terça-feira, 30 de maio de 2017

 
 
ANTÓNIO BARBOSA
 
Ao folhear uma Defesa da Beira de 1965, encontrei uma nota biográfica sobre António Barbosa, que morrera nesse ano, da autoria de Joaquim de Oliveira. Naturalmente que fiquei curioso, mas nunca tive oportunidade de ver nenhuma obra sua, até agora.
A sua filha, professora Cilinha Barbosa, teve a gentileza de me deixar ver  e fotografar as poucas obras que tem em seu poder, e que, embora captadas em condições deficientes, aqui publico.
 
Pintura inacabada - Manuel d'Arriaga


Auto-retrato, a carvão
 

António José de Almeida, desenho a carvão

Teófilo Braga 
 
Encontrei entretanto uma referência sobre ele num livro de Tomás da Fonseca.
Em 3 de Novembro de 1918, António Barbosa foi preso juntamente com outros sete mortaguenses, entre os quais Tomás da Fonseca. Foram enviados para a penitenciária de Coimbra onde permaneceram até 29 de Novembro de 1918. No ano seguinte Tomás da Fonseca publicou um livro intitulado Memórias do Cárcere, onde descreve os seus companheiros, e diz de António Barbosa:

«Criminoso número 5: António Barbosa. Operário decorador, foi sempre um republicano dedicado. Não tem ódios nem vaidades. Por isso ninguém compreendeu como ele, tão moço ainda, fez parte desta galeria de criminosos célebres. »
FONSECA, Tomás da: Memórias do Cárcere; França e Arménio, Livreiros Editores.Coimbra 1919


Transcrevo na íntegra o artigo de Joaquim Oliveira:
DEFESA DA BEIRA - 22 de Agosto de 1965
António Barbosa

(PINTOR)

Jovem ainda e sonhador, quando na alma radiosa lhe desabrochavam dezenas de aspirações, uma aspiração mais alta o dominava: queria ser Pintor.

Mas como poderia estudar a Arte sublime de Miguel Ângelo e Leonardo da Vinci, se era tão pobre e a sua família dispunha de tão minguados recursos?

- Um dia abalou para Coimbra. E naquele ambiente de romântica suavidade, inspirador de tantos dos maiores Poetas de Portugal, mais se lhe avivou a paixão de vir a ser um Artista.

E tomou uma resolução: trabalhar, suar, sofrer, ter mesmo encontros com uma senhora tão do meu conhecimento – a Fome, para se poder matricular na Escola Brotero. E assim fez, anos e anos, até finalizar o seu curso.

Mas…eis o pior: Num meio de embotada sensibilidade, o viver dum Artista como António Barbosa era difícil. O fotógrafo sempre teve , e tem, outras possibilidades: tira fotografia de pessoas ou paisagens, amplia-as e pode torná-las mais «bonitas», colorindo-as. O Pintor não. Este não vê apenas o que pinta: sente-o! Uma árvore que tenha de pintar olha-a como uma irmã vegetal. Vê-a – e sente-a! Sente-lhe o latejar da seiva como sente o bater do seu próprio coração! Por isso numa pintura original sempre existe parte da fusão de duas almas: da alma do Artista e do ser, ou coisa, que pinta.

Mas a época em que António Barbosa viveu não era propícia à florescência da sua maravilhosa Arte! E bem pode considerar-se infeliz uma época em que mais se aprecia, e quase glorifica, o músculo do que a beleza sublime produzida pelo talento!

A posse exclusiva do materialismo, longe de dar a felicidade cansa e desgosta como a satisfação dum prazer físico em que não entra a espiritualidade! – E assim o Pintor magnífico que era António Barbosa viu tão brutalmente despedaçarem-se-lhe as esperanças e quimeras contra a indiferença calosa de tal multidão como contra os rochedos se despedaçam as ondas do Mar!

Edgar Poe, genial Poeta norte americano, costumava beber demasiadamente, para esquecer a tragédia da sua vida.

Não seria de admirar que o Pintor António Barbosa se «alegrasse» de vez em quando, para sentir menos viva a sua mágoa!

***

Mas era preciso viver- e sobreviver! E António Barbosa aceitou um cargo público: o de amanuense da Câmara Municipal. Exerceu-o com proficiência e dignidade até atingir a idade da sua aposentação. Marido e pai extremoso, foi uma personalidade bondosa e popularíssima!
 
***

Mortágua teve, e tem, a honra de ser berço de médicos distintos, advogados eloquentes, professores competentíssimos, comerciante e industriais activos, mas só um dos seus filhos era Pintor com um curso das Belas Artes: António Barbosa.

Morreu. Mas o seu nome será sempre lembrado.

Agosto de 1965
Joaquim de Oliveira
 

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