Continuamos a publicar excertos do livro de Frei Agostinho de Santa Maria
TITULO LXXXVII.
Da Imagem de nossa Senhora da Assumpção , que se venera na Matriz da Vila de Mortágua.
A Vila de Mortágua é antiquíssima, e em seu nome singular neste Reino: sua etimologia não pude descobrir. Será sem dúvida por estar situada num grande, e dilatado vale, regado de duas caudalosas ribeiras, (que passam por duas formosas pontes) as quais em pouca distancia à parte do Meio dia , unidas fazem um grande rio , que ajuntando-se ao soberbo Dão, vai desaguar no Mondego perto de Penacova; e como estas águas correm sem estrondo, daqui se lhe daria o nome à Vila , por estar vizinha a esta morta água; creio que em tempo dos Mouros já seria deles habitados.
No tempo d’el Rei Dom Sancho o Primeiro já era Vila, como consta dos papéis, e memórias do arquivo da sua Câmara. El Rei Dom Duarte fez mercê desta Vila, e da de Penacova a Dom Sancho de Noronha, e a Dona Mécia de Sousa 1, primeiros Condes de Odemira , a qual mercê confirmou El Rei Dom Afonso Quinto no ano de 1541 2 ,e depois El Rei Dom Manuel lhe renovou o foral com muitos privilégios em 8 de Janeiro do ano de 1504 3 ,o qual confirmou El Rei Dom João o Terceiro em 28 de Agosto de 1527 e na Casa dos mesmos Condes se conservou até o tempo d’el Rei Dom João o Quarto; que confirmou a mesma mercê ao Conde Dom Francisco de Faro; e por sua morte fez delas mercê El Rei Dom Afonso o Sexto a sua única filha a Duquesa D. Maria de Faro. Por morte desta Senhora, fez mercê das mesmas Vilas El Rei Dom Pedro o Segundo a D. Nuno Alves Pereira, primeiro Duque do Cadaval, Conde de Tentúgal, Marquês de Ferreira, em 18 de Dezembro de 1671, com todas as jurisdições, direito, rendas, e Padroados de igrejas , ofícios , assim da guerra , como da Republica, e oitavos de todos os frutos.
É esta Vila em si muito limitada, porque não passa de cinquenta fogos; mas o seu Concelho é muito dilatado, e compreende nove Freguesias com rendosas Igrejas, e com muitos lugares. É muito abastada de frutos , trigo , centeio, milho, e bastante vinho, & azeite, & frutas. De peixe do mar , e de seus vizinhos rios é regalada ; porque do mar em dia e meio lhe chega fresco ; e dos rios tem muitas lampreias, sáveis, trutas, bogas, e outros peixes.
Abunda de caça , perdizes , coelhos , e lebres, de pássaros, como lavancos, e outros.
Fica na estrada Real de Lisboa, Coimbra , Porto, e Aveiro, e é a passagem para toda a Beira.
Nesta Vila se alojou com toda a sua Corte o Sereníssimo Rei Dom Pedro o Segundo no ano de 1704, e depois El Rei Católico Carlos Terceiro, e nela foram providos de tudo, sem lhe ser necessário mendigar nada das terras circunvizinhas fora do seu Concelho. E além destas prerrogativas, que goza, tem outra maior, que são os muitos Santuários que nela se veneram , como é o de nossa Senhora da Assumpção venerada na sua Matriz , nossa Senhora do Chão do Calvo no lugar de Pala , nossa Senhora da Piedade do Vale de Açores , nossa Senhora de Vila Nova de Monçarros, nossa Senhora do Amparo em Ferradosa , nossa Senhora do Carmo, e nossa Senhora da Ribeira na Freguesia da Marmeleira; destas prerrogativas de que goza a julgo por mais
nobre , e mais ilustre.
Na Igreja Matriz desta Vila, que é dedicada à soberana Rainha dos Anjos , e ao mistério de sua triunfante Assumpção aos Céus, é tida em muita veneração uma antiga Imagem da mesma Senhora ; vê-se colocada no meio do retábulo em lugar levantado sobre o sacrário , e na sua Capella mor. É esta sagrada Imagem de escultura de madeira, e estofada; sua estatura são dois palmos e meio, para três. O retábulo é antigo, e obrou-se no ano de 1571, e de um , e outro lado se veem alguns Serafins , que a estão sustentando, ou acompanhando em a sua gloriosa subida. Tem a Senhora nas suas mãos hum crucifixo de ouro , que lhe deixou em seu testamento Gaspar Tojo Gato , Prior que foi na mesma Igreja, com clausula, que ali estivesse sempre, e se não alienasse , nem vendesse em nenhuma maneira.
É esta Santíssima Imagem muito antiga, e assim não se sabe dizer nada de seus princípios. Entende-se seria obrada na fundação daquela Igreja; porque suposto que o retábulo se fez no ano de 1571, já a Senhora era venerada no mesmo Templo: também não há memória de que ela fosse segunda vez pintada.
Celebra-se a sua festividade em quinze de Agosto, e faz-lhe esta festa o Prior da mesma Igreja à sua custa, por obrigação que para isso tem, por ser o seu Orago.
Tem uma Irmandade que a serve, e faz as celebridades das mais festas da Senhora. Tem a Senhora alguns rendimentos, que administra a Irmandade, e assim é obrigada a dar a cera toda para as Missas da terça, ou conventuais, que é a Missa, que chamam do dia, e também para as procissões. Nestas sai muitas vezes numa charola, aonde a acompanha toda a Vila com muita devoção; e ainda fora muito mayor, se houvera mais fervor, e zelo nos que a servem; porque não sendo a Igreja pobre, vê-se com tão pouco alinho, e concerto, que a poderá julgar (quem a vir) pela mais pobre do Bispado de Coimbra. Tudo isto nasce de falta de zelo, e de fervor. Já houve dinheiro junto para se lhe fazer um novo retábulo com tribuna; mas os Moradores daquela Vila o gastaram em edificarem uma nova Casa da Câmara.
E como os Visitadores que vão a visitar estas Imagens não tem demasiado zelo naquilo, em que principalmente o deviam ter; assim se gasta no profano, o que só pertencia ao sagrado, e Divino; e estes descuidos castiga Deus rigorosamente, e também os pode castigar a Senhora da Assunção, pois tanto se descuidam dela; e assim o deviam entender os que dissipam, o que ao Divino culto se aplica, para fugirem aos castigos, que do Céu podem experimentar.
Nota:
Frei Agostinho de Santa Maria faz neste ponto alguma confusão de datas, que
aqui tentamos corrigir.
1 D. Duarte 26.01.1434 : TT- Chancelaria de D.
Duarte, Lº 1, fl.582 D. Afonso V - 9.10 1446
3 O Foral Manuelino é de
1515
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