domingo, 7 de maio de 2017

 
Frei Agostinho de Santa Maria escreveu uma extensa obra sobre as imagens milagrosas de Nossa Senhora de todo o território de Portugal. E, ao contrário do que passou a acontecer depois de 1917, eram muitas essas imagens que valiam aos crentes. E só no Concelho de Mortágua havia várias, de que iremos dando conta.
 Começamos por apresentar aqui os prodígios  levados  a cabo pela padroeira do meu local de nascimento - Vale de Açores. Em futuras publicações continuaremos a apresentar o que diz Frei Agostinho de outras imagens de Mortágua.

TITULO LXXIX

Da Imagem de nossa Senhora da Piedade, do lugar de Vale de Açores, termo da Vila de Mortágua

O lugar de Vale de Açores, Concelho, e limites da Vila de Mortágua, de onde dista menos de um quarto de légua para a parte do Sul, ficando-lhe no meio o rio de Mortágua, com uma formosa ponte de cantaria, que é a estrada Real de Coimbra para a Beira; no meio deste lugar, que é muito pobre, se vê o Santuário, e Casa de nossa Senhora da Piedade, com quem não só os moradores daquele lugar tem muita devoção, mas os da Vila , e dos lugares circunvizinhos. É esta sagrada Imagem formada em pedra, e de boa escultura; a sua estatura são três palmos, na forma que se vê, com o Santíssimo Filho defunto em seus braços; e não se lhe põem mais ornatos, que toalha, e manto, uns de festa, e outros comuns, e roxos para o tempo do Advento , e Quaresma. Está colocada no meio do Altar da sua Ermida, que é único; e aos lados lhe ficam as Imagens de Santo António,  e Santo Amaro, que também são formadas de pedra. E no retábulo se veem de pintura de uma parte São Francisco, São Gregório, e São Bento, e da outra  Santo Inácio Bispo, e Mártir, Santa Marta, & Santa Apolónia. A Ermida, que tem a porta para o Oriente, é pequena; mas para a grande pobreza do lugar, devota. É esta Santíssima Imagem de grande veneração, e causa muita compunção em todos, os que contemplam o grande sentimento, que representa em a dor da morte de seu Santíssimo Filho, e Salvador nosso; e assim é muito grande a fé e a devoção, que todos tem com esta Santíssima Imagem da dolorosa Senhora da Piedade. Vê-se esta Senhora com uma representação tão viva, e mostra tanta ternura , que infunde em todos não só compunção, mas uma grande reverência. Em muitas ocasiões reparando-se nela com atenção, parece que está suando; e será que naquelas ocasiões interporá (como Mãe, que é dos pecadores) o seu patrocínio para os livrar de suas culpas, e também dos trabalhos que padecem, merecidos muitas vezes pela ingratidão com que respondem aos grandes benefícios, com que a Divina piedade os trata. Nunca esta misericordiosa, e piedosa Mãe nossa cessa de rogar por nós a seu Santíssimo Filho, nem cessou nunca; porque logo que viu em seus braços a Deus Menino, (como diz São Bernardo) lhe instilou com o leite a sua índole misericordiosíssima, e aquele génio, ou inclinação fácil para bem fazer, e para se compadecer, e perdoar: Indolem suam misericordiosissimum, & genium illud ad benefaciendum……. E vendo-o morto em seus braços lhe está rogando lhes perdoe, pois pelo seu remedio, e salvação quis dar a vida.
Quanto à origem, e princípios desta Santíssima Imagem, o que se sabe é, ser muito antiga , como o afirmam as pessoas mais velhas daquele lugar. Uma destas refere, que ouvira a seus pais , que um de seus ascendentes a tinha em sua casa, em uma copeira, ou nicho de prateleira,( como outros dizem) e que a trouxera de Coimbra , (aonde podia comprar a manufatura, porque sempre em Coimbra ouve bons artífices de pedra, como  hoje se vê) o qual era muito enfermo, e que estava entrevado, e que tinha a sua cama defronte da Santíssima Imagem da Senhora ; e que em uma ocasião, em que parece se viu mais apertado das suas dores e achaques, se oferecera à Senhora com muita humildade, e devoção , pedindo-lhe se compadecesse dele , e que olhando para ela a vira estar suando , e que no mesmo tempo se achara são, e livre de todos os achaques, que padecia. E dizia mais a mesma pessoa , que à vista daquele grande milagre, e da repentina saúde com que se via, se levantara da cama louvando a Senhora , e dando-lhe muitas graças pelo benefício que lhe fizera. E que em memoria daquele grande favor, que lhe fizera, e do milagre que obrara, lhe edificara aquela Ermida, aonde colocara a Imagem da Senhora da Piedade, julgando se por indigno de a ter em sua Casa;  e que todos os anos, em quanto vivera, festejara a mesma Senhora na primeira Oitava da Páscoa da Ressurreição. Esta tradição, e notícia se nos deu por verdadeira.
Também afirmam os velhos daquele povo não haver quem se lembre, de que a Senhora em algum tempo fosse segunda vez encarnada ; porque nunca lhe tocou a mão de algum pintor ; e assim se vê ainda hoje tão bela , e com as cores tão frescas , como saiu das mãos do primeiro artífice, e está tão perfeitamente obrada, que causa admiração. Todas as vezes, que há necessidades publicas de faltas de Sol, ou de água naquela terra, recorrendo à Senhora da Piedade conseguem tudo quanto pedem. Nestas ocasiões vai o Pároco da Igreja de Mortágua com toda a sua Freguesia àquele lugar, e a mais gente dos outros lugares com procissão de preces a pedir-lhe os despachos de que necessitam, e estes se acham tão prontos, e com tão evidente milagre, que muitas vezes estando chovendo, ao tempo que sai a procissão da Paroquia para a Ermida da Senhora, quando chegam a ela, se vem já os campos alegres com a presença do Sol. E quando a procissão se faz por faltas de água, nunca chegam à Ermida da Senhora, que a água os não molhe no caminho; e estando o ar claro, e sem nuvens, logo aparecem. Porque a Senhora de Piedade as faz vir a regar as terras daqueles que imploram o seu favor. Sempre esta Senhora exercita para com os homens a sua misericórdia: seu Santíssimo Filho algumas vezes desembainha a espada da justiça; mas a Senhora com os seus rogos a suspende, diz São Bernardo: Christus  aliquando justiciam, Beata Virgo semper misericordiam exercet. Estas maravilhas testificam aqueles moradores suceder todos os anos; e assim é muito frequentado aquele Santuário.
Além desses milagres contínuos, e comuns já para aquela terra, tem obrado outros muitos particulares, dos quais referirei dois, e seja este o primeiro. Estando na Ermida da Senhora um Clérigo chamado o Padre Nicolau Corrêa Machado, natural do mesmo lugar de Vale de Açores,
sentado numa arquinha , que estava à parte direita do Altar com uma espingarda entre os joelhos ,encostada a si, por se haver recolhido à Ermida, com o temor de uma grande tempestade de vento , trovões, e relâmpagos, que se levantou, sucedeu cair um raio, ou corisco, que deu no forro do teto botando cada uma das tábuas para sua parte; e deu por entre o cano, e a coronha da espingarda carregada sem disparar. Finalmente o raio se meteu entre as pernas do Sacerdote , sem lhe fazer a mais mínima ofensa, nem ainda com a sombra. Este grande milagre, que merecia autenticado, sucedeu à vista de muitas pessoas, que se tinham também recolhido à Ermida da Senhora, que o viram, sem padecer nenhuma delas o mais mínimo detrimento. Sucedeu esta maravilha em 16 de Junho de 1 675.
O segundo milagre foi no ano de 1682. Outros Sacerdotes afirmam, (ainda hoje) que sendo estudantes naquele tempo, e que estudavam  Gramática com o Padre Manoel Mendes dos Reis no mesmo lugar, estando no mesmo povo se foram abrigar junto a hum castanheiro por temor da chuva , e trovões, e se resolveram entre si, que melhor era
ir para a Ermida da Senhora , e indo já distantes, cousa de um tiro de espingarda , quando viram cair um raio sobre o mesmo castanheiro, que o fez logo em pedaços , aonde eles padeceriam o mesmo, se a Senhora da Piedade os não movera, e lhes inspirara se recolhessem à sua Casa ; porque a estarem junto ao castanheiro infalivelmente  perigariam.
É aquele lugar muito pobre , e também não há nele quem possa fazer aqueles sinais, e memorias das maravilhas que a Senhora obra , nem pintor que as pinte ; só mortalhas, e essas poucas , pela pobreza daqueles moradores , e também elas se gastam no serviço da Ermida ; e é tanta a pobreza daquele lugar , que se não faz festa particular à Senhora.
Mas ainda no que podem servem ,e ajudam com a cera , vinho, e hóstias para os muitos Sacerdotes, que todos os dias vão a dizer Missa no Altar da Senhora : e também acodem com os ornamentos necessários ; e como a Senhora não tem Irmandade, nem rendimentos, acodem os moradores a esta despesa.
São muitos os Romeiros , que continuamente concorrem ao Santuário da Senhora da Piedade , e todos referem os favores, que da sua piedade, e clemência hão recebido. Vê-se esta Casa da Senhora ao sair do lugar com a porta para o Oriente, (como fica dito ) é pequena , e de humilde fábrica.
Quando ali cheguei, não pude ver a Senhora, por se não achar a chave. Defronte se vê no alto de um monte, que lhe fica ao Nascente , outra Ermida do Salvador do mundo, em distancia de mais de um quarto de légua.
Como a Senhora da Piedade é o presídio , e o amparo daquela  Aldeia , ela é a que a todos os moradores defende; porque assim a eles, como aos seus gados , e frutos , nunca as tormentas, raios, e tempestades lhes fizeram dano. E reconhecem todos ser por especial favor daquela misericordiosa  Mãe, e Soberana Protectora dos pecadores. Por isso disse Hugo Vitorino: Quid misericordius Beata Maria, que cunctis fidelibus misericordiae Mater esse comprobatur.
O não festejar com especial celebridade a Senhora da Piedade, não culpo aos moradores seculares; mas aos Eclesiásticos, que eles eram os que estavam obrigados a solicitar os louvores da Senhora , & incitar a todos com o seu exemplo , a que à Senhora se lhe dedicasse dia particular , em que se lhe celebrasse a sua festa , como se fazia antigamente; ou que se lhe fizesse no dia dos Prazeres, que é o próprio dia deste mistério. E eu lhes rogo aos senhores eclesiásticos do lugar, e da Vila de Mortágua , sejam mais solícitos em servir , e em venerar a esta grande Senhora ; porque ela lho satisfará como costuma, alcançando-lhes de seu Santíssimo Filho grandes bens, & felicidades.

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