A Versão do Dr. José Baptista
Para
que não digam que estamos a citar uma versão truncada, ou deformada da história
da Chanfana/ Lampantana, em que se baseiam todas as que têm vindo a ser
difundidas, sobre o assunto, nos documentos produzidos pela Câmara Municipal de
Mortágua, começaremos por reproduzir, na íntegra, o escrito original do Dr. José
Baptista, e publicado pela primeira vez no livro “Nos caminhos do Património”
da autoria de Mário Nunes e editado pelo Grupo de Arte e Arqueologia do Centro
e pela Livraria Minerva, em Coimbra, no ano de 1989.
« Pelo Carnaval, há cerca de 60 anos, na
Marmeleira, povoação do Concelho de Mortágua, uma senhora chamada Angelina,
teve a ideia de improvisar para a refeição um “prato” surpresa, confeccionado
com carne de ovelha, e do seguinte modo:
Para uma caçoila, de barro preto de Molelos, cortou a carne aos pedaços
e a cada camada de carne juntou um pouco de colorau, pimenta, cebola picada,
alho esmagado, sal e folhas de louro. Depois da carne acondicionada deste modo
na caçoila, juntou-lhe ainda um ramo de salsa e uma golada de azeite e
conservou-a assim, a tomar contacto com os temperos, durante o tempo que ia
decorrer para aquecer o forno de lenha, onde ia cozer o pão de trigo, que nessa
altura se chamava o “pão de festa”.
Quando o forno já estava à temperatura ideal, meteu lá os pães (também
chamados “pão caseiro”), cobriu a carne na caçoila com bom vinho tinto e
introduziu-a também no forno para assar.De vez em quando, “regava essa carne com vinho para que não ficasse a descoberto de molho , enquanto assava.
A carne assim preparada ficou uma
maravilha. E chegado o dia da sementeira das batatas, a mesma senhora mandou
abater outro lanígero do seu rebanho e preparou-o para a merenda, do mesmo modo
como tinha preparado no dia de Carnaval, por se tornar fácil a sua confecção.
A dita merenda, da qual fizeram parte, também, alguns convidados,
constou de :- carne, assim assada
- pão caseiro, de trigo, pão de festa
- batata cozida com casca, conhecida por “batata fardada”, que se descascava no momento que se ia comendo, temperada com o molho da carne;
- grelos, na época ( quando da falta destes, servia-se com alface);
-e vinho.
A merenda foi muito apreciada, todos gostaram da carne assim preparada, uma especialidade que merecia um nome.
As sementeiras, as colheitas, e digamos, quase todos os trabalhos
agrícolas são uma faina sã. E como nessa época havia entre nós, beirões de
Mortágua e, especialmente, nos trabalhadores do campo um pouco de sotaque “xim”,
isto é, pronúncia do “s” por “x”, como por ex.: xim xenhor, xou de Vixeu, etc.; esta especialidade
gastronómica merecia um nome, entenderam que o nome devia fixar a faina
agrícola, com muita alegria e camaradagem, ficando baptizada de XANFANA, que
traduz FAINASÃ.
Antigamente, a agricultura, entre nós, era conhecida por “ a arte de
empobrecer alegremente”. Na realidade, assim era, e algumas das fainas
agrícolas mais violentas, como sementeiras, plantações e arranque de batatas,
ceifas e malhas (outrora as debulhas dos cereais eram feitas malhando as
espigas com a força humana e o peso do mangual) realizavam-se com o auxílio de
pessoas amigas que se ajudavam umas às outras, em franca camaradagem, que
terminava sempre em “comes e bebes” num aparato de apetitosas merendas no
campo, no fim das fainas, em agradecimento pelo trabalho realizado.
E , foi nos anos 30, no início desta década, que se preparou pela
primeira vez, a XANFANA, que sendo alimento forte, fácil de preparar e
apetitoso, se servia nesses “comes e bebes” no campo.
Até aí, cozinhavam, já, carnes assadas de várias maneiras, mas não deste
modo. E com o tempo, foi-se verificando que a XANFANA era melhor se fosse
preparada com carne de ovino velho do que com carne de caprino e de animais novos.
Mas sendo a XANFANA um prato de tão simples preparação e ao alcance de todos nessa época, porque no nosso concelho quase toda a gente tinha rebanhos, era muito apreciada e não tardou que fosse conhecida e servida nos jantares de festas, ficando a constituir, digamos mesmo, o “prato favorito” nos dias de festa das aldeias da nossa região da Irmânia(*), assim se chamava a actual freguesia da Marmeleira.
Apresentava-se nas mesas fartas dos dias de grandes festas: Festa Geral (festa para todos) e sobretudo nas festas da Escola Livre da Irmânia (**) ou Centro de Educação Popular da Marmeleira, festas estas que se realizavam nos dias de Reis , que duravam sempre uma semana e às quais afluía gente de muitos lados, sendo , também , uma festa de todos fossem ou não sócios do nosso Centro de Educação Popular ou Escola Livre da Irmânia.
A estas festas da Escola Livre vinham, também, pessoas intelectuais, como professores da Universidade, advogados, arquitectos, engenheiros , médicos, etç., de Lisboa, Porto, Coimbra e outras terras para proferir conferências no Salão da Escola Livre da Irmânia. Durante o convívio com essas pessoas, falando de XANFANA, como era preparada e comida, foi-lhe dado ainda outro nome:
LAMPANTANA
em que:
LAM PAM
et ANA
(ovelha) (pão) (abreviatura
do nome da cozinheira Angelina)
Carne com que se come (carne que se come com pão)(**) “Escola Livre da Irmânia”. Foi a segunda escola livre do País e fundada pelo Dr. Basílio Lopes Pereira, ilustre filho da Vila da Irmânia e encerrada pela PIDE por volta de 1937. A primeira escola Livre existiu em Oliveira de Azeméis e também fundada pelo Dr. Basílio, quando, também, notário, naquela localidade. »
Em próximas mensagens iremos comentar o que
conseguimos apurar sobre o assunto, as
nossa opiniões, e as dúvidas que ainda
temos. Pode ser que assim, alguém nos ajude a ultrapassar as falhas de
conhecimento que ainda temos.
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