Chanfana / Lampantana - Final
A
origem da Chanfana ou lampantana não está completamente esclarecida. As teorias
que têm sido divulgadas, e que os seus partidários defendem com termos equívocos do tipo “como
reza a tradição”, ou apodando-as de “lendas”, são na maioria dos casos de uma fantasia
delirante, para não dizer que são mentiras elaboradas para enganar os cidadãos crédulos,
por ingenuidade ou conveniência.
1-
Os que defendem uma maior antiguidade, ligam a origem da chanfana ao pagamento
das rendas aos conventos ou mosteiros, em géneros, nomeadamente em cereais, animais e vinho. Face á abundância de
animais velhos dados como tributo, e à
dificuldade de conservar os alimentos, as freiras terão inventado um método de confecção que possibilitava a
sua conservação, nesse tempo em que não havia os aparelhos de frio, de que dispomos
actualmente. Esta hipótese poderia ter alguma viabilidade, mas é estranho que
não apareça descrito o prato em nenhum dos livros de culinária até ao século
XX.
2-
Existem depois as teorias que de algum modo relacionam a chanfana com as invasões francesas:
a)-
Para evitar o roubo das reses pelos franceses, as freiras inventaram uma
maneira de conservar a carne depois de assada com vinho, que permitia que a escondessem
do invasor. É estranho que só nessa altura tivessem descoberto o processo de
conservação.
b)-
Os habitantes envenenaram os poços (e os
rios?) para que os franceses não tivessem acesso à água para consumir, e então
cozinharam a carne com vinho.
c)-
Os franceses envenenaram os poços, e os habitantes resolveram a situação cozinhando
a carne com vinho.
Qualquer
destas duas hipóteses é inverosímil, dado que se é possível envenenar um poço
durante algum tempo, não é possível envenenar um rio por um período de tempo considerável. Por outro lado, não se
consta que o pão, as batatas ou os grelos, que acompanham a carne, tenham sido
alguma vez preparados com vinho.
3- Outras teorias centram-se na descoberta
individual:
a)-
Uma delas deu até lugar a um livro de banda desenhada, com o beneplácito de Presidente
da Câmara de Vila Nova de Poiares e da Confraria da Chanfana do mesmo concelho.
E conta-nos que o Ti Maria do Ti Henrique
do Alveite, que decidiu cozinhar a cabra demasiado velha cobrindo-a com vinho,
por uma qualquer inspiração, certamente divina.
b)-
Encontramos uma outra, em que um indivíduo que devia cuidar do cozinhado da
carne no forno, se embebedou e em vez de colocar água na caçoila, encheu-a com
vinho, e daí a descoberta acidental da
especialidade culinária.
c)
– Finalmente, na aldeia da Marmeleira do concelho de Mortágua, a D. Angelina,
inventou a chanfana, que depois passaria a Lampantana, em homenagem à sua
autora, depois de discussão entre muitos intelectuais, na Escola Livre da
Irmânia.
Sobre
esta teoria, já fizemos a sua contestação noutra mensagem deste “blog”. Sobre as duas anteriores é difícil contestá-las,
dado que não temos reportagem jornalística que nos ajude, e também não
conhecemos a Ti Maria do Henrique, nem o
cozinheiro Borrachão.
A nossa
opinião
1- Origem
Sabemos
que utilização do vinho para amaciar as carnes já era uma prática habitual
entre os Romanos, que ocuparam toda a península Ibérica. No entanto, não
encontramos qualquer referência da persistência desse hábito em Portugal, nos
livros de cozinha anteriores ao século XX.
Sabemos
também pela literatura que o termo chanfana já existia há muito em Portugal,
pelo menos desde a segunda metade do século XVIII, mas correspondia a um
cozinhado cuja descrição feita por cronistas e poetas não corresponde àquilo
que conhecemos hoje por esse nome. Existem em Espanha e nos países de expressão
castelhana, pratos designados por Chanfaina, que correspondem “grosso modo” às descrições
que Nicolau Tolentino e o Lobo da Madragoa fizeram no início do século XIX.
Há
algum consenso que o prato culinário que actualmente conhecemos começou a ser
confeccionado na época das Invasões Francesas. Os franceses tinham pouco apoio
logístico, e era nos locais por onde passava que recolhia os alimentos para o
seu sustento. Habituados como estavam a cozinhar as carnes com vinho ( Coq au vin, Boeuf Bourguignon), não deixariam de confeccionar desse modo o que
foram encontrando pelo caminho (cabras, ovelhas, vacas, galinhas, etc) , desde
que tivessem vinho à sua disposição. Apesar da chamada “politica de terra
queimada” que Wellington tentou impor às populações a verdade é que terão sido
muitos os contactos, voluntários ou involuntários, da população com o exército
francês, e daí terá certamente
resultado a aprendizagem da técnica, posteriormente acrescentada pela
creatividade de quem as executou.
Alguns
testemunhos pessoais também apontam para a origem francesa da actual Chanfana.
A Dra. Maria Celeste Torres (Professora) numa página da
Confraria Gastronómica do Leitão
da Bairrada relata-nos:
“Segundo me disse a Dr.ª Teresa Mamede, bairradina de
gema, natural e residente em Anadia, a avó dela dizia que tinha tido origem por
altura das Invasões Francesas e que teria sido “inventada” pelos franceses que,
aquando da última invasão (1810) e antes da Batalha do Bussaco, estiveram acantonados
durante algum tempo nas abas serranas da Bairrada”
Há aqui alguma confusão histórica, uma vez que os
franceses só acederam à região da Bairrada depois da Batalha do Bussaco, em trânsito
para Coimbra, em direcção a Lisboa que era o seu objectivo.
Um nosso parente, Sérgio M. Pinto, natural de Vale de Remígio e
residente na Póvoa, contou-nos
que a sua avó, Maria Vitória Oliveira, que morreu em 1968 com 90 anos de idade,
sempre lhe disse que o pai dela, António Belmiro, que trabalhou muitos anos na
Quinta das Águias, em Vale de Remígio, afirmava que o prato tinha sido
aprendido com os franceses, durante as Invasões Francesas, quando estes
permaneceram durante algum tempo instalados na referida quinta.
A distribuição geográfica da divulgação da chanfana não apresentando uma
sobreposição, tem alguma aproximação aos trajectos das invasões francesas.
Podemos encontrar na Internet ofertas de chanfana em lugares tão diversos
como:
Vila Flor, concelho do Sul do Distrito de Bragança
Terras
do Bouro, distrito de Braga
Moscoso,
concelho de Cabeceiras de Basto, distrito de Braga
Germil,
concelho de Ponte da Barca, distrito de Viana do Castelo
Ponte da Barca
Vila Verde, concelho de Alijó, distrito de Vila
Real
Cerva,
concelho de Ribeira de Pena, distrito de Vila Real
Mondim
de Basto, distrito de Vila Real
Santa Marta de Penaguião,
Distrito de Vila Real
Lamego,
distrito de
Viseu
Mortágua,
distrito de Viseu
Monte Frio, Aldeia da freguesia da Benfeita, concelho de Arganil,
Aveiro
Águeda
Barrô, Águeda
Cordinhã, Cantanhede
Arganil, distrito de Coimbra
Souselas, distrito de Coimbra
Manteigas
, distrito da Guarda
Sarzedo, concelho da
Covilhã, distrito de Castelo Branco
Reguengo do Fetal , distrito de Leiria
3- Designação
Partilhamos
a opinião de Lima Reis JP no artigo Chanfana,
publicado na revista Alimentação Humana,
2009, vol.15, nº3, segundo o qual a
designação de chanfana “não terá
sido senão uma usurpação do nome antigo por vaga semelhança visual das duas
confecções em confronto.”
Desconhecemos
o momento em que se começou a utilizar o termo Lampantana para designar a
especialidade culinária. É provável que tenha sido uma tentativa de evitar a
confusão com outro prato que ainda existia, embora já em declínio como sugere
Alberto Pimentel no livro A triste canção do Sul, publicado em
1904:
“Nas
tabernas, onde as iscas vieram desthronar a chanfana, tão decantada no seculo
XVIII por Tolentino e pelo Lobo da Madragôa, também o fadista tem preferências
especiaes, segundo os bairros.”
O
termo Lampantana, mais usado em algumas zonas dos concelho de Mortágua e dos
concelhos limítrofes no Distrito de Aveiro. Não existe qualquer relação com o
tipo de carne utilizada, como podemos ver no livro A Cova dos Leões de Tomás da Fonseca, (Lisboa,1958) : “
E, cá fora, duas dúzias de pessoas, de boca aberta, à espera que amigos ou
parentes da terra as convidassem a saborear o chibo à lampantana, que os
visitantes igualmente conheciam das suas andanças pela serra.”
Ignoramos
também o que leva a diferenciar Chanfana e Lampantana que são apresentadas na
mesma lista de especialidades, em publicações na internet relativas ao distrito
de Aveiro. Vejamos:
“Do inigualável sabor do leitão à Bairrada, à chanfana ( de borrego ou de
cabrito), da vitela ou carneiro à lampantana, à chouriça com grelos,
aos rojões ou ao cabrito assado, a gastronomia da região permite-lhe encontrar
magníficos pratos capazes de satisfazer o mais exigente dos apreciadores.”
www.visitportugal.pt -
Turismo de Portugal, I.P, www.turismodocentro.pt -
Região de Turismo Rota da Luz
ou
ainda:
“Quanto às carnes, prove que não se arrepende o suculento carneiro à lampantana (assado na caçoila de barro preto), o estaladiço leitão assado, a chanfana de borrego ou de cabrito, o chouriço com grelos ou, ainda, uns apetitosos rojões.”
Texto de Joana Simões especialmente para o regiaocentro.net
ou:
“Ainda nos
pratos de carne, especial destaque para a chanfana de borrego, para os
saborosos rojões, a carne de carneiro ou, ainda, a cabra à lampantana.”
N-ESCAPADINHAS Águeda
N-ESCAPADINHAS Águeda
Resumindo:
- Existe uma relação temporal entre o conhecimento do prato culinário e as Invasões Francesas.
- Há alguma coincidência geográfica da distribuição da chanfana e do trajecto das Invasões Francesas, em especial, a 2ª e a 3ª.
- Os franceses têm na sua tradição culinária, pelo menos dois pratos cozinhados com vinho: Coq au vin e Boeuf Bourguignon.
- A logística do exército francês era reduzida, o que os obrigava a adaptarem-se ao que encontravam na sua progressão.
- A utilização do termo chanfana deriva, provavelmente, de apropriação do nome por alguma semelhança visual com um outro prato culinário, anteriormente existente.
- Não sabemos quando surgiu o termo Lampantana, mas é provável que tenha sido criado para evitar a confusão com o guisado de vísceras.
- O termo Lampantana não está vinculado à carne de Cabra ou de Ovelha.
- Desconhecemos o que leva a que, no distrito de Aveiro se diferenciem, na mesma lista de pratos culinários, chanfana e lampantana, sem estabelecer ligação ao tipo de carne utilizada.
É uma questão que gostaríamos de esclarecer, mas ainda não nos foi possível. De momento ficamos por aqui.
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