domingo, 14 de maio de 2017


Santuário Mariano - 5
Terminamos hoje a série dedicada à divulgação dos santuários Marianos do concelho de Mortágua, seguindo o que nos deixou Frei Agostinho de Santa Maria.
TITULO LXXXI.
Da Imagem de N. Senhora do Amparo , da Freguesia de Ferradosa.

 Pintou D. Agostinho Erath no seu Mundo Simbólico uma tenda de campo com  este lema ou inscrição, A frigore, e astu .  Dando-nos a entender, que nos maiores incêndios do Sol, e na maior força da calma, servia a tenda de amparo ,e defensa aos soldados, quando a ela se acolhiam conservando-lé a saúde de que o excessivo calor do Sol os podia privar , e que nos maiores rigores do frio , das chuvas, e tempestades também os podia amparar, e defender.

Da tenda é hieroglífico Maria Santíssima ; porque é a nossa Celestial Protetora, a que a todos nos defende, ampara e livra de todos os perigos; ela é a que nos ampara em todos os sucessos adversos , e nos livra de todos os sinistros acontecimentos; e já Isaías o disse em profecia: Tabernaculum erit in umbraculum diei ab estu, e insecuritatem , e abconsionem à turbine,e pluvia. E o melífluo Bernardo nos diz: Ipsa tenente non corruis, ipsa protegente non metuis, ipsa duce non fatigaris, qua propitia pervenis. Todo o nosso bem, e amparo é Maria, ela nos ampara para não cair, ela nos sustenta para não temer, ela nos guia para nos aliviar; finalmente com o seu amparo havemos de chegar à desejada pátria celestial.

No lugar de Ferradosa, Freguesia de São Miguel da. Marmeleira, anexa à Matriz da Vila de Mortágua, em cujo termo fica , e em distancia de légua , e meia , entre o Levante , e Sul se vê sobre um teso o Santuário, e Ermida de nossa Senhora do Amparo. Dos princípios, e origem deste Santuário não há quem diga nada com certeza; mas os moradores de maior capacidade discorrem, em que os princípios desta sagrada Imagem, e da sua Casa deviam ser prodigiosos.

Fundam o seu discurso em que aquela Ermida é a maior, e de melhor fábrica de quantas se reconhecem em todo o termo, e Concelho daquela Vila; e assim dizem, que aquele Templo só se podia erigir com a ocasião de alguma grande maravilha, que a Senhora obrou, ou em sua manifestação, (se é que ali em aquele monte apareceu, o que não consta) ou em algum aparecimento que a soberana Virgem Maria, fez a alguma pessoa, a qual de preceito seu daria princípios àquela obra, que aumentariam os milagres, e grandes maravilhas, que logo se seguiriam, com que avivando-se a fé, e aumentando-se também a devoção, começariam a crescer as esmolas tanto, que se lhe pudesse fabricar aquela sua Casa.

Ainda confirmam mais o seu discurso, por se ver, que antigamente tivera aquela Senhora Ermitão, que tinha cuidado daquele seu Santuário que se reconhece das casas em que ele vivia, que já hoje estão arruinadas, ou caídas; estrago que tal vez faria a ingratidão dos homens, ou a frieza da devoção, que muitas vezes é a causa de se suspenderem os favores, e maravilhas de Deus. Também reforçam o seu mesmo discurso, em que havendo por aqueles lugares muitas Ermidas, que se edificaram, para que delas pudessem os Párocos administrar os Sacramentos aos enfermos dos mesmos lugares; todas estas são pequeninas, e limitadas; e a da Senhora do Amparo é muito grande, com sua Capela mor de bastante obra , e capacidade.

A Imagem da soberana Rainha da gloria dizem ser antiquíssima, o que se reconhece na sua manufactura; é de escultura de madeira , e tem pouco mais de dous palmos de alto; e porque o artífice a não devia aperfeiçoar muito, quis a devoção dos seus devotos remediar esta falta com a vestir de roupas , e opas de ricas sedas, que lhe ministram em acção de graças de favores, que da sua liberalidade receberão. Tem em seus braços ao Menino Deus, e também a ele adornam na mesma forma. Entre as pessoas, que com grande devoção se refere assistiram ao culto, e ornato desta milagrosa Imagem da Senhora, foi a Madre Sor Águeda da Prisão, Religiosa Dominicana do Convento de Jesus de Aveiro. A qual agradecida dos benefícios , que da soberana Senhora recebeu por milagres, que nela obrou, lhe mandou uma rica.opa de boa seda, e bem guarnecida, que ainda hoje se conserva ,e umas cortinas de cetim para o seu Altar com a mesma  guarnição.

Outras muitas, e varias pessoas se lhe tem oferecido à Senhora, como vestidos, toalhas paca o seu Altar, e outras peças,e adornos, e ofertas, que os Párocos recolhem, como também as mortalhas, que são muitas as que se oferecem à Senhora em memoria de grandes milagres, e maravilhas, que obrou a favor dos mesmos, que lhas oferecerão.

Com estas maravilhas que obra, é esta Santíssima Imagem venerada de todas aquelas terras circunvizinhas, e buscada com grande devoção; e assim é muito frequentada a sua Casa de romagens, e a Senhora tida por uma universal Taumaturga.

Uma cousa se tem observado por grande maravilha, e é, que junto à Igreja desta Senhora está um antigo, e grande carvalho, muito copado , e frondoso , e é tão antigo, que o julgam por imemorial. Ele com toda a sua rama serve de obsequioso dossel, ou toldo à mesma igreja da Senhora, e de muitas léguas se vê , e faz conhecida a sua Casa.

Não foi possível em nenhum tempo, que obra alguma feita da madeira daquela arvore, se conservasse no uso para que era obrada; porque logo se desunia para desengano, de que a Senhora não era servida, de que se lhe diminuísse, ou malograsse, nem em todo, nem em parte aquele sinal, que servia aos seus devotos para a invocarem , e se lembrarem dela quando a viam de grande distância , se não era também por castigar o seu pouco respeito, pois se atreviam a tocar em uma arvore, que a ela , e por ela era santificada.

Muitos Lavradores fizeram grades, rabiças de arado, e outros instrumentos rústicos para a agricultura de suas terras ; mas não tiveram deste seu trabalho mais, que perderem nele o feitio em castigo do seu atrevimento; porque nem um ramo quer aquela Senhora se corte àquela sua arvore; e ela mostra obedecer na constância, com que sofre o ser cortada, e na firmeza de não obedecer aos seus rústicos ministérios. Também se refere, que mandando um Lavrador, mais poderoso, ou morador d aquele lugar, mais rico, fazer uma entrosga para uma azenha, cortando-lhe algumas braças ao mesmo carvalho. Depois de acabada com toda a perfeição das mãos dos oficiais, e posta na azenha, se fez logo em pedaços, e não quis fazer farinha alguma com admiração de todos os que o viram; porque entenderam, que a Senhora não era servida, de que se defraudasse a sua árvore, antes ofendida da sua temeridade fazia, que nada do que se obrasse, tivesse algum préstimo. Este caso compungiu, e intimidou aos temerários oficiais, e ao mais imprudente, que se atreveu a lhe mandar fazer aquela obra, a que também a arvore resistia.

Parece lhes queria mostrar esta soberana Senhora àqueles inconsiderados Lavradores o respeito, que se lhe devia, e que aquela arvore, que é símbolo da constância, lha sabia guardar melhor , pois sofria constantemente que a despedaçassem; mas não consentia, que a sujeitassem a submeter-se aos seus rústicos ministérios. Sofria os cortes; mas não obedecia à sua maldade, e obstinação, com que pretendiam ofender o respeito daquela Senhora, a quem estava dedicada. Isto mesmo parece nos ensina o Padre Mansenio falando da constância,e felicidade do carvalho em este seu Epigramma.

Cum semel illustres reti constantia mentes

Occupat , inflicti vix vigor ille potest.

Munera a des; spernit robustum munera pectus;

Vim moveas ,reddet fulme inane minas.

Nec terror Fabium , nec flectent munera quercum,

llle potest rubur roboris esse sui

 

Agora quero eu fazer sobre esta matéria da origem da milagrosa Senhora do Amparo o meu discurso, visto faltarem as tradições; assim na manufactura da Santa Imagem, como na obra do seu Santuário, e também naquela prodigiosa árvore se reconhece a sua muita antiguidade. É certo, que todas estas terras foram povoadas pelos Cristãos, e como sempre entre os Portugueses houve uma como inata inclinação, e devoção para com a Rainha dos Anjos Maria Senhora nossa, já em tempo dos Godos eram infinitas as Imagens desta Senhora, como se vê ainda hoje; porque ainda em nossos tempos tem Deus manifestado algumas, que com muita probabilidade as julgamos obradas naqueles tempos. Entraram os Mouros em Espanha, e como estes bárbaros não perdoavam ao sagrado, porque tudo assolavam, sem temer de profanarem as sagradas Imagens, os Cristãos com este temor as ocultavam, ou entre os penedos, ou dentro em os troncos das árvores, para que assim ficassem livres da sua cega impiedade. Isto suposto, bem podia ser, que entre as que se ocultaram, fosse uma delas esta da Senhora do Amparo; e como em sua manifestação (que ignoram aonde foi, o como, e quando foi) obraria logo tantos prodígios, que ela era o amparo de todos; daqui pode ser lhe dariam o mesmo título, e invocação, com que é baseada, e venerada de todos; e o faltarem as tradições também podia ser o ocasionassem as pestes, porque houve algumas tão grandes neste Reino, que assolaram povoações inteiras, sem delas escapar pessoa alguma; e como os Mouros foram lançados fora destas terras a ultima vez no ano de 1058 ( ou pouco depois) alguns anos antes do senhorio do Conde Dom Enrique, pai d’el Rei Dom Afonso o Primeiro, poderia em seu tempo, ou no de seu filho El Rei Dom Afonso Henriques manifestar-se esta Santíssima Imagem; e assim apareceria a Senhora nestes tempos, ou naquele monte, ou sobre o tronco daquela antiga árvore: e porque no Reinado d’el Rei Dom Sancho o Primeiro sucedeu a peste grande que assolou tudo, então se extinguiriam as tradições, e as notícias do aparecimento daquela milagrosa Senhora.

Festeja-se a Senhora do Amparo em a terceira Dominga de Outubro todos os anos; e neste dia se costumava antigamente repartir muito pão aos muitos , que concorriam à festa da Senhora, vinho, e outras cousas comestíveis, que para este efeito ajuntavam os seus Mordomos, que para servirem à Senhora eram eleitos todos os anos, e desse pão se guardava por Relíquia, e em muitos anos se não corrompia; antes se aplicava por mezinha para cães danados ,e para outros achaques. E tem-se observado , que depois que se suspendeu esse santo costume, já não dão as terras circunvizinhas tão boas novidades, como então se experimentavam. Ultimamente é tradição constante, e o mostra a experiência, como se viu em varias ocasiões, que havendo trovoadas ,e grandes tempestades de vento ,e pedra, que destruíam as searas das terras, e lugares circunvizinhos, nunca se viu fizessem dano algum aos campos imediatos à Casa daquela soberana, e misericordiosa Senhora. São não só muitos, mas inumeráveis os milagres, e as maravilhas , que esta Senhora obra continuamente ,e tem obrado a favor de todos , os que a invocam, e se valem da sua intercessão, como o estão publicando as muitas memorias , e sinais, que se vem pender das paredes do seu Templo.

 

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