domingo, 7 de maio de 2017


Discurso do Dr. Assis e Santos

Muito se tem dito sobre a personalidade do Dr. José Andrade de Assis e Santos. Pessoalmente discordo de grande parte do que se diz. Baseio essa discordância essencialmente na leitura das coisas que escreveu, e que tive o cuidado de ler com alguma atenção, ao contrário da maioria das pessoas que enchem a boca quando dele falam ou escrevem. Alguns testemunhos que fui ouvindo também acrescentaram alguma coisa ao conhecimento que já tinha, embora tenha a noção de que os relatos orais  são frequentemente inquinados pelas simpatias ou antipatias de quem relata. Mas há tempos encontrei na Defesa da Beira a versão completa do discurso proferido pelo Dr. Assis na primeira sessão de homenagem que lhe foi dedicada, ainda em vida, no dia 7 de Dezembro de 1969, e que terminou com a inauguração do monumento concebido em sua honra.
Este discurso já em tempos foi publicado na Agenda Municipal, mas truncado, e  até adulterado em algumas partes. 
Decidi transcrevê-lo na sua totalidade, porque nos diz muito sobre a personalidade em causa, sem interferência de estranhos, que só poderiam filtrar a realidade, segundo as conveniências.
E aqui vai:


« Meus Senhores:
Peço que me perdoem alguns reparos iniciais, que eu não posso calar, desde que me foi concedida a palavra, por fim.
Melhor fora até que nada dissesse, por não ser agradável, nem mesmo para mim o que tenciono começar por dizer. Seria apropriado o silêncio, da parte de quem foi dado por morto e tratado como se já não fosse do número dos vivos, como se não pertencesse a uma classe com melindres de moral profissional. O que eu desejava de desagradável é que esta manifestação não se teria realizado se a tempo eu soubesse o que se projectava.
Só quando tudo estava consumado irreversivelmente, é que tive conhecimento do que se passava na sombra. Tarde demais, para reagir, sem escandalizar os bons amigos que tomaram a iniciativa e as pessoas de boa vontade que colaboraram.
No uso e abuso da palavra, eu devo explicar que a moral profissional médica é adversa a toda a publicidade. Mesmo bem intencionada, mesmo sem finalidade comercial, a publicidade é sempre censurada pela consciência médica. Sirva de exemplo o que aconteceu ao Dr. Salk, o inventor da vacina contra a paralisia. A fim de conseguir uma subscrição publica para financiar o fabrico em grande escala da vacina, que fica muito cara, fez umas palestras de esclarecimento na televisão americana. A Associação Médica Americana processou-o e por pouco não lhe cassou o diploma de médico! Foi a recompensa que teve pela sua descoberta, que salvou de ficarem aleijadas muitas centenas de milhares de crianças em todo o mundo, nos últimos anos. Só em Portugal, 300 por ano.
Ninguém avalia o aperto de consciência profissional em que fui colocado por esta manifestação pública. Parece-me, e isto foi dito já por quem tinha mais autoridade para afirmá-lo, que estas consagrações só deviam ser feitas após a morte.
Além do absurdo intrínseco que constitui a consagração escultórica em vida – enquanto subsiste o original não é necessária a cópia em pedra – dois graves inconvenientes implica a monumentalização prematura. O primeiro é o penoso avivamento da ideia que dormita na mente de toda a pessoa idosa – a previsão da proximidade do fim. Por mais honrosa que seja a intenção, por mais carinhoso que seja o calor da vossa amizade, esta homenagem soa no meu íntimo como uma das primeiras badaladas, como a primeira badalada forte da hora final.
Em segundo lugar, a consagração em vida expõe ao rico de uma situação desagradável, se o homenageado por involução senil ou por desarranjo mental se deslustra, depois, com actos de demência ou desagregação moral. E basta um ligeiro derrame no cérebro para que isso aconteça à pessoa de sólida saúde mental.

A classe médica em Mortágua merece sem dúvida o reconhecimento público.
A clínica neste imenso e dispersivo concelho, é um martírio da vida inteira, para os médicos, para as suas famílias e…pior ainda para os doentes. É fácil criticar os médicos porque não realizam todos os milagres que deles se esperam, porque não acertam sempre, porque não podem estar ao mesmo tempo nos quatro pontos cardiais. Mas eu tive a curiosidade de comparar com os serviços médicos em outros concelhos, ouvindo, perguntando e observando, devo dizer que em Mortágua a assistência é de muito boa qualidade. Cada clínico com o seu temperamento, como não podia deixar de ser e é conveniente seja para satisfazer as diversas preferências do Público, mas todos sabedores do ofício e hábeis no exercício da arte. Seja qual for o conceito público – a devoção pelos santos da porta nunca é muito fervorosa nem muito constante – o certo é que a mortalidade infantil é idêntica à média francesa e americana -3% - e bem assim que a mortalidade geral não excede 8 a 9%o – bem menor que a média de Portugal e da Europa nos meios de sanidade pública mais perfeita.
Estes dois índices estatísticos documentam melhor que quaisquer comentários a alta qualidade dos serviços médicos deste concelho.
Há muito se sabe que os mais compreensivos médicos do mundo são os portugueses, os austríacos e os japoneses. Por isso não me surpreende do que ouvi a um emigrante, desses que em França foram procurar fortuna. Desagradado com a actuação de um médico francês, teve o atrevimento de lhe dizer que os médicos em Portugal não procederiam assim. Imaginem qual foia resposta do médico francês: «Bem sabemos que a medicina portuguesa é mais avançada que a medicina francesa». Para honra dos meus colegas eu direi que esse emigrante era do concelho de Mortágua e que a tal medicina mais avançada que a francesa era nem mais nem menos que a nossa, a dos médicos de Mortágua!
Espero que os promotores desta manifestação compreendam a delicada posição em que me deixam perante a minha classe tão bem representada neste concelho e que eu não posso exceder em dedicação, nem na competência, nem na operosidade, para ter direito a especial consagração pública. Isto quanto aos vivos; porque dos antigos, recordarei três nomes: o Dr. João Lopes de Morais, Dr. Joaquim Tavares Festas e Dr. Teixeira Gordo.

O Dr. Lopes de Morais foi estrénuo lutador da ideologia liberal na agitada época de D. Maria II. Mas acima de tudo um abalizado clínico cuja fama chegou à capital. Foi o único médico provinciano que teve a honra de ser chamado para observar e tratar a rainha. O doutoramento honorário premiou a cura espectacular da régia enferma. Um vai-vem da política da época, lançou-o num calabouço militar – a fortaleza de Almeida – onde permaneceu um ano. Atacado de reumatismo desde então, lembrou-se de procurar alívio numa cura hidro-mineral. A água do Luso foi a escolhida. Mandou construir uma barraca à beira da fonte para uma série de banhos. Tão benéficos lhe pareceram que voltou ano após ano e passou a recomendar aos doentes igual tratamento. Dessas barracas dos doentes de Dr. Lopes de Morais, nasceu o primeiro balneário do Luso.
Contou-me o meu avô, que nessa época, aí por 1870, Luso era apenas uma aldeia de 6 moradores!
O notável jornalista Emídio Navarro impulsionou o desenvolvimento do Luso que lhe patenteou o reconhecimento público. Mas o percursor da importante estância termal, de turismo e de veraneio, que agora o Luso é, foi o médico mortaguense que descobriu o valor curativo daquela antiquíssima fonte. Esforçado cidadão e abalizado clínico, ele bem mereceu o reconhecimento do seu concelho.

O Dr. Joaquim Tavares Festas, foi no primeiro quartel do século XX um clínico esclarecido que durante 20 anos fez clínica em tantas dessas aldeias dispersas pela nossa vasta serrania. De estirpe fidalga, de inteligência invulgar, de alma nobre, dedicou-se sem interesse material, em completa abnegação, ao exercício da clínica rural. Ainda encontrei reminiscências da sua benemerência e proficiência, uma iniciativa sua teve êxito e perdurou no futuro.
Muitos doentes de Mortágua têm procurado no Caramulo o alívio para os seus males. Mas poucos saberão que foi um médico de Mortágua que descobriu o valor do clima do Caramulo para o tratamento das doenças pulmonares, que foi uma doente de Mortágua a primeira a experimentá-lo, e que foi um carpinteiro de Mortágua a construir a casa de madeira nas Paredes do Guardão, onde  essa primeira doente fez a primeira cura de altitude no Caramulo. E que daí nasceu a importante vila sanatorial que hoje existe, ilustrada por especialistas de grande reputação como foi o Dr. Tapia, por exemplo.

O Dr. Teixeira Gordo foi uma personalidade bastante diferente. Distinguiu-se não pela clínica de aldeia, mas pela ascensão ao professorado universitário. Uma obra importante ficou a assinalar a sua passagem pelo mundo – a estrada de Vila Moinhos, construída há cerca de 90 anos.
Talvez o lente da Universidade tivesse interesse pessoal na abertura dessa estrada, mas ficaram beneficiadas para sempre, as povoações do Reguengo e foi esse o ponto de partida para a estrada do Caramulo. Apenas uma fotografia recorda, na casa de Vila Moinhos que foi dele, a sua existência.

Todos compreenderão que eu me sinta deslocado no meio de tudo isto, quando tão insignes e beneméritas personalidades, que serviram e honraram o concelho, ficaram mergulhadas no esquecimento. É esse esquecimento que eu ambicionava, destino comum dos médicos, que só médicos foram. Quando desaparece o último doente que curou, desaparece o último vestígio da existência de um médico. E se a medicina é a arte do silêncio, não será a paz do esquecimento a honra póstuma mais apropriada para um médico?

A minha reacção ao conhecer o que estava em vias de concluir-se, era esperada, mas creio ter sido notado que não foi tão enérgica como se supunha pelo meu feitio temperamental.
Devo explicar que efectivamente me não excedi na resistência, por três motivos:
1º -Era inútil opor-me. Já não havia remédio para o «desastre».
2º - Eu ofenderia tantas pessoas da maior amizade e que tanto considero, se me fechasse numa recusa selvagem.
3º - O agradecimento pelas diligências efectuadas, pela persistência na resolução de dificuldades e problemas, tinha de prevalecer sobre o meu sentimento pessoal de aversão à publicidade.

Mas não foi por esses motivos oportunistas somente. Um exame de consciência mais a frio, reconciliou-me com a ideia dos meus melhores amigos. Acabei de perdoar sinceramente o que nunca teria consentido voluntariamente. Resolvi  mesmo recordar  um pouco da minha vida par melhor me poderem julgar.
Esta emergência, dolorosa para mim, em todos os sentidos, obrigou-me a uma meditação retrospectiva sobre a minha vida. Senti mais vivamente que nunca, que a minha personalidade, aquela que é homenageada, não foi um fruto espontâneo de mim mesmo. As minhas qualidades não resultaram  só de boas propensões congénitas nem de um virtuoso esforço consciente e heróico de aperfeiçoamento pessoal.  O ambiente que me rodeou a infância e a adolescência é que me modelou o espírito.

Éramos quatro irmãos cada qual com seu feitio, vivendo em espaço fechado para evitar contactos deseducativos com o exterior.
Todavia, nem por brincadeira batemos uns nos outros uma só vez; nunca nos injuriamos, nunca ofendemos os vizinhos; nunca pensámos em desobedecer à disciplina paterna, ou iludi-la.
Para me tornar no que sou, comecei por ser encaminhado pela educação doméstica, logo desde os primeiros meses – meses, repito.  Já da idade de 1 mês eu sofri o primeiro castigo, para aprender a estar calado. E aprendi mesmo. E estaria agora também, se isso dependesse de mim. Eu me lembro da disciplina vigilante que a minha mãe exerceu sobre mim e sobre os meus irmãos. Ainda mais sobre mim, por ser o mais idoso.
Logo desde criança eu comecei a sentir as responsabilidades da proeminência d posição – nesse caso a mais idade.
Nem eu nem os meus irmãos éramos menos vivos, menos traquinas, menos irrequietos do que as outras crianças da mesma idade. Mas o policiamento caseiro estava sempre alerta para moderar as brincadeiras, para prevenir as maldades, para castigar qualquer desmando de linguagem, vigiando o nosso convívio atentamente.  Se não fosse essa disciplina firmemente mantida durante toda aminha infância eu seria totalmente diferente e os meus irmãos também. Em vez de formação doméstica à moda antiga, eu teria assimilado como tantos outros a depravação da rua.
Na escola da família eu adquiri este meu feitio de respeitar a tudo e a todos, de não ofender nem prejudicar ninguém; e bem assim, da veneração por minha mãe, derivou naturalmente o meu respeito pela dignidade de todas as mulheres desde crianças recém-nascidas até à velhice extrema.

Aos 8 anos começou a vida escolar, para mim a 9 de Novembro de 1911.
Na escola tive de suportar uma disciplina nada suave. O meu pai pretendia que eu fosse o melhor dos alunos e para isso empregou todos os meios, mesmo os mais duros. E pretende-lo assim, já é meio caminho para consegui-lo. Eu tinha de ser um modelo de correcção para os condiscípulos, e modelo de aproveitamento escolar.
Bem cedo me foi dado amargar as responsabilidades duma posição de destaque. Quando errava por igual, era mais castigado que os outros alunos. Tinha de estudar mais que eles, prestar melhor atenção às lições e conseguir aprender mais e melhor que eles. Eu era vigiado com mais atenção e qualquer falta que em outro passaria despercebida ou relevada, encontrava sempre o correctivo infalível para mim. A palmatória funcionava por vezes e quase sempre eram os que acertavam, a castigar os que erravam. No caso de eu errar, apanhava tantas «palmatoadas» como os outros que erravam. Mas se eu acertava, não tinha licença para «palmatoar» os companheiros.
A pedagogia moderna inventara uma engrenagem de complexos para condenar esta orientação discriminativa. Este processo educativo terá os seus inconvenientes, mas deu-me um sentido precoce e intenso das responsabilidades.
Compreendi a atitude de meu pai e hoje ainda a compreendo melhor.
A influência da autoridade paterna, vigilante e rigorosa, dura mesmo por vezes, foi a mola real da minha carreira na vida.

Em certo dia de Setembro de 1918, meu pai chamou-me a capítulo e notificou-me: -  seguirás para médico. Foi o meu primeiro embate com as realidades da vida. Eu, bisneto de professor e filho de professor, uma vocação tinha, congénita e profunda, a vocação para o ensino.
O entusiasmo de aprender acabou por fazer nascer em mim a ambição de ensinar. O professorado liceal era já nos meus 15 anos o sonho doirado para o meu futuro. A imposição autoritária, ameaçadora mesmo, de meu pai, desfez-me o primeiro sonho e lançou-me na dolorosa aventura de que hoje tem estado a decorrer um capítulo mais, não pouco desconfortável.

Mais tarde ainda, surgiu a oportunidade de colocação como médico municipal. Meia hora antes de terminar o prazo de entrega dos documentos de concurso, eu declarei a meu pai que desistia de concorrer, que preferia não ocupar tal cargo, dadas as responsabilidades inerentes que eu já conhecia por experiência de um mês de interinidade.
Ainda dessa vez eu obedeci à vontade paterna, submissamente – tinha 34 anos !
Dessa vez não foi com voz ameaçadora, mas com o fluir de lágrimas silenciosas que ele me convenceu. Um minuto antes da hora de encerramento do concurso, eu entreguei os documentos, sem uma palavra.

A vossa manifestação visa-me como médico? Foi inspirada pelos merecimentos da minha  actuação profissional? Se assim é, não agradeçam a mim. Sabem desde agora a quem o devemos.
Retomando o fio das recordações, lembrarei que o ensino liceal me foi ministrado num colégio em que na maioria os professores eram padres, assim como o director. Uma disciplina quase de seminário, me forçou ao aproveitamento escolar máximo e à correcção de comportamento escolar e extra-escolar. Nem as reprimendas nem os castigos me revoltaram – aceitei-os como aprendera a aceitá-los das mãos de meu pai. Não calculam o respeito que sinto ainda hoje pela memória dos meus rígidos professores no Colégio da Mealhada, já diluída nas brumas de um passado longínquo. Ainda um deles resta vivo.

Na Universidade encontrei um conjunto notável de professores e uma organização do ensino de alta qualidade. Nas aulas, nos laboratórios, nas bibliotecas, os professores, assistentes, empregados, material e livros, tudo se conjugava para despertar a cobiça de saber, o zelo de aprender, o costume de levar a sério todas as tarefas e a certeza de ser julgado e compensado com justiça o esforço e assiduidade de cada um. No mesmo sentido influiu o exemplo de alguns condiscípulos de extraordinária categoria, hoje integrados no professorado catedrático da Universidade.

Aqui está a razão porque eu não me atrevi a alhear-me desta manifestação – acabo por colaborar até com certo prazer. Porque simbolicamente na minha pessoa, esta homenagem atinge a galeria de educadores que me moldaram a personalidade, corrigindo-me defeitos inatos, desenvolvendo-me as qualidades, incutindo-me outras que eu não trazia do berço; que me guiaram e me impeliram pelo caminho do trabalho assíduo, da honra de cumprir, da mística de respeitar tudo e todos.
Nunca, se não fosse a vossa iniciativa, teria oportunidade de exprimir a minha comovida veneração por todos os que me ensinaram e me corrigiram desde o berço até à idade adulta. Quase todos já desaparecidos da vida!
Tudo o que foi dito em meu louvor, tudo o que foi feito em minha honra, é honra e louvor, na pessoa do educando, aos educadores que lhe formaram a parte melhor da personalidade. Eu agradeço por mim e principalmente por meus pais e professores.

Mudando de assunto, quero referir-me à reedição de «O Pelourinho de Mortágua». Esse livrinho tem uma história que vou expor em poucas palavras. Em 1940, comemoraram-se os dois centenários – o da fundação da nacionalidade (1140) e a restauração da independência (1640). Era Presidente da Câmara, o Dr. António de Abreu, que tão cedo a morte havia de roubar ao nosso convívio. Inteligência vivíssima que eu bem conhecia, desde os remotos tempos que me gastei a ensinar latim, exercitando-o algumas vezes nos complicados enredos das declinações, conjugações e regras de sintaxe da velha língua de Roma. Não quis ele que o concelho de Mortágua deixasse de estar representado no certame das publicações centenárias de todo o País. E fui eu o indigitado para escrever alguma coisa que figurasse nesse certame.
Num prazo escassíssimo eu tive de redigir o volume «a todo o vapor», começando e continuando três capítulos diferentes ao mesmo tempo, dando que fazer a três tipografias simultaneamente. Por pouco que não estava concluído na data marcada, mesmo assim.
Sempre com receio de eu me descuidar, o Dr. António Abreu, "espicaçava-me" constantemente, seguia interessado as fases da impressão tipográfica, as gravuras, etc.
Não me deixou afrouxar por um só dia o esforço.
Mais uma vez a vossa homenagem vai atingir outrem – o merecimento da publicação não é meu fundamentalmente. O livro nunca teria sido escrito nem publicado se não fosse a pressão firme e amistosa ao mesmo tempo, do Dr. António Abreu, na sua passagem pela presidência da Câmara de Mortágua. Embora fosse breve a sua presidência, três realizações se lhe ficaram a dever, que as dificuldades nesse tempo para fazer fosse o que fosse – o orçamento camarário andava por cem contos – mais realçam. Uma dessas realizações foi a construção da escola do Sardoal, a primeira escola nova que a Câmara edificou neste concelho. A outra, foi a publicação de "O Pelourinho de Mortágua", que sem o interesse, diligência e firmeza do Dr. Abreu, nunca seria sequer sonhada. A terceira foi a iniciativa da conclusão da estrada de Vila Moinhos ao Tourigo. Terraplanada 20 anos antes, há outros tantos aguardava o empedramento. Charco de lama ou de poeira, cortada de relheiras de meio metro de fundo, nem a pé seria transitável, quando chegou a década de 40. Ainda me recorda do embarque do Dr. Abreu no rápido de Lisboa para interessar o Eng. Duarte Pacheco na conclusão da estrada do Caramulo.

Resta-me agradecer a tudo e a todos, no fim de protestar contra tudo e todos, já que me fora negado o direito de defesa.
Protestei e protesto indignadíssimo, no meu brio de médico e na minha sensibilidade pessoal feridos. Mas agradeço reconhecido, reconhecidíssimo, tudo e a todos, sincera e comovidamente.
Permitam-me que apenas especifique o Ex.mo Sr. Presidente da Câmara Municipal e os componentes da Comissão promotora.
E a todos os presentes, agradeço a gentileza da comparência e o favor de me escutarem, e desejo as melhores prosperidades.»

 Concluída a leitura deste discurso, confesso que sinto indignação por algumas falsidades que são ditas, mas ao mesmo tempo alguma pena ao ver a que ponto pode chegar a submissão ao poder, a começar pelo paterno, que o levou a viver uma vida de médico, que nunca quis ser. E digo-vos que não pode ser uma boa maneira de viver essa profissão.

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