Esta
fotografia não datada, mas certamente do início do Século XX, mostra-nos quatro
mortaguenses, dos quais três são sobejamente conhecidos, embora não seja esta a
imagem mais divulgada deles.
O primeiro a contar da esquerda é Júlio Simões
Jesus e Cunha, de Cercosa, e é de todos o menos conhecido.
O segundo é Tomás da
Fonseca, das Laceiras, que nesta altura ainda não usava as longas barbas que
associamos á sua imagem, mas um bigode ligeiramente retorcido.
O terceiro,
envergando um fato claro “ à brasileiro” e botas de cano alto, é nem mais nem
menos que Martins e Abreu, de Pinheiro.
Finalmente, aparentemente envergando
traje universitário, com a capa pousada no chão, está José Lopes d’Oliveira, de
Vale de Açores. Ora, considerando que Lopes d’Oliveira terminou os seus estudos
em 1905, é de supor que a fotografia tenha sido tirada algum tempo antes.
Por esta
fotografia, não hesitaríamos em classifica-los como amigos, e é quase certo que
o eram, por esta altura.
Não sei quando começaram a divergir os seus caminhos,
mas Martins e Abreu, num livro intitulado “A Republica na Beira Alta”,
publicado em 1913, não poupa críticas a Tomaz da Fonseca e a Lopes de Oliveira.
Começa por uma pretensa peça teatral “Um drama na Republica “ em que apelida
Lopes d’Oliveira de Erostrato* e
ridiculariza Tomás da Fonseca a quem chama Tolstoi,
e descreve-o como um personagem que nada entende do que se está a discutir.
Sugere também que vivem os dois ás custas de Branquinho, o sogro de ambos.
(*Erostrato (Herostrato) foi um incendiário grego que destruiu o templo de Ártemis em
Éfeso com o fim de se tornar famoso no mundo inteiro pelo seu acto.)
Termina o
livro com a reprodução de uma Carta ao
Presidente da Republica, Manuel Arriaga, na qual Martins e Abreu lhe pede para ter um papel
mais interveniente e volta a criticar os antigos amigos:
«Os
republicanos em quem confiei, como Tomaz da Fonseca e Lopes de Oliveira, tudo
sacrificam, parece, ao arranjo de clientelas.»
Quanto a
Júlio Simões de Jesus e Cunha, não sabemos como evoluíram as relações de
amizade com os outros elementos. Sabemos que foi professor do ensino primário durante toda a sua vida,
e aos 80 anos, em Janeiro de 1956, publicou um livro de poesia intitulado
“Poema da Decrepitude” em que manifesta as suas crenças religiosas e políticas.
Apreciemos os seus sonetos religiosos:
DEUS EXISTE
Em noite de luzeiros dardejantes
Olhai o firmamento qual sacrário
Esmaltado de estrelas cintilantes
Como luzes no Grande Santuário
Transportai-vos em mente e radiantes
Do Universo ao centro imaginário,
E vêde em movimento astros distantes,
E do Sol o sistema planetário.
Vêde a perfeita ordem dos planetas
E órbitas alongadas dos cometas
Que em várias direcções sulcam os céus;
Esses orbes com giro seu constante
No espaço, são prova exuberante
Da existência verídica de Deus.
Creio em Deus sumamente poderoso
E símbolo perfeito de bondade;
Mar de misericórdia bonançoso
É o seu seio de amor e caridade.
Criou o Sol brilhante e luminoso
Que nos envia a luz, a claridade;
E as estrelas criou no céu formoso
Onde reina por toda a eternidade
Autor da vida, a vida nos quis dar,
Segredo que a ciência portentosa
Não conseguiu ainda desvendar
A reverberação da nebulosa
Tão longínqua que até nós faz brilhar
É ‘inda bênção sua carinhosa.
Mas se o seu discurso religioso nos surpreende um
pouco, dado o anticlericalismo patente da maioria dos republicanos, maior é a surpresa pelo seu discurso político, principalmente pelo 1º dos Três sonetos dedicados a Camões
Do alto pedestal resplandecente
Contempla a nossa Pátria redimida
Por um seu filho enérgico e prudente*
Neste século de luz tão difundida…
Perseguições sofreste em tua vida
E o infame desterro no Oriente
Provocado pela inveja desmedida
Jorrando dos ineptos em torrente.
Mas guardaste na escala mais subida
O amor da Pátria túrgido e fremente
Como a relíquia mais apetecida.
Qual se estivesses entre nós presente,
No coração da Pátria agradecida
O teu poema brilha intensamente
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