sexta-feira, 24 de junho de 2016


Chanfana / Lampantana - Final

A origem da Chanfana ou lampantana não está completamente esclarecida. As teorias que têm sido divulgadas, e que os seus partidários  defendem com termos equívocos do tipo “como reza a tradição”, ou apodando-as de “lendas”, são na maioria dos casos de uma fantasia delirante, para não dizer que são mentiras elaboradas para enganar os cidadãos crédulos, por ingenuidade ou conveniência.

1- Os que defendem uma maior antiguidade, ligam a origem da chanfana ao pagamento das rendas aos conventos ou mosteiros, em géneros, nomeadamente em  cereais, animais e vinho. Face á abundância de animais velhos dados como tributo, e  à dificuldade de conservar os alimentos, as freiras terão inventado  um método de confecção que possibilitava a sua conservação, nesse tempo em que não havia  os aparelhos de frio, de que dispomos actualmente. Esta hipótese poderia ter alguma viabilidade, mas é estranho que não apareça descrito o prato em nenhum dos livros de culinária até ao século XX.

2- Existem depois as teorias que de algum modo relacionam a chanfana  com as invasões francesas:

a)- Para evitar o roubo das reses pelos franceses, as freiras inventaram uma maneira de conservar a carne depois de assada com vinho, que permitia que a escondessem do invasor. É estranho que só nessa altura tivessem descoberto o processo de conservação.

b)- Os habitantes  envenenaram os poços (e os rios?) para que os franceses não tivessem acesso à água para consumir, e então cozinharam a carne com vinho.

c)- Os franceses envenenaram os poços, e os habitantes resolveram a situação cozinhando a carne com  vinho.

Qualquer destas duas hipóteses é inverosímil, dado que se é possível envenenar um poço durante algum tempo, não é possível envenenar um rio por um período de  tempo considerável. Por outro lado, não se consta que o pão, as batatas ou os grelos, que acompanham a carne, tenham sido alguma vez preparados com vinho.

3-  Outras teorias centram-se na descoberta individual:

a)- Uma delas deu até lugar a um livro de banda desenhada, com o beneplácito de Presidente da Câmara de Vila Nova de Poiares e da Confraria da Chanfana do mesmo concelho. E conta-nos que o Ti Maria  do Ti Henrique do Alveite, que decidiu cozinhar a cabra demasiado velha cobrindo-a com vinho, por uma qualquer inspiração, certamente divina.

b)- Encontramos uma outra, em que um indivíduo que devia cuidar do cozinhado da carne no forno, se embebedou e em vez de colocar água na caçoila, encheu-a com vinho,  e daí a descoberta acidental da especialidade  culinária.

c) – Finalmente, na aldeia da Marmeleira do concelho de Mortágua, a D. Angelina, inventou a chanfana, que depois passaria a Lampantana, em homenagem à sua autora, depois de discussão entre muitos intelectuais, na Escola Livre da Irmânia.

Sobre esta teoria, já fizemos a sua contestação noutra mensagem deste “blog”.  Sobre as duas anteriores é difícil contestá-las, dado que não temos reportagem jornalística que nos ajude, e também não conhecemos a Ti Maria  do Henrique, nem o cozinheiro Borrachão.

A nossa opinião

1- Origem

Sabemos que utilização do vinho para amaciar as carnes já era uma prática habitual entre os Romanos, que ocuparam toda a península Ibérica. No entanto, não encontramos qualquer referência da persistência desse hábito em Portugal, nos livros de cozinha anteriores ao século XX.

Sabemos também pela literatura que o termo chanfana já existia há muito em Portugal, pelo menos desde a segunda metade do século XVIII, mas correspondia a um cozinhado cuja descrição feita por cronistas e poetas não corresponde àquilo que conhecemos hoje por esse nome. Existem em Espanha e nos países de expressão castelhana, pratos designados por Chanfaina, que correspondem “grosso modo” às descrições que Nicolau Tolentino e o Lobo da Madragoa fizeram no início do século XIX.

Há algum consenso que o prato culinário que actualmente conhecemos começou a ser confeccionado na época das Invasões Francesas. Os franceses tinham pouco apoio logístico, e era nos locais por onde passava que recolhia os alimentos para o seu sustento. Habituados como estavam a cozinhar as carnes com vinho ( Coq au vin, Boeuf Bourguignon), não deixariam de confeccionar desse modo o que foram encontrando pelo caminho (cabras, ovelhas, vacas, galinhas, etc) , desde que tivessem vinho à sua disposição. Apesar da chamada “politica de terra queimada” que Wellington tentou impor às populações a verdade é que terão sido muitos os contactos, voluntários ou involuntários, da população com o exército francês, e daí terá certamente resultado a aprendizagem da técnica, posteriormente acrescentada pela creatividade de quem as executou.

Alguns testemunhos pessoais também apontam para a origem francesa da actual Chanfana.

A Dra. Maria Celeste Torres (Professora)  numa página da  Confraria Gastronómica do Leitão da Bairrada relata-nos:

 

Segundo me disse a Dr.ª Teresa Mamede, bairradina de gema, natural e residente em Anadia, a avó dela dizia que tinha tido origem por altura das Invasões Francesas e que teria sido “inventada” pelos franceses que, aquando da última invasão (1810) e antes da Batalha do Bussaco, estiveram acantonados durante algum tempo nas abas serranas da Bairrada”

Há aqui alguma confusão histórica, uma vez que os franceses só acederam à região da Bairrada depois da Batalha do Bussaco, em trânsito para Coimbra, em direcção a Lisboa que era o seu objectivo.

 Um nosso parente, Sérgio M. Pinto, natural de Vale  de Remígio e residente na Póvoa, contou-nos que a sua avó, Maria Vitória Oliveira, que morreu em 1968 com 90 anos de idade, sempre lhe disse que o pai dela, António Belmiro, que trabalhou muitos anos na Quinta das Águias, em Vale de Remígio, afirmava que o prato tinha sido aprendido com os franceses, durante as Invasões Francesas, quando estes permaneceram durante algum tempo instalados na referida quinta.
2 - Distribuição geográfica

 in  www.jn.pt

A distribuição geográfica da divulgação da chanfana não apresentando uma sobreposição, tem alguma aproximação aos trajectos das invasões francesas.

Podemos encontrar na Internet ofertas de chanfana em lugares tão diversos como:

Vila Flor, concelho do Sul do Distrito de Bragança

Terras do Bouro, distrito de Braga

Moscoso, concelho de Cabeceiras de Basto, distrito de Braga

Germil, concelho de Ponte da Barca, distrito de Viana do Castelo

Ponte da Barca

Vila Verde, concelho de Alijó, distrito de Vila Real

Cerva, concelho de Ribeira de Pena, distrito de Vila Real

Mondim de Basto, distrito de Vila Real

Santa Marta de Penaguião, Distrito de Vila Real

Lamego, distrito de Viseu

Mortágua, distrito de Viseu

Monte Frio, Aldeia da freguesia da Benfeita, concelho de Arganil,

Aveiro

Águeda

Barrô, Águeda

Cordinhã, Cantanhede

Arganil, distrito de Coimbra

Souselas, distrito de Coimbra

Manteigas , distrito da Guarda

Sarzedo, concelho da Covilhã, distrito de Castelo Branco

Reguengo do Fetal , distrito de Leiria


3- Designação

Partilhamos a opinião de Lima Reis JP no artigo Chanfana, publicado na revista Alimentação Humana, 2009, vol.15, nº3, segundo o qual  a designação de chanfana “não terá sido senão uma usurpação do nome antigo por vaga semelhança visual das duas confecções em confronto.”

Desconhecemos o momento em que se começou a utilizar o termo Lampantana para designar a especialidade culinária. É provável que tenha sido uma tentativa de evitar a confusão com outro prato que ainda existia, embora já em declínio como sugere Alberto Pimentel no livro  A triste canção do Sul, publicado em 1904:

“Nas tabernas, onde as iscas vieram desthronar a chanfana, tão decantada no seculo XVIII por Tolentino e pelo Lobo da Madragôa, também o fadista tem preferências especiaes, segundo os bairros.”

O termo Lampantana, mais usado em algumas zonas dos concelho de Mortágua e dos concelhos limítrofes no Distrito de Aveiro. Não existe qualquer relação com o tipo de carne utilizada, como podemos ver no livro A Cova dos Leões  de Tomás da Fonseca, (Lisboa,1958) : “ E, cá fora, duas dúzias de pessoas, de boca aberta, à espera que amigos ou parentes da terra as convidassem a saborear o chibo à lampantana, que os visitantes igualmente conheciam das suas andanças pela serra.”  

Ignoramos também o que leva a diferenciar Chanfana e Lampantana que são apresentadas na mesma lista de especialidades, em publicações na internet relativas ao distrito de Aveiro. Vejamos:

“Do inigualável sabor do leitão à Bairrada, à chanfana ( de borrego ou de cabrito), da vitela ou carneiro à lampantana, à chouriça com grelos, aos rojões ou ao cabrito assado, a gastronomia da região permite-lhe encontrar magníficos pratos capazes de satisfazer o mais exigente dos apreciadores.”

www.visitportugal.pt - Turismo de Portugal, I.P, www.turismodocentro.pt - Região de Turismo Rota da Luz

ou ainda:

“Quanto às carnes, prove que não se arrepende o suculento carneiro à lampantana (assado na caçoila de barro preto), o estaladiço leitão assado, a chanfana de borrego ou de cabrito, o chouriço com grelos ou, ainda, uns apetitosos rojões.”

Texto de Joana Simões especialmente para o regiaocentro.net

ou:

Ainda nos pratos de carne, especial destaque para a chanfana de borrego, para os saborosos rojões, a carne de carneiro ou, ainda, a cabra à lampantana.”
N-ESCAPADINHAS  Águeda

 

Resumindo:

- Existe uma relação temporal entre o conhecimento do prato culinário e as Invasões Francesas.

- Há alguma coincidência geográfica da distribuição da chanfana e do trajecto das Invasões Francesas, em especial, a 2ª e a 3ª.

- Os franceses têm na sua tradição culinária, pelo menos dois pratos cozinhados com vinho: Coq au vin e Boeuf Bourguignon.

- A logística do exército francês era reduzida, o que os obrigava a adaptarem-se ao que encontravam na sua progressão.

- A utilização do termo chanfana deriva, provavelmente, de apropriação do nome por alguma semelhança visual com um outro prato culinário, anteriormente existente.

- Não sabemos quando surgiu o termo Lampantana, mas é provável que tenha sido criado para evitar a confusão com o guisado de vísceras.

- O termo Lampantana não está vinculado à carne de Cabra ou de Ovelha.

- Desconhecemos o que leva a que, no distrito de Aveiro se diferenciem, na mesma lista de pratos culinários, chanfana e lampantana, sem estabelecer ligação ao tipo de carne utilizada.

É uma questão que gostaríamos de esclarecer, mas ainda não nos foi possível. De momento ficamos por aqui.

 

 

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