terça-feira, 7 de junho de 2016

 
Lopes d’Oliveira  e o Golpe Militar de 28 de Maio de 1926
O golpe militar de 28 de Maio de 1926 foi o início de uma ditadura que durou 48 anos. Durante esse tempo milhares de portugueses foram presos por motivos políticos, muitos deles torturados, e alguns assassinados pela polícia política.
Por estranho que possa parecer, muitas dessas pessoas perseguidas foram inicialmente apoiantes explícitos ou implícitos do Golpe Militar. É certo que durante grande parte da primeira República se viveram tempos conturbados. Basta ver que num período de tempo que não chegou a 16 anos, realizaram-se 7 eleições legislativas, oito eleições presidenciais e 5 eleições municipais. Sucederam-se 45 governos e só António José de Almeida concluiu um mandato presidencial completo. Foram múltiplos os assassinatos políticos e  as rebeliões militares. A corrupção e o arranjismo grassavam. É neste ambiente que a certa altura começou a crescer a ideia da necessidade de uma intervenção autoritária, mesmo entre pessoas que tinham lutado pela implantação da República. Disso souberam aproveitar-se também as forças monárquicas e os sectores mais retrógrados da população republicana.
Poderíamos citar inúmeros cidadãos, alguns deles famosos oposicionistas algum tempo depois, que deram esse apoio ao golpe militar. Mas hoje trataremos unicamente de uma proeminente figura mortaguense: Lopes d’Oliveira.
Transcrevemos na integra uma entrevista dada por Lopes d’Oliveira, e publicada no  Diário de Lisboa,  de 27 de Maio de 1926, véspera do golpe militar:
O MOVIMENTO QUE SE ANUNCIA
Esse pronunciamento há de varrer juntamente executivo e legislativo- afirmou-nos o dr. Lopes de Oliveira
O sr. dr. Lopes de Oliveira, professor e político – actualmente preside ao Directorio do Partido Republicano Radical –é um dos portugueses de categoria do seu tempo que mais notavelmente marca pela audácia das suas opiniões e sobretudo pela coragem das suas atitudes. Ouçamo-lo, pois, a pôr o seu critério sobre a hora incerta que passa:
-Não compreende esta gente que, dando um espectaculo sem precedentes ( para forçar o governo a abdicar ou a arrastar miseramente uma vida inconstitucional, impedindo as Camaras de deliberar), suspendem as funções legislativas, suprimem de facto o Parlamento (tanto como se o ministério, por um golpe de Estado o estrangulasse), abrem caminho, não a uma revolução ( que não tem sombra de autoridade moral para recorrer a ela) mas sim para um pronunciamento militar para o qual só bastam bravura e decisão?
- Não será pessimismo exagerado?
- Os factos o dirão. Esse pronunciamento ha de varrer juntamente executivo e legislativo, abolindo as ditaduras de portarias e de sarrafo e substituindo as por uma ditadura de espadas. Na altura a que chegámos basta que um general aceite, emfim o comando de todas as casernas para que se atropelem pelo alçapão do tablado todos os figurantes das comedias de S. Bento e do Terreiro do Paço. Bem desvairadamente vão correndo autores e cúmplices do descalabro material e moral que nos degrada.
Apontando outra consequência grave:
- Equivale a entregar o país ao estrangeiro, é a ruina eminente. Se uma ditadura militar cair sobre nós, como «ultima ratio» contra a desordem, não se calcule que essa ditadura ha de ser derrubada em breve pelo conúbio egoísta das mesmas facções que hoje se degladiam, liquidando, numa hora mais que nenhuma incerta, todo o prestígio do Exercito? E não se sente já o grande risco, neste momento em que a Espanha termina vitoriosamente a campanha de Marrocos, a Italia exige com truculência um vasto imperio colonial, a Alemanha entra na Sociedade das Nações em condições ameaçadoras e a Inglaterra nos abandona?
A atitude do Partido Radical posta e explicada pelo entrevistado:
- Perante o quadro sinistro não haverá uma trégua nas contendas que envilecem, um rebate de consciência, um instante de vergonha. Subverta-se embora o Estado, a facção Antonio Maria da Silva não cede, libertando a Presidencia da Republica de escrúpulos constitucionais? E as oposições não lhe significam que aceitarão um Governo Nacional que presida a eleições, terminando o conflito e abrindo novos horizontes?
Pois é o Partido Radical, alheio à batalha parlamentar, que não tem as menores responsabilidades no «gachis» politico, isento de todas as culpas da governação, que lhes vem estender a taboa de salvação, defendendo a formação dum Governo Nacional!
Se eles pudessem perder-se sósinhos, esses dirigentes que nos levaram à beira do naufrágio, tudo haveria a ganhar; livre de tais timoneiros, o barco singraria. Mas é o caso que todos os portugueses vão bordo…
***
Uma referência á situação parlamentar. Ácerca das maiorias:
- Se ao menos houvesse uma maioria parlamentar! Mas é bem evidente que a maioria quer debr’aventar(?); a maioria não tem confiança em si; sentindo que não representa a nação, toma como fictício o seu mandato. Ela não se respeita mesmo…
Em parte nenhuma do mundo uma maioria consciente e digna aceitaria a humilhação e o enxovalho. Esses deputados que todos os dias – e vai para um mês! – acodem a S. Bento, a assistir a sua exautoração – do seu partido, do seu governo, do seu próprio brio – e que se dão por bem pagos das bofetadas que lhes infligem com os cem escudos que ganham – dão um espectaculo ignóbil.
Acêrca das minorias:
- Oh…as minorias…! Em parada de farroma, mas avançando e recuando, afirmando e negando. A principio, entre vaias e insultos, em briga com a maioria, em breve se reduzem ao conflito com o governo. E com este é um complicado horário – primeiro ainda o reconhecem antes das 4 da tarde, depois, não o conhecem mais em toda a sessão… Mas quantos deputados das minorias continuam a estar com os ministros muito de bem nos gabinetes do Terreiro do Paço?
E nenhum ministro se atreve a penetrar nas salas do Congresso! O governo que deportou, aceitando, sofrendo a deportação!...
***
Palavras que toda a gente sente e muito poucas se atrevem a proferir:
- O que contrista é que não há no país um só homem que lance com autoridade uma palavra de paz, e que possa juntar à volta de si as energias perdidas no caos, em feixe de acção resgatadora.
E nem um só politico dos partidos em barafunda – de pé! Todos curvados ou rastejantes, buscam prêsa, rojando-se para ferir ou para devorar…
Dir-se-ia que Portugal é um deserto de almas! A corrupção, a vaidade, o desanimo apagaram de todo da nossa terra o altruísmo e a fé?
Uma nação digna desse nome, a cada crise que a põe em perigo, encontra sempre figuras representativas da grandeza dos seus destinos – generosos corações, espíritos esclarecidos, vontades indomáveis – o civismo acrisolado em devoção heroica. E á frente, um Chefe!
Eu não apelo para o chefe que manda, mas sim para o chefe que comanda – homem nucleo que congregue, e discipline e guie- e governe com a nação, pela nação.
Caíu porventura Portugal em menoridade? Dir-se-ia que a fatalidade pesa sobre nós; errantes, tacteamos nas trevas. Nenhuma evidencia transluz; cegos e atónitos são todos os que pretendem conduzir-nos.
O Presidente da Republica*, que tem toda uma vida de singular bravura moral, deixa-se dominar pelo mêdo, mêdo de, pela sua intervenção, tudo comprometer. A sua nota oficiosa reflete este estado de espirito. A força das circunstancias impede todos os torneios de dialectica; as duras, invioláveis leis da necessidade traçam o caminho da acção.
* Nota: Bernardino Machado
- Da acção… em que sentido?
O ilustre professor fixou-nos, teve um olhar de firmesa que denunciava uma formidável decisão, e disse sem que tivéssemos coragem de o interromper:
- Olhe: A Republica entrou na brenha espessa dos banditismos, das concussões, dos máximos atentados, das violações da lei, dos estupros morais, dos sacrilégios de justiça. Como ha de encontrar caminho? Se de repente nos surge, não um Chefe, mas um bandoleiro, rodeado de espingardas, ungido pelo desvairamento do desespero ao troar dos canhões, por quem nos bateremos contra ele? Pelo Chefe de Estado? Mas não será nessa hora senão uma sombra…Pelo chefe do governo? O Antonio Maria! Mas cada um dos seus pensamentos é uma fraude, cada gesto uma cilada e cada palavra sua leva sempre a errata dum oblíquo olhar que a desmente… Por quem nos bateremos?
E evitando que a pergunta ficasse sem resposta concluiu assim:
- Os verdadeiros portugueses são capazes ainda de um grande esforço, se ele lhe fôr pedido em nome de uma grande causa. Esta causa não pode ser a dos partidos; é a causa da Nação. “
 
Apesar desta posição, aparentemente aberta à aceitação da intervenção autoritária que teria lugar no dia seguinte,  a ligação seria pouco duradoura. O conflito com o novo Poder não tardaria muito a surgir, mas mesmo antes de ele acontecer, já o nosso conterrâneo iniciava o contacto, embora breve, com a prisão.
Vejamos a notícia publicada no jornal A CAPITAL  de 2 de Junho de 1926:
TOUT EST BIEN…
A prisão dos srs  ALVARO DE CASTRO e LOPES D’OLIVEIRA
Um equívoco – por certo que não passou dum lamentável equivoco! – determinou, com desgosto para os republicanos, que os srs, Álvaro de Castro e Lopes d’Oliveira fossem privados temporariamente da liberdade. E foi, por força, um equívoco porque, a breve trecho, os srs. Mendes Cabeçadas e Gomes da Costa o desfizeram, restituindo à liberdade a que teem incontestável direito, como todos os cidadãos isentos de culpa formada, os dois eminentes homens públicos.
Não se compreende, facilmente, o critério que levou á detenção dos Srs. Alvaro de Castro e Lopes de Oliveira. O primeiro d’estes ilustres republicanos não manifestou, jamais, a menor hostilidade ao movimento revolucionario em preparação. Talvez antes pelo contrario! É certo que procurou investigar junto do sr. Mendes Cabeçadas acerca do objectivo final do movimento militar, já quando ele estava em plena floração. Mas isso não constitue crime. Devemos recordar que se produziu então uma suspeita ou se desenvolveu uma intriga, pouco importam os nomes.
O facto é que era legítimo e estava mesmo naturalmente indicado que os republicanos quisessem saber até que ponto eram dissolventes taes suspeitas ou intrigas.
Verificou-se que não tinham fundamento,- graças às palavras pronunciadas por homens honrados, os Srs. Gomes da Costa e Mendes Cabeçadas. O sr. Alvaro de Castro tranquilizou-se. Bem o reconheceram os Srs. Mendes Cabeçadas e Gomes da Costa, remediando o mal feito. Não ha senão que louva-los.
Mais estranho é ainda o procedimento havido para com o sr. Lopes d’Oliveira, que, se não estamos em erro involuntário, colaborou, com os seus correligionarios radicais, no «complot» preparatório do movimento militar. O sr. Lopes de Oliveira devia ser, pois, «personna grata» aos revoltosos e, por certo que o era e é. Só, pois, por equivoco, aliás explicável, ou por um lamentável «trop de zèle» é que o eminente e dedicado republicano foi encarcerado. A justiça, prudente e sabia, dos dois chefes supremos do movimento militar, deu-lhe e reparação a que tinha direito. Felicitamo-lo.
 
Esta seria a primeira prisão de Lopes d’Oliveira após o 28 de Maio, mas não a última.
 
 
 


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