domingo, 19 de junho de 2016


 “ O PINHEIRO ”  de Tomáz da Fonseca

Uma reedição recente

 Em 1949, Tomaz da Fonseca publicou um livro intitulado “O Pinheiro” em que relata uma palestra que fez “aos seus vizinhos da Montanha, na Primavera de 1913”, que teve lugar na povoação de Paredes, integrada numa campanha de promoção da florestação do concelho, nessa época com extensas zonas áridas.
A Câmara Municipal de Mortágua, numa iniciativa louvável, resolveu promover a reedição do livro, há muito esgotado. Pena é que não tivesse havido algum cuidado na sua execução.

Em primeiro lugar, o editor tem o desplante de substituir no texto palavras que constavam na versão original por palavras suas, remetendo as palavras de Tomaz da Fonseca para as notas de rodapé.
Nunca tal tínhamos visto anteriormente, e já lemos alguns milhares de livros. Insatisfeito com esta arrogância, dá informações em notas de rodapé que mostram  alguma ignorância e presunção. Só para exemplo, transcrevemos a nota  do editor nº 25:

“O autor refere-se à 3ª invasão francesa (1810-1811) comandada pelo Marechal André Massena e formada por 3 corpos de exército num total de perto de 65 000 homens. Nos finais de Setembro de 1810, no caminho de Viseu para o Bussaco, as tropas do VI Corpo comandado pelo Marechal Michel Ney e do VII Corpo, comandado pelo general Jean-Andoche Junot, passaram pelo concelho de Mortágua onde provocaram enormes estragos, roubos e mortes entre a população.”
Esta nota não acrescenta nada à compreensão do texto, pelo que não tem sequer razão de existir. Mas uma vez inserida deveria, no mínimo, ser correta, o que não acontece. Dos três corpos do exército de Massena referidos, é logo esquecido o 2º Corpo que parece não ter passado no Concelho de Mortágua. Ora o 2º Corpo, comandado pelo General Reynier esteve em Mortágua e foi incumbido do ataque às forças anglo-portuguesas por Santo António do Cântaro. Já o 7º Corpo, se existia, nunca entrou em Portugal. Entrou sim o 8ª Corpo comandado pelo General Junot, mas nem chegou a entrar combate na Batalha do Bussaco.

Mas logo na Introdução Tomaz da Fonseca escreveu um parágrafo que deu origem a duas incorrecções. Vejamos o parágrafo, como costa da 1ª edição:
“A fim de generalizar tão salutar medida, resolvi convidar um amigo, académico ainda, mas já caloroso defensor das regalias populares, (1) para realizarmos palestras nas aldeias da serra, mormente onde mais danos causa aquele dente voraz, que de florestas nascentes faz desertos.”
Da nota de rodapé consta: (1) Dr. Basílio Lopes Pereira.

Pois bem, na edição actual a nota, agora com o número 3 passa a ser:

«Dr. Basílio Lopes Pereira (NOTA DO AUTOR). Nasceu em Marmeleira em Dezembro de 1893 e faleceu em Lisboa em Maio de 1959. Advogado, republicano, co-fundador do jornal “Sol Nascente” e do Centro Democrático de Educação Popular na sua terra natal. A sua oposição ao Estado Novo, levou-o às cadeias do Aljube e Caxias  e á deportação para Cabo Verde.».

Não me foi possível consultar informação sobre a(s) sua(s) estadia(s) na cadeia do Aljube, mas li documentação que refere a sua prisão no Forte de Peniche entre 29/06/1939 e 10/10/1939, de onde transitou para Caxias, cadeia onde permaneceu até ser enviado para o Campo Prisional de Chão Bom, a tristemente célebre prisão do Tarrafal de Santiago em Cabo Verde. Aí esteve entre 01/03/1940 e 01/06/1942. Basílio Lopes Pereira esteve preso em Cabo Verde, e não deportado. De facto, já anteriormente tinha estado deportado na ilha de S. Miguel, nos Açores, em 1931, mas como facilmente se percebe, não são regimes de coerção comparáveis.
Outro erro ligado ao mesmo parágrafo é cometido pelo autor do prefácio, que escreve: “Para realizar essas palestras, Tomaz da Fonseca fazia-se acompanhar do seu amigo Basílio Lopes Pereira, jovem estudante de Direito em Coimbra,…”

O dr. João Paulo deixou-se levar pelo termo “académico”, que Tomaz da Fonseca utiliza com um significado mais lato do que  “Universitário”. O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora também refere como sinónimos, “estudante de ensino secundário, médio ou superior”.

Ora, na data da citada palestra, “ Maio de 1913”, Basílio Lopes Pereira era aluno do 7º ano do liceu, e só em Outubro desse mesmo ano viria a entrar na Universidade.
Já o sabíamos por ter lido no jornal Sul da Beira de 13/02/1913 a notícia da 1ª conferência do Centro Democrático de Educação Popular da Marmeleira, realizada em 09/02/1913: “Meia dúzia de denodados rapazes da Marmeleira, sobre os quais citaremos os nomes dos nossos ilustres amigos Antonio Pereira de Sousa, Bazílio Lopes Pereira, distintíssimo aluno do 7º ano do liceu,…”

Mas para que não nos restassem dúvidas, consultamos o “Anuário da Universidade de Coimbra -  Ano Lectivo de 1912-1913” no qual não consta o nome de Basílio Lopes Pereira. No Anuário de 1913- 1914, aparece Basílio Lopes Pereira como aluno do 1º ano do curso de Direito.

Sem comentários:

Enviar um comentário