sábado, 4 de junho de 2016


Chanfana, Lampantana, Carne assada    -  1
No início deste século sucederam-se os registos de marcas e certificações de  tudo. Simultaneamente começaram a proliferar confrarias das mais diversas coisas.
É nesse contexto que surge uma Confraria da Chanfana em Vila Nova de Poiares, em 2001, e uma Real Confraria da Cabra Velha, em 2003, em Miranda do Corvo. Logo trataram de registar as marcas de Capital da Chanfana para Miranda do Corvo, e Capital Universal da Chanfana para Vila Nova de Poiares.
E vejam só, houve até uma associação de qualificação de produtos típicos portugueses, a Qualifica, que declarou a “Chanfana de Vila Nova de Poiares” como “Produto da Gastronomia Nacional”, sendo o “primeiro prato gastronómico a obter esta qualificação”.
Nestas acções contaram até com a colaboração de Professores da Universidade de Coimbra, que se prestaram a algumas declarações que nos escusamos a classificar.

Os autarcas de Mortágua, verificando o sucesso da iniciativa dos outros concelhos, e tendo a noção que já partiam tarde para reivindicar para a seu município a paternidade da Chanfana, lançaram-se noutra mistificação que por vezes atinge os limites do ridículo, e que a Internet tem ajudado a disseminar, a ponto de algumas pessoas já resistirem a aceitar outra versão.
Baseados num texto da autoria de um antigo médico de Mortágua, natural da Marmeleira, Dr. José Baptista, construíram uma história fantasiosa sobre a origem do especialidade gastronómica  e do nome Lampantana.
Inicialmente o Engenheiro Silva, vereador da Câmara, cedeu o texto a Mário Nunes do Grupo de Arte e Arqueologia do Centro, e este reproduziu-o no livro “Nos Caminhos do Património”, publicado em 1989. A partir daí estava pronto para fazer história, quando os autarcas assim o entendessem, o que só veio a acontecer no último fim-de-semana de Outubro de 2010, por iniciativa do Dr. Afonso Abrantes.
O actual executivo, cujo presidente já pertencia ao anterior, continuou a obra iniciada.
Devo dizer que não me faz diferença nenhuma que atribuam o nome que entenderem a esta iguaria, tão arreigada nos hábitos da população do concelho de Mortágua. Desejo até que os fins-de-semana da Lampantana sejam grandes sucessos para o comércio local, mas façam-me um favor, deixem de inventar aldrabices…  

Em Mortágua, todas as pessoas mais velhas se lembram que este prato culinário era designado por Chanfana, Carne Assada, e também Lampantana por algumas pessoas, embora com muito menor frequência do que os dois termos anteriores. Desde que tenho memória, terei ouvido a palavra, no máximo umas vinte vezes até ao aparecimento dos fins de semana da Lampantana. As outras, ouvi-as centenas de vezes.
Lembro-me também de ouvir o meu avô referir-se à Banda Filarmónica de Mortágua, à qual pertenceram o   meu bisavô materno, Joaquim Ferreira, e o meu tio-avô, Manuel Ferreira, como a banda “Pão e Vinho e Carne Assada” por ser essa a retribuição habitual das suas actuações.

Na “ Monografia Turística das Beiras – Distrito de Viseu” publicada em 1967 por Correia de Azevedo, este afirma a propósito das especialidades regionais de Mortágua, que “O prato mais regional é a chanfana, confeccionado com carne de cabra”

No livro “Contributos para a Monografia do Concelho de Mortágua” editado em 2001 pela Câmara Municipal de Mortágua, Maria Zília Gonçalves descreve assim os jantares de festa no concelho :" Este jantar era preparado com todo o cuidado e constava de canja de galinha, cozido, arroz de galinha ou pato, chanfana e doces (bolo doce*, bolo de buraco, bolo mulato, arroz-doce , aletria) e queijo.
(*N.A.: neste tempo o bolo-doce ainda não tinha cornos; nasceram-lhe depois).

O Rancho Folclórico e Etnográfico de Vale de Açores na sua página oficial na Internet informa que a …” Especialidade deste Concelho é a tradicional chanfana”.
Falando com alguns habitantes de Mortágua questionei-os sobre a terminologia habitual.

Armando Lopes Simões, actualmente com 96 anos, natural e residente em Vale de Açores contou-me que no estabelecimento comercial que a sua mãe tinha no largo da feira e onde se vendia o petisco, ouviu chamar-lhe “carne assada”, a maioria das vezes, e menos frequentemente “chanfana”. Só há poucos anos começou a ouvir o nome de “lampantana”.

António Marques, de 61 anos de idade, natural e residente em Vila Meã, proprietário de um talho, e a sua esposa, também afirmam que só recentemente ouviram falar em lampantana. Anteriormente sempre ouviram os termos “chanfana” ou “carne assada”

Amélia Lourenço, 81 anos, diz que quando menina ouviu algumas vezes falar em “lampantana”, mas a maioria das vezes ouviu dizer “carne assada” ou “Chanfana, 

António Lourenço, engenheiro, durante toda a sua vida sempre ouviu chamar “carne assada” ou “Chanfana”, e só muito recentemente ouviu falar em Lampantana.
Sérgio Mendes Pinto, 68 anos, natural de Vale de Remígio e residente na Póvoa. Afirma que os nomes usuais eram “carne assada” e “Chanfana”, sendo o primeiro mais utilizado.
Poderíamos obter uma lista interminável de depoimentos coincidentes com estes, mas penso que chegam para ilustrar o que afirmamos.
No entanto não podemos negar que o termo lampantana já era há muito utilizado. Penso que o ouvi a primeira vez ao meu pai em 1962. Também ouvimos um amigo referir que o professor Santos de Monte Grande costumava utilizar a palavra.
 Eugénio Marco Barbosa (EMBAR), natural de Vale de Açores, em artigo publicado pela Defesa da Beira de 12.11.2010, afirma que em 1902 a sua avó, então com  cerca de 24 anos, foi trabalhar como criada de servir  para um casa nobre em Santa Comba Dão, que era frequentada por António Salazar, ainda seminarista. Numa dessas visitas, a avó do Marco apresentou à mesa a nossa carne assada com vinho, que nessa época não seria habitual em Santa Comba. Salazar terá comido e repetido com agrado, o que levou a senhora a pedir amiudadamente para que fosse confecionado esse prato, e à pergunta de como se chamava, a senhora Leopoldina Barbosa  terá respondido: “ É lampantana, minha senhora, de Mortágua.”
Ainda segundo Eugénio Marco, a sua mãe e a sua avó sempre designaram o prato como “Lampantana” ou “Carne assada.”
Sabendo nós  que Salazar estudou no Seminário de Viseu entre 1900 e 1908, o episódio só poderia ter ocorrido entre 1902 e 1908.
Tomás da Fonseca, no seu livro “A Cova dos Leões” publicado em 1958, descreve uma passagem do Professor Rodrigues Lapa e outros acompanhantes, pela festa da Nossa Senhora da Saúde, nas Laceiras:
Há dois anos passaram pela aldeia um professor catedrático e um notário, acompanhados por esposas e filhos. Convidei-os a ir ao arraial. Ficaram desolados! Devotos, apenas uma pobre mulher, ajoelhada em frente do altar, de olhos fitos na Santa e os lábios a bulir.
E, cá fora, duas dúzias de pessoas, de boca aberta, à espera que amigos ou parentes da terra as convidassem a saborear o chibo à lampantana, que os visitantes igualmente conheciam das suas andanças pela serra. »
Como vemos é utilizado termo lampantana, e ao mesmo tempo constatamos que não têm fundamento as  afirmações de algumas pessoas, segundo as quais a chanfana é de cabra e a lampantana é de ovelha.
A palavra lampantana, que até há pouquíssimo tempo nem aparecia nos dicionários, é também muito utilizada no distrito de Aveiro, em particular no concelho de Águeda, onde existe uma Confraria Enogastronómica Sabores do Botaréu, que desde Junho de 2014 organiza a “Semana Gastronómica da Carne à Lampantana”, com o apoio do Município de Águeda e do Turismo do Centro.

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