quatro anos, natural do Porto, residente em Coimbra. Prometeu pela sua honra dizer a verdade e aos costumes disse nada. Perguntado disse: que no dia dezanove de Janeiro último, aquando dos acontecimentos monárquicos de Mortágua, se não encontrava ali, não só porque reside a cinco quilómetros de distância, mas também porque a sua condição de exilado do movimento de doze de Outubro, em que tomou parte, lho não permitia; que sendo informado da restauração do regímen monárquico ele, como velho republicano, resolveu lutar ainda na defesa da República, para o que convidou um grupo de dedicadíssimos correligionários seus, entre os quais o antigo senador e publicista Tomás da Fonseca; que, reunido o grupo, caminharam sobre Mortágua, onde uma junta de defesa da República de que ele fez parte, assumiu a direcção do Concelho, restaurando no salão nobre, no meio de uma ovação estrondosíssima, o regímen republicano que na véspera fora banido; a junta republicana nomeara para Administrador do Concelho, o velho republicano e prestigioso oficial do exército, Capitão João Henriques de Almeida; que a mesma junta fora ainda ocupar revolucionariamente o edifício dos correios e telégrafo e ainda, já de noite, mandaram buscar a três quilómetros de distância, à Carreira de Tiro, as espingardas Mauser-Vergueiro e respectivos cunhetes que ali se encontravam para instrucção dos alistados na Sociedade Militar; que ninguém se opôs a que a junta republicana e o administrador do concelho procedessem como era conveniente na defesa da República, não havendo da parte dos adversários uma atitude caracterizadamente hostil, que aliás seria energicamente reprimida; que no seu entender o movimento de Mortágua foi exclusivamente militar, não lhe repugnando a ideia que algum partidário do extinto regímen manifestasse a sua alegria ao ver flutuar a bandeira azul e branca; porém , está convencido que a bandeira monárquica não seria hasteada nos Paços do Concelho se uma força militar, conduzida em automóvel o não tivesse feito; que a restauração republicana se fez vinte e quatro horas depois da proclamação monárquica; que por isso ele não pode afirmar absolutamente nada sobre a acusação agora feita aos arguidos; que no entanto protesta sobre a detenção do distinto clínico Doutor Joaquim Tavares Festas, pelo qual empenharia a sua honra garantindo-lhe  a inocência; que pode afirmar que este preso se encontra gravemente enfermo há muitos meses, de uma doença rebelde cujo tratamento anda sendo ministrado pelo ilustre médico desta cidade, Excelentíssimo Doutor João Rodrigues de Oliveira, chefe do partido unionista; que afirma e garante, sob juramento, que no dia vinte e um de Janeiro ao dar-se o incidente monárquico ele se encontrava afastado de Mortágua e acidentalmente na sua casa da Gândara, onde tinha ido de Coimbra com pouca demora (…)  
in Arquivo Histórico Militar, Fundo 1, Secção 37, Caixa 59 »
 

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Em 1920, vamos ter notícias de Alfredo Fernandes Martins, relacionadas com a sua actividade como dirigente estudantil da Associação Académica de Coimbra, de que terá sido presidente, encabeçando um movimento que passaria a ser conhecido como Tomada da Bastilha.
 


«Em 1913 o Senado Universitário concedeu à AAC o rés do chão do Colégio de São Paulo na Rua Larga, onde já estava instalado o Clube dos Lentes, oriundo da mesma raiz: a Academia Dramática.
As instalações no Colégio eram já escassas para toda a actividade académica, que já incluía a dos organismos autónomos então existentes: o Orfeão e a Tuna.
A relação com o Clube dos Lentes não era boa e o primeiro andar que eles ocupavam já tinha sido destinado à academia, mas a entrega tardava.
No dia 25 de Novembro de 1920, pela madrugada, quarenta estudantes ocupavam os andares superiores, num assalto que se tornou famoso e que a academia denominou de Tomada da Bastilha. O Colégio passou a ser conhecido como a Bastilha e o dia 25 de Novembro passou a ser o dia da Academia de Coimbra.
Alfredo Fernandes Martins, estudante de Direito, ajudado pelo seu colega Padre Paulo Evaristo Alves e os estudantes de Medicina João Rocha, Pompeu Cardoso e Augusto da Fonseca Júnior, conhecido por "Passarinho" foram os principais mentores de memorável conquista.
Dividiram-se em três grupos: um para ocupar a torre da Universidade usando chaves falsas, outro para o assalto ao Clube dos Lentes, e outro para defender a sede da AAC, isto é, o rés do chão do Colégio.
»

in cidade-coimbra.blogspot.com/2007/11/associao-acadmica-de-coimbra-aac.HTML


Alfredo Fernandes Martins, primeiro à esquerda, com os outros conspiradores

Do livro "Coimbra de Capa e Batina" de Carminé Nobre, a página da Associação Académica de Coimbra transcreve uma descrição mais pormenorizada:

Eram quarenta os conjurados, que cegamente obedeciam ao comité central, constituído pelos estudantes Fernandes Martins, Paulo Evaristo Alves (Padre Paulo) de Direito, Pompeu Cardoso, Augusto da Fonseca (o Passarinho) e João Rocha de Medicina.Em sucessivas reuniões, o comité central foi afinando o plano de assalto. Uma delas realizou-se na Torre de Anto onde a nostalgia de António Nobre pairava ainda em fortes traços de lirismo. Além do comité central, havia os chefes de grupo de inteira confiança, os quais por sua vez, recrutariam os elementos sobre que agiriam directamente.Uma noite, à luz mortiça de um lampião de azeite, velha relíquia de antigas gerações, o comité central deliberou, definitivamente, fazer o assalto no primeiro dia de Dezembro, comemorando o feito histórico de igual data, em 1640. Porém, um dia depois chegou ao conhecimento do comité a notícia, fundamentada ou não, de que a Reitoria apesar de todo o sigilo havido nas diligências já realizadas, tinha conhecimento do que pretendia fazer-se, e procurava evitá-lo, inclusivamente auxiliada pela intervenção da força pública.Uma reunião de urgência levou o comité revolucionário a precaver-se contra qualquer surpresa da Universidade e, assim, deliberou antecipar o movimento e marcar a sua realização para a madrugada de 25 de Novembro.
Chegou a noite. O bairro latino afogava-se em penumbras. Numa casa antiga e em volta de uma mesa escalavrada, reuniu pela última vez o comité. Nessa noite, o Clube dos Lentes deixaria de existir na casa da Rua Larga. Por volta das onze horas estavam as forças reunidas e é curioso notar que os conjurados não conheciam o comité central. Todos os juramentos de fidelidade à causa eram feitos ao chefe de grupo, que, por sua vez, os transmitiam. Sobre a madrugada, frigidíssima e chuvosa, foi escalonado um grupo para assaltar a Torre da Universidade e repicar os sinos festivamente, logo que um morteiro lhe anunciasse que o Clube dos Lentes estava nas mãos da Velha Briosa.Ao partir, receberam as chaves falsas que lhes abriam a porta da Torre.
A chuva caía em bátegas, e como se receasse o êxito desta diligência, que tinha de principiar pelo escalamento da Porta de Minerva, logo Augusto Fonseca, tranquilo e sorridente, destrui essa preocupação, afirmando: "a Torre é connosco". Vem a propósito dizer, que a agitação política daquela época, estendia a sua paixão até aos espíritos mais humildes. E foi certamente por isso, que o serralheiro Alfredo Garoto, com oficina na rua das Covas, ao ser peitado em confidência para fazer as chaves falsas, se apercebeu de que alguma coisa de muito sério se ia passar. E nesta convicção, interrogou em meia voz:-É contra os talassas? Se é, faço tudo de graça.Não foi contra os talassas, mas as chaves ainda hoje estão em dívida.Às 6 e 45 da manhã, a explosão de um morteiro sobressaltou a cidade e os estudantes que se encontravam na Torre ficaram assegurados que o assalto estava consumado.Repicaram os sinos e logo uma girândola de 101 tiros, lançada das varandas do antigo Clube dos Lentes, tornado naquele momento Associação Académica de Coimbra, chamou a Academia à realidade da conquista.Acorreram os estudantes de todos os lados da cidade. Nas primeiras impressões Coimbra julgou tratar-se de um movimento político.O dia 25 foi de festa rija para a Academia. Ao rasar da noite, partiu da Alta com destino à Baixa - a via sacra do estudante - uma marcha luminosa (hoje recordada como o cortejo dos archotes) com milhares de pessoas, pois a cidade associou-se ao regozijo à Briosa. E quando outra madrugada rompeu ainda no bairro latino se ouvia o grito heróico da conquista:- Viva a Academia!

fonte: http://www.aac.uc.pt/historia/tomadabastilha.php

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João Pedro Campos, no seu livro AAC: os rostos do poder também nos dá algumas informações:
“ Conhecido boémio, Fernandes Martins estudou Direito na Universidade de Coimbra durante muitos anos, tendo chegado a estudar e trabalhar ao mesmo tempo.”
“ Chegou à presidência da Associação Académica de Coimbra em Junho de 1921 e teve dois momentos marcantes no mandato: a reabertura da sede da AAC em Outubro desse ano (havia sido encerrada nas férias de Verão para obras), e a inauguração do Campo de Santa Cruz (terreno de jogos para a Académica) em Março de 1922, num jogo entre a “Briosa” e o Académico do Porto. (…) A Queima das Fitas também foi retomada  , depois de um ano de suspensão.”
“ Fernandes Martins terminou o curso em 1926, ano em que foi eleito presidente do Orfeon Académico de Coimbra. Dedicou-se depois à advocacia, tendo feito parte de alguns casos importantes.”
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O jornal Santacombadense, de 4 de Maio de 1930, dá a notícia do falecimento  do médico Dr. Joaquim Tavares Festas, antigo líder dos monárquicos de Mortágua, e das homenagens fúnebres, nas quais participou o Dr. Fernandes Martins, em tempos membro da Junta Republicana de Mortágua, e chefe do grupo civil «Legião da Beira».
 
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António Manuel Nunes  dá-nos conta da presença de Alfredo Fernandes Martins nos " festejos de um centenário da Real República Baco (fundada em 30/04/1934), possivelmente realizados em 1945, ou no ano anterior. A fotografia vem publicada em Carminé Nobre, "Coimbra de Capa e Batina. Volume II", Coimbra, Coimbra Editora, 1945.
Na fotografia são reconhecíveis o estudante Sobral Torres (com violão) e a seu lado o Dr. Alfredo Fernandes Martins (advogado e poeta). "
 
 

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O mesmo autor(A.M.Nunes), informa-nos da presença de Alfredo Fernandes Martins "letrista, advogado em Coimbra" , nas Bodas de Diamante do Orfeon Académico de Coimbra, que tiveram lugar em Coimbra entre 23 de Abril e 1 de Maio de 1955. 
Entre outros ilustres participantes consta alguém intimamente ligado a Mortágua: Manuel Simões Julião, "cantor, funcionário administrativo".
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Alfredo Fernandes Martins, faleceu em Coimbra no dia 18 de Maio de 1965.
 
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Isto foi o que conseguimos apurar, até agora, sobre Alfredo Fernandes Martins, natural do Porto e estudante em Coimbra, que esteve ligado ao Concelho de Mortágua, em especial a Cerdeira.
Seria interessante perceber a natureza desta ligação.
Sabemos também que o seu filho, com o mesmo nome, foi um eminente Professor Catedrático de Geografia da Universidade de Coimbra, falecido em 1982.
 
 
 

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