sexta-feira, 3 de junho de 2016


O padrinho de Lopes d’Oliveira
“Lopes de Oliveira

Nasceu em Valle de Açores, concelho de Mortagua , a 25 de dezembro de 1881, tendo-se formado em Direito em 1905. Ainda em Coimbra publicou varios trabalhos de propaganda democrática, crítica literária e social. No livro, Justiça e o Homem, defende calorosamente os mais largos ideaes humanitarios. É professor effectivo do Lyceu de Viseu, tendo feito concurso ainda quando estudante. O governo progressista então no poder, negou-se a despachá-lo durante mais de um anno, protestando o seu revolucionarismo, e repellindo-o tambem das vagas que se deram em Lisboa, uma das quaes, por lei, deveria occupar. Activo propagandista da instrucção, a elle se deve a organização das Escolas Moveis no districto de Viseu. Redactor da Beira, o movimento democratico tem nelle um admiravel campeão”.
In Album Republicano, publicação bi-mensal contendo a colecção completa dos retratos das individualidades que mais se teem notabilizado no Partido Republicano. 1º fascículo (2º volume) 1 de Maio de 1908

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Embora fosse meu tio-avô, a verdade é que não tenho memória de alguma vez o ter visto.
Já crescido surgiu-me a curiosidade de ler o que tinha escrito, mas não foi fácil aceder aos seus livros. Lembro-me que o primeiro livro que li foi «Rema sempre», que pedi emprestado por volta de 1970. Anos mais tarde encontrei entre os livros de meu pai, dois livros de história, que ainda não tinham despertado a minha curiosidade («Quadro da História Universal»  e «Washington  e a fundação dos Estados Unidos»).
Graças à Internet tenho  conseguido encontrar mais alguns livros em segunda mão, porque não houve reedição dos seus livros. Mas nessas pesquisas que vou fazendo, tenho visto plublicadas algumas afirmações que, decididamente, não são verdadeiras.

Uma delas é sobre o padrinho de Lopes d’Oliveira.
Artur Ângelo Barracosa Mendonça, licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, com mestrado em História Contemporânea, investigador integrado do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa e professor do Ensino secundário, certamente por confiar no depoimento de um dos fabricantes de história, em que o concelho de Mortágua é fértil, afirma num artigo do interessante “blog” «Almanaque Republicano», com data de 19 de Dezembro:
“Filho de gente humilde, cedo teve que lecionar para fazer face às despesas. O seu padrinho, pai do escritor Tomás da Fonseca, vendo nele qualidades de estudo e inteligência, ajudou-o bastante.”

Poderíamos argumentar várias coisas para justificar o insignificante grau de probabilidade de tal coisa acontecer, mas é melhor olharmos, antes de mais, para o que o próprio José Lopes d’Oliveira escreveu sobre o assunto:
“ Meu padrinho, José Martins Pereira, tabelião de notas em Mortágua durante mais de meio século, que morreu em 1904, depois dos 80, e que me criou e educou tão caridosamente, foi a primeira pessoa a quem ouvi falar  de João Lopes de Morais. “
In Jornal «O Sul da Beira», 2 de Novembro de 1930.

Se alguma dúvida nos restasse, num artigo sobre o Chafariz de Mortágua, inaugurado em 1904, Lopes d’Oliveira fala-nos da conversa que teve com Manuel de Oliveira Júnior (de quem partiu a iniciativa da construção desse importante melhoramento), sobre a descoberta da nascente e da autorização para a explorar:
“E é desse valeiro das Serrinhas que desejo falar-lhes, lembrando Manuel
de Oliveira Júnior e o que ele me contou. Ouçam:

No dia seguinte procurei seu padrinho (José Martins Pereira), que era o
dono do valeiro. Disse-me que fôra doado há 80 anos a sua tia Maria por
uns parentes - um Padre Rei, e duas irmãs, naturais da freguesia da
Marmeleira, mas então residentes em S. Joaninho; o valeiro fôra cultivado,
e ainda lhe lembrava ele de, no fundo, ter vinha e macieiras. Mas fonte
nem poço nunca vira…
Senhor José Martins - disse-lhe então – venda-me o valeirinho…
- Vender não queria; mas está às suas ordens, se quiser explorar as águas,
para que a vila deixe de beber à corda!”


In Jornal «Defesa da Beira», 11 de Setembro de 1960

A importância deste esclarecimento é praticamente nula, mas é revoltante constatar que um pequeno erro como este, certamente induzido por um “entendido” mortaguense, seja reproduzido com uma rapidez surpreendente, e passe a constituir uma “verdade histórica”.
É verdade que Lopes d’Oliveira e Tomaz da Fonseca eram amigos e vieram a casar com duas irmãs de apelido Branquinho, mas provavelmente só por altura do casamento de Tomaz da Fonseca, Lopes d’Oliveira terá conhecido o pai deste, Adelino José Tomaz, que era um pequeno proprietário na distante povoação das Laceiras. Dos seus sete filhos, só Tomaz da Fonseca estudou, e mesmo esse entrou para o Seminário com 16 anos (1893), do qual viria a sair em 1903. Como se sabe, nessa altura era frequente que os jovens sem possibilidades financeiras entrassem para o seminário para estudar, abandonando a maioria os estudos próximo do seu final.
 Os outros filhos de Adelino José Tomaz dedicaram-se à agricultura, excepto um que emigrou para o Brasil.
Lopes d’Oliveira terminou o curso de direito em 1905.
Não parece muito provável que um homem que não tinha rendimentos para custear os estudos dos seus filhos, fosse patrocinar os de um “afilhado”, por mais qualidades que lhe reconhecesse.

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