Chanfana
e lampantana –
Contestação à versão do Dr. José Baptista
O Dr. Baptista atribui a descoberta da Chanfana à senhora
Angelina, num Carnaval que não localiza bem no tempo, mas que seria já no
Século XX. Inicialmente preparou-a em dias de maior actividade agrícola e
depois passou a apresentá-la nos dias de festa
da Região da Irmânia, que diz ser o nome usado para a freguesia da
Marmeleira, e “sobretudo nas festas da Escola Livre da Irmânia, que se “
realizavam nos dias de Reis “ e que “duravam sempre uma semana”.
É difícil dizer tantas falsidades em tão curto espaço de
tempo. Vejamos:1ª - A Marmeleira e a sua região envolvente, pelo menos enquanto durou o jornal Sol Nascente (1915), nunca foi conhecida por Irmânia. Era conhecida por Lysia, e Região Lysiana, como se pode ver em vários números do jornal.
2ª – Por essa época não existia nada que se chamasse Escola Livre da Irmânia. Existia sim o Centro Democrático de Educação Popular, como poderemos constatar pela leitura do Sol Nascente.
3ª – As festas do Centro Democrático de Educação Popular não se realizavam no dia de Reis. Encontramos referência às datas de 10 de Maio de 1914, e 11 de Outubro de 1914.
4ª – Em 1914 a festa do CDEP da Marmeleira só durava um dia, e pensava-se em organizar futuramente uma feira anual, no Cabeço das Cernadinhas, servindo toda a “Região Lysiana”, que definiam com os limites muitos anos mais tarde atribuídos à “Irmânia”.
5ª – O jornal Sul da Beira de 20-03-1913 relata uma conferência do Centro Democrático de Educação Popular, precedida de uma Festa da Árvore, muito ao gosto dos republicanos dessa época, seguida de um lanche : “Segue-se o lanche que é servido pelas ex.mas cidadãs D. Maria da Encarnação Araújo, D. Angelina Sousa Reis e D. Maria José Cordeiro, tudo isto no meio de grande entusiasmo.” Para quem não sabe, a D. Maria da Encarnação era a mãe de Basilio Lopes Pereira; a D. Maria José era a esposa de um conceituado professor, José Cordeiro; e a D. Angelina Souza Reis, ao que tudo indica, seria a cozinheira criadora da chanfana, era nem mais nem menos do que a mãe do nosso cronista.
Informa-nos também o Dr. José Baptista que os trabalhadores que tentaram criar um nome para o novo manjar, trocavam os “S” por “X”, e por isso, ao darem-lhe o nome de Faina Sã, que equivaleria a dizer Agricultura, logo passaram a dizer Faina Xã e daí a pouco inverteram para Xanfaina, que redundou em Xanfana. A ideia demonstra alguma imaginação, mas pouca verdade. Para começar, é falso que seja frequente as pessoas do concelho de Mortágua terem esse sotaque, que no entanto é frequente noutros concelhos da Beira Alta. Depois, ninguém poria um nome alusivo ao trabalho a um pitéu tão gostoso. E a menos que tivesse ficado das guerras peninsulares alguma reminiscência da língua inglesa, a inversão da ordem só é usual na linguagem poética. Só um poeta transformaria a Faina Sã em Xanfana.
A criação da designação de Lampantana pelos intelectuais de todo país que vinham às festas da Escola Livre da Irmânia, é outra patranha fantástica. Mesmo admitindo que o autor se está a referir ao Centro Democrático de Educação Popular, este só iniciou actividade em 1913. .
As associações que são referidas para a criação do nome Lampantana, também são extraordinárias: LAM para lembrar gado lanígero, PAN alusivo ao acompanhamento e ANA para consagração da cozinheira, que afinal não era Ana, mas sim ANGELINA.
Ficaram a faltar os termos evocativos das “batatas fardadas” e dos “grelos” ou da “alface”. Como se vê a designação ficou muito incompleta…
Eugénio Marco(EMBAR), natural de Vale de Açores, em artigo publicado pela Defesa da Beira de 12.11.2010, afirma que em 1902 a sua avó, então com cerca de 24 anos, foi trabalhar como criada de servir para um casa nobre em Santa Comba Dão, que era frequentada por António Salazar, ainda seminarista. Numa dessas visitas, a avó do Marco apresentou à mesa a nossa carne assada com vinho, que nessa época não seria habitual em Santa Comba. Salazar comeu e repetiu com agrado, o que levou a senhora a pedir amiudadamente para que fosse confecionado esse prato, e à pergunta de como se chamava, a senhora Leopoldina Barbosa terá respondido: “ É lampantana, minha senhora, de Mortágua.”
Ora, sabendo nós que Salazar frequentou o seminário de Viseu entre 1900 e 1908, logo concluímos que o termo lampantana já existia, há mais de 5 anos, quando o Centro Democrático de Educação Popular começou a funcionar.
Ainda sobre a vinculação da designação de lampantana à carne gado ovino, basta ler o que escreve Tomás da Fonseca no livro A Cova dos Leões para concluir que não é universalmente aceite essa distinção:
Há dois anos passaram pela aldeia um professor catedrático e um notário, acompanhados por esposas e filhos. Convidei-os a ir ao arraial. Ficaram desolados! Devotos, apenas uma pobre mulher, ajoelhada em frente do altar, de olhos fitos na Santa e os lábios a bulir.
E, cá fora, duas dúzias de pessoas, de boca aberta, à espera que amigos ou parentes da terra as convidassem a saborear o chibo à lampantana, que os visitantes igualmente conheciam das suas andanças pela serra. »
Em muitas localidades, principalmente da Bairrada o
termo é utilizado indistintamente para gado ovino e caprino
Ainda uma palavrinha sobre as “batatas fardadas”. Até à
publicação da recolha do Dr. Baptista, nunca se utilizou esse termo no concelho
de Mortágua, com o sentido que lhe querem dar. Normalmente as pessoas diziam
“batatas cozidas com pele”, ou em alguns casos “batatas à racha”. Aliás
geralmente só as confecionavam assim enquanto novas, e coziam-nas sem pele
quando começavam a envelhecer. Do ponto de vista culinário, o termo batatas
fardadas pressupõe que se revestem de alguma coisa que naturalmente não lhes pertence. Ninguém
considera um nudista “fardado”. E as batatas assadas com pele também são
fardadas? E se forem “a murro”, têm a farda esfarrapada?
A difusão da “Xanfana ( e não Chanfana)” ” às redondezas e a
toda a parte” teria resultado da
presença de orquestras da Bairrada nas festas da Escola Livre da Irmânia. E dá
como exemplos a Tuna de Aguim e Os Perus
do Troviscal. Se em relação aos primeiros era possível abrilhantarem os
festejos da Escola Livre da Irmânia, uma vez que se formaram em 1916 e ainda se
mantinham em actividade em 1931, quanto
aos “Perus” só viriam a existir após a extinção da Banda Escolar do Troviscal,
que aconteceu em 1942, cinco anos depois do encerramento da Escola Livre.
Outra afirmação sem sentido é que “Os rebanhos
existiam na nossa região e não na Bairrada”. Rebanhos havia em todo o lado, mais ou menos numerosos. Ainda não há
muitos anos vi rebanhos a passar à minha porta na Adémia e em Coimbra.
Afirma também que a caçoila de barro
preto era fabricada em Molelos. É verdade, mas basta observar uma listagem
parcial dos locais mais próximos em que se fabricou louça negra, que recolhemos
da tese de doutoramento de Isabel Maria Granja Fernandes “ A loiça preta em Portugal: Estudo
histórico, modos de fazer e de usar”, para constatarmos como
era incompleto o saber do Dr. Baptista sobre esse assunto. Sem nos aventurarmos
para terras mais distantes:
Molelos (Tondela, Viseu)
Nelas (Nelas, Viseu)Ossela (Oliveira de Azeméis), Lugar de Mosteiro;
Castelões (Vale de Cambra, Aveiro), Lugar de Barbeito
Aradas (Aveiro, Aveiro), Lugares de Quinta do Picado e Coimbrão;
Oliveirinha (Aveiro, Aveiro), Lugar de Quintãs
Vila Nova de Monsarros (Anadia, Aveiro)
Barcouço (Mealhada, Aveiro), Lugar de Cavaleiros;
Cordinhã (Cantanhede, Coimbra)
Sazes de Lorvão (Penacova, Coimbra), lugar de Galhano,Candosa, Lugar de Percelada e Covas (Tábua, Coimbra)
(Oliveira do Hospital, Coimbra)
Pombeiro da Beira (Arganil, Coimbra), Lugares da Chapinheira, Corga e Arroça;
Vila Nova do Ceira (Góis, Coimbra), Lugar de Campelo;
Vila Nova de Poiares (Vila Nova de Poiares, Coimbra), Lugares de Alveite Grande, Casal de Vila Chã, Forcado, Olho Marinho
Miranda do Corvo (Miranda do Corvo, Coimbra), Lugar de Bujos, Espinho, Carapinhal;
Vila Nova (Miranda do Corvo, Coimbra), Lugar de Vialonga;
Lousã (Lousã, Coimbra), lugar do Padrão
Antanhol (Coimbra, Coimbra), Lugar de Cegonheira
Alfarelos (Soure, Coimbra), Casal do Redinho
Ega (Condeixa-a-Nova, Coimbra), Lugares de Casével e Casal do Cabo
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