quarta-feira, 24 de maio de 2017


Sobre o livro Mortálacum

Antes que o Câmara de Mortágua o reedite

A Câmara de Mortágua patrocinou em 2016 a reedição do livro O pelourinho de Mortágua, que fez acompanhar de um piedoso prefácio da Professora Dr.ª Maria Alegria Fernandes Marques que diz : «Embora não seja de esperar - muito menos exigir - um grau elevado de rigor histórico na obra de Assis e Santos, ela merece ser celebrada, tal qual o faz hoje, o Município de Mortágua. Assis e Santos é uma figura conhecida e lembrada na terra, cuja memória não é demais enaltecer; a sua obra é – passadas tantas décadas – ainda a base do conhecimento do seu passado.». A afirmação contém em si algo de contraditório – não seria de esperar que algo com pouco rigor histórico, constituísse base de conhecimento. Mas seria de esperar que alguém com créditos firmados lesse a obra com mais atenção e fizesse um comentário com mais rigor…

Em 1961, Joaquim da Silveira, em artigo publicado na Revista Portuguesa de Filologia  intitulado  Uma explicação sobre “Mortágua”, falando sobre o livro Mortálacum comenta : «Nessa monografia, que me parece geológica e topograficamente valiosa (Sem poder dizer o mesmo no ponto de vista histórico e menos ainda quanto a etimologias…)».

Se eu bem entendo, o livro carece de valor histórico e não merece crédito quanto às etimologias.

Mesmo sob o ponto de vista geológico, a obra pareceu-me ter algumas coisas de duvidosa natureza científica. Mas como o meu conhecimento de geologia é muito exíguo, para não dizer nulo, decidi pedir a opinião de um geólogo credenciado, professor associado convidado do Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Coimbra, que teve a simpatia de ler o livro Mortálacum e transmitir-me o seu parecer:

 Livro: MORTÁLACUM, de José Assis e Santos
1-Capítulo: História do Terreno

À medida que fui lendo as páginas que o Sr. Dr. José Assis e Santos dedica à geologia da zona de Mortágua verifiquei que os conhecimentos e informações nelas referidos mostram um grau de conhecimento geológico muito restrito quando comparado com textos científicos, relativos à mesma região, já existentes à data em que o livro foi terminado.
Aliás, o próprio autor estava bem ciente do nível dos seus conhecimentos geológicos ao afirmar (págs. 16/17):

“ Porque não tenho a honra de ser geólogo, não pode ser completa nem isenta de desacertos de pormenor a súmula de geologia local que vai seguir-se.”

 “Oxalá que este humilde e embrionário esboço geológico dos nossos terrenos desperte a atenção dos geólogos de carreira para os problemas não estudados até agora que se acumulam neste exíguo espaço de uma légua quadrada onde o destino centrou a nossa existência.”

O Dr. José Assis e Santos também não se informou de trabalhos científicos existentes na época em que o livro foi escrito.
Efetivamente, em 1944, o Boletim da Sociedade Geológica de Portugal, vol. 4, edita um trabalho muito bem documentado, com o título NOTES SUR LA MORPHOLOGIE ET LA GÉOLOGIE DU BASSIN DE MORTÁGUA da autoria do geólogo francês Pierre Birot (DOCTEUR ÈS LETTRES CHARGÉ DE MISSION À L'INSTITUT FRANÇAIS AU PORTUGAL).
A minúcia do trabalho efetuado por este autor só pode ter sido possível a partir de estadias prolongadas em Mortágua ou em zonas próximas.
É estranho que o Dr. José Assis e Santos que, pela sua profissão de médico, percorria regularmente todo o concelho nunca se tenha deparado com o geólogo Pierre Birot.
O nível de conhecimento geológico desta zona, já se encontrava, na época, num patamar de desenvolvimento científico aprofundado.

A leitura comparativa dos dois trabalhos torna claras as fragilidades científicas do livro o que torna inviável qualquer tipo de trabalho de revisão de texto.                                                                       

 21/05/2017

Será que alguém ficou esclarecido?

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