ANTÓNIO BARBOSA
Ao
folhear uma Defesa da Beira de 1965, encontrei uma nota biográfica sobre
António Barbosa, que morrera nesse ano, da autoria de Joaquim de Oliveira. Naturalmente
que fiquei curioso, mas nunca tive oportunidade de ver nenhuma obra sua, até
agora.
A
sua filha, professora Cilinha Barbosa, teve a gentileza de me deixar ver e fotografar as poucas obras que tem em seu
poder, e que, embora captadas em condições deficientes, aqui publico.
Pintura inacabada - Manuel d'Arriaga
Auto-retrato, a carvão
António José de Almeida, desenho a carvão
Teófilo Braga
Encontrei
entretanto uma referência sobre ele num livro de Tomás da Fonseca.
Em
3
de Novembro de 1918, António Barbosa foi preso juntamente com outros sete mortaguenses,
entre os quais Tomás da Fonseca. Foram enviados para a penitenciária de Coimbra
onde permaneceram até 29 de Novembro de 1918. No ano
seguinte Tomás da Fonseca publicou um livro intitulado Memórias do Cárcere, onde descreve os seus companheiros, e diz de
António Barbosa:
«Criminoso
número 5: António Barbosa. Operário decorador, foi sempre um republicano
dedicado. Não tem ódios nem vaidades. Por isso ninguém compreendeu como ele,
tão moço ainda, fez parte desta galeria
de criminosos célebres. »
FONSECA, Tomás da:
Memórias do Cárcere; França e Arménio, Livreiros Editores.Coimbra 1919
Transcrevo
na íntegra o artigo de Joaquim Oliveira:
DEFESA DA BEIRA - 22 de Agosto
de 1965
António
Barbosa
(PINTOR)
Jovem ainda
e sonhador, quando na alma radiosa lhe desabrochavam dezenas de aspirações, uma
aspiração mais alta o dominava: queria ser Pintor.
Mas como
poderia estudar a Arte sublime de Miguel Ângelo e Leonardo da Vinci, se era tão
pobre e a sua família dispunha de tão minguados recursos?
- Um dia
abalou para Coimbra. E naquele ambiente de romântica suavidade, inspirador de
tantos dos maiores Poetas de Portugal, mais se lhe avivou a paixão de vir a ser
um Artista.
E tomou uma
resolução: trabalhar, suar, sofrer, ter mesmo encontros com uma senhora tão do
meu conhecimento – a Fome, para se poder matricular na Escola Brotero. E assim
fez, anos e anos, até finalizar o seu curso.
Mas…eis o
pior: Num meio de embotada sensibilidade, o viver dum Artista como António
Barbosa era difícil. O fotógrafo sempre teve , e tem, outras possibilidades:
tira fotografia de pessoas ou paisagens, amplia-as e pode torná-las mais
«bonitas», colorindo-as. O Pintor não. Este não vê apenas o que pinta: sente-o!
Uma árvore que tenha de pintar olha-a como uma irmã vegetal. Vê-a – e sente-a!
Sente-lhe o latejar da seiva como sente o bater do seu próprio coração! Por
isso numa pintura original sempre existe parte da fusão de duas almas: da alma
do Artista e do ser, ou coisa, que pinta.
Mas a época
em que António Barbosa viveu não era propícia à florescência da sua maravilhosa
Arte! E bem pode considerar-se infeliz uma época em que mais se aprecia, e
quase glorifica, o músculo do que a beleza sublime produzida pelo talento!
A posse
exclusiva do materialismo, longe de dar a felicidade cansa e desgosta como a
satisfação dum prazer físico em que não entra a espiritualidade! – E assim o
Pintor magnífico que era António Barbosa viu tão brutalmente
despedaçarem-se-lhe as esperanças e quimeras contra a indiferença calosa de tal
multidão como contra os rochedos se despedaçam as ondas do Mar!
Edgar Poe,
genial Poeta norte americano, costumava beber demasiadamente, para esquecer a
tragédia da sua vida.
Não seria de
admirar que o Pintor António Barbosa se «alegrasse» de vez em quando, para
sentir menos viva a sua mágoa!
***
Mas era
preciso viver- e sobreviver! E António Barbosa aceitou um cargo público: o de
amanuense da Câmara Municipal. Exerceu-o com proficiência e dignidade até
atingir a idade da sua aposentação. Marido e pai extremoso, foi uma
personalidade bondosa e popularíssima!
***
Mortágua
teve, e tem, a honra de ser berço de médicos distintos, advogados eloquentes,
professores competentíssimos, comerciante e industriais activos, mas só um dos
seus filhos era Pintor com um curso das Belas Artes: António Barbosa.
Morreu. Mas
o seu nome será sempre lembrado.
Agosto de
1965
Joaquim de Oliveira
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