terça-feira, 23 de maio de 2017

Tomás da Fonseca e a questão dos baldios

Embora já existisse uma lei anterior que permitia a venda dos baldios, Tomás da Fonseca quis especificar melhor o seu interesse e o modo como deveria ser feita. Vejamos a argumentação que utilizou e a sua proposta.

 
Projecto de Lei nº 632
É lido na Mesa e pôsto em discussão na generalidade o projecto de lei que autoriza a Câmara Municipal e as juntas de paróquia do concelho de mortágua a venderem em hasta pública determinadas propriedades rústicas e urbanas.
É o seguinte:
Projecto de lei nº 632
Senhores Senadores. – Há no concelho de Mortágua grande quantidade de baldios municipais e paroquiais, inteiramente desvalorizados, devido à falta de compreensão dos seus munícipes que tudo queimam ou desperdiçam, sem proveito para quem quer que seja. Várias vezes se tem procedido à sementeira desses baldios, mas pouco se tem conseguido, porque os fogos, continuamente lançados por mãos criminosas, tudo tem devorado. Apenas alguns hectares de florestas existem, e esses danificados, porque, não podendo ser fiscalizados devidamente, nada produzem para o município. O povo das aldeias circunvizinhas, em lugar de fiscalizar e defender o património comum, é o primeiro a destruí-lo.
Assim aconteceu às matas entre Quilho e Anceiro, hoje completamente destruídas por fogos sucessivos e o mesmo vai acontecendo às das freguesias do Sobral e Pala, e ainda de Vale de Carneiro que, podendo valer vinte ou trinta contos, não valem hoje mais de quatro ou cinco, e que amanhã nada valerão, se não forem entregues ao cuidado, e portanto à exploração directa dos habitantes das populações circunvizinhas.
Daí, pois, a urgência dum diploma que autorize o município alienar esses baldios, devastados e quási inúteis. Essa alienação traz ainda outra vantagem, a de se aplicar o produto das vendas à viação municipal, que até hoje tem sido bastante descurada, sendo o concelho de Mortágua um dos mais desprovidos de vias de comunicações de todo o país. Esse melhoramento é indispensável, aliás o concelho continuará isolado dos concelhos limítrofes, que são Anadia, Santa Comba Dão, Tondela e Águeda, que á sua viação municipal têm dedicado uma parte importante dos seus rendimentos.
Nestas circunstâncias, tenho a honra de sujeitar ao vosso exame o seguinte projecto de lei:
Artigo 1º. São autorizadas a Câmara Municipal e juntas de freguesia do concelho de Mortágua a venderem em hasta pública, efectuada perante a Câmara Municipal e independentemente das formalidades das leis de desamortização, todos os bens próprios, quer rústicos, quer urbanos que possuam e não precisem conservar, bem como quaisquer baldios e terrenos de caminhos vicinais paroquiais, abandonados em virtude da construção de estradas ou qualquer outro motivo, que sejam do seu domínio.
§ único. A Câmara e juntas reservarão, pelo menos, uma décima parte dos seus baldios a aplicar em cultura florestal, especialmente pinhais, bem como à arborização de estradas e caminhos.
Artigo 2º O produto das vendas efectuadas terá a seguinte aplicação:
1º Parte será convertido em inscrições da dívida pública, tanto quanto seja necessário, para pelo menos conservar à Câmara Municipal e Juntas de Freguesia os seus actuais rendimentos;
2º do restante 50 por cento serão aplicados à construção de vias de comunicação, 25 por cento a serviços de instrução e assistência pública e 25 por cento ao desenvolvimento florestal ou agrícola, quer em terrenos próprios da Câmara e Juntas, quer em particulares, conforme o que em regulamento especial as corporações interessadas estabelecerem.
§ único. Cada uma dessas corporações administrativas resolverá sobre a oportunidade de venda dos bens, que não precisem conservar, e aplicará a quantia que realizar pela sua alienação, conservando inteira autonomia de administração quanto aos rendimentos dela provenientes.
Artigo 3º Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões do Senado, 16 de Julho de 1917. – O Senador, Tomás da Fonseca.

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